"Ainda que neste mundo não existissem os ensinamentos da autoridade, a mim bastaria a experiência para falar dos males do matrimônio: e isso, cavalheiros, porque desde os meus doze anos de idade (louvado seja Deus, que tem a vida eterna, por ter-me permitido casar-me tantas vezes), tive já cinco maridos à porta da igreja - e todos homens de bem, à sua maneira.
Não faz muito, entretanto, disseram-me que, como Cristo só compareceu uma vez a um casamento - às bodas de Caná da Galileia -, quis ensinar-me com essa atitude que eu só deveria casar-me uma vez. Pensem também nas palavras duras que a esse propósito proferiu junto da fonte Jesus, homem e Deus, ao repreender a mulher samaritana: 'Tiveste cinco maridos', disse ele, 'e o homem com quem vives não é teu marido.' Foram essas as suas palavras. Mas não faço a menor ideia do que querem dizer, pois não entendo por que motivo o quinto homem não era marido da samaritana. Quantos, afinal, ela podia desposar? Até hoje, pelo que eu saiba, ninguém definiu ese número. Por isso, deixo que os outros façam as suas suposições e as suas interpretações; quanto a mim, o que sei é que Deus, expressamente e sem mentira, ordenou-nos claramente isto: 'Crescei e multiplicai-vos!' E esse texto gentil entendo muito bem."
(Extraído do "Prólogo do conto da mulher de Bath", do livro Os cantos de Cantuária, tradução de Paulo Vizioli, publicado por T.A. Queiroz, Editor.)
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