terça-feira, 14 de maio de 2013

Já que a alma...

... não se mostra a nós e não nos dá um sinal sequer, continuamos alimentando este corpo, embora o rejeitemos com toda a força de nosso ódio. Continuamos a dar-lhe pão e água, cada vez menos pão e menos água, mas ele não morre. Num dia muito longínquo, disseram-nos que este corpo era o nosso, deram a ele nosso nome, e nós passamos a carregá-lo, e o suportamos ainda, até hoje, mesmo que há muito ele já não consiga dançar com as mulheres nem apertá-las, nem extrair-lhes beijos, canções, gemidos e súplicas. Nós arrastamos este defunto conosco. Toda manhã, quando acordamos, tentamos sair furtivamente e deixá-lo na cama. Mas ele se agarra a nós, pendura-se em nossos ombros e nos segue quando saímos à rua, montado em nós como um espectro. Nos esporeia ainda, com o pouco de energia que lhe resta. Não morre, e pelo caminho vai pedindo comiseração. Tão descarado é em suas lamúrias que sempre encontramos no caminho quem diga que deveríamos nos envergonhar por tratá-lo tão mal.

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