sábado, 16 de novembro de 2013

"A porta", de Margaret Atwood

"A porta se abre de repente,
você espia.
Está escuro lá dentro,
provavelmente aranhas:
nada que você queira.
Sente medo.
A porta se fecha de repente.

A lua cheia brilha,
está cheia de sumo delicioso;
você compra uma bolsa,
a dança é agradável.
A porta se abre
e se fecha tão rapidamente
que você não nota.

O sol aparece,
você come desjejuns velozes
com seu marido, que ainda é magro;
lava os pratos,
ama seus filhos,
lê um livro,
vai ao cinema.
Chove moderadamente.

A porta se abre de repente,
você espia:
por que isso acontece a toda hora, agora?
Há algum segredo?
A porta se fecha de repente.

A neve cai,
você limpa a calçada ofegante;
não é fácil como outrora.
Seus filhos às vezes telefonam.
O telhado precisa de conserto.
Você se mantém ocupada.
A primavera chega.

A porta se abre de repente:
está escuro lá dentro,
há muitos degraus levando para baixo.
Mas o que é aquele brilho?
É água?
A porta se fecha de repente.

O cachorro morreu.
Isso aconteceu antes.
Você arranjou outro;
dessa vez não, porém.
Onde está o seu marido?
Você desistiu do jardim.
Tornou-se trabalho demais.
À noite há cobertores;
ainda assim você fica desperta.

A porta se abre de repente:
Ó deus das dobradiças,
deus das longas viagens,
mantiveste tua palavra.
Está escuro aqui dentro.
Você se entrega à escuridão.
Entra.
A porta se fecha de repente."

(Do livro A porta, tradução de Adriana Lisboa, publicado pela Rocco.)

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