sábado, 4 de dezembro de 2010

Lírica (1.302) - O chamado do mar

Acordava com o espírito aventureiro adquirido nas suas leituras da juventude. Sentia-se ora um marujo, ora um capitão cuja principal loucura era a perda do medo e do instinto de sobrevivência. Tomava o café estouvadamente, às vezes nem passava geleia no pão, porque o impelia o ímpeto de sair para a manhã. Nela buscava o vento salgado e a tempestade tropícal. Bafejado pela brisa amena e cumprimentado pelo prosaico sol citadino, voltava frustrado para casa e, tentando ainda sentir-se um grumete de axilas fedorosas, lançava-se à urdidura de um romance de batalhas navais já escrito tantas vezes por outros, mas que ele pretendia escrever melhor. Vinha dedicando a esse livro meia hora de suas manhãs fazia vinte anos, estava na página 721 e ainda lhe faltava narrar três escaramuças oceânicas que vivera com sua prestativa imaginação.

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