Situações (178) - A trilogia

Abdicara da vida pela arte. Tinha trinta anos quando tomou a decisão. Mulheres, festas, viagens e tudo que antes era sua alegria, nada mais lhe interessava, a não ser como objeto de estudo para seus romances. Aos poucos, passou a não ser visto nos lugares em que antes era figura notória. Isolou-se numa casa que herdara, num lugarejo, e lá só ele sabia o que fazia: dezesseis a dezoito horas diárias dedicadas àquilo que ele chamava de ofício, embora ganhasse dinheiro só com resenhas e artigos encaminhados a jornais e a revistas. Quando, depois de seis anos, acabou o primeiro romance, custou-lhe despedir-se dos personagens, deixá-los num ponto em que nenhum parecia ter cumprido destino nenhum. Ocorreu-lhe, aproveitando o ímpeto da criação, escrever o segundo, uma continuação. Nos quatro anos seguintes, não se arrependeu da decisão e, no dia em que concluiu o livro, precisou conter-se para não ser subjugado pela tentação de iniciar o terceiro, até porque amava a palavra trilogia. Havia se passado uma década e, com os dois livros prontos, agradou-lhe a ideia de fazer aquilo que, com bom humor, considerou seu retorno à civilização. O primeiro editor a quem levou os dois livros interessou-se vagamente em ler o primeiro, mas o afeto devotado aos personagens fez o escritor desculpar-se e dizer, embora de modo brando, que ou os dois ou nenhum. Assim foi com os outros quatro editores que, numa quinzena, ele visitou. O argumento deles era lógico: primeiro o primeiro, depois o segundo. Começou a acossá-lo de novo o desejo de escrever o terceiro volume, mas uma lucidez surpreendente num romancista o fez ir ficando pela cidade, num apartamento também herdado, para tentar entendimentos mais consistentes com os editores. Havia muitos, ainda, a visitar. Resolvido isso, encaminhou o primeiro volume a cinco editores. Faz um ano, já, e só dois deles responderam, dizendo que lhes faltara tempo para a leitura. Os outros, por uma característica própria das editoras, locais sabidamente frequentados por gênios pouco afeitos às coisas práticas, informaram simplesmente que os originais, apesar de todas as buscas, não haviam sido encontrados e convidaram o escritor a reenviá-los. Ele já resolveu: esperará mais um ano, apenas. Enquanto isso, começará a fazer rascunhos para escrever o terceiro volume.