sábado, 24 de agosto de 2013
Kama Sutra - CCLXXVI - Márika Voroshenka (14)
A gola alta da blusa e a rispidez com que Márika afastou minha mão de sua nuca em nosso último encontro juntaram-se em meu cérebro espicaçado pelo ciúme, e foi assim, ainda em dúvida, que fui vê-la hoje cedo. Eu estava atormentado. Achava que ela me escondia alguma coisa. Assim que nos sentamos em nosso banco, na parte menos frequentada do parque, procurei, disfarçadamente, ver se havia alguma marca na nuca de Márika. A suspeita ganhara força porque ela, se bem que vestisse uma blusa com gola comum, havia puxado um pouco de seus cabelos para ali. Devo ter esquecido a discrição necessária, porque repentinamente ela inclinou a cabeça, afastou os fios negros e me disse: "É isso que você está querendo ver?" Havia ali duas marcas leves, provavelmente de lábios, que na véspera deveriam estar bem mais visíveis. "Era isso?", ela insistiu, e eu, como se soprasse o dedo de uma criança da qual houvesse sido tirado um espinho, encostei minha boca nas marcas, o que provocou em Márika um riso nervoso. Cócegas. "Quem fez isso?", perguntei. "Foi seu marido?" Ela parou de rir: "Eu não tenho marido." A hipótese que restava acrescentou despeito e rancor ao meu ciúme. "Seu amante?" "Eu não tenho amante." "Quem foi, então? Não há de ter sido um gato." "Eu não tenho gato." "Quem foi, então?" "Foi meu marido." "Mas você não disse agora mesmo que..." "Eu disse, e é verdade. Eu não tenho marido. Foi meu ex." Nesse instante me passou pela cabeça que tinha sido tudo bom demais e durara até muito. Lá estava de volta o ex-marido, ansioso para recuperar tudo aquilo que me encantava: as pernas, os olhos, os seios, as mãos, a bunda. Não consegui dizer nada. Gostaria de ter morrido nessa hora. Ela pôs a mão no meu queixo, ergueu meu rosto: "Você está chorando?" Eu estava. Deus, chorar com esta idade, quando não chorei nem quando peguei o exame que confirmou meu câncer, há seis meses. "Não faz isso", ela me pediu, e eu esperei que ela pusesse no fim da frase um menino ou um bebê, tão fragilizado eu estava. "Ele veio para ficar, não veio?", eu quis saber "Não, nada disso. Veio acertar umas coisas e já foi embora. Ele tem outra mulher, faz tempo, no Sul." "Ele te machucou?", eu perguntei, apontando a nuca. "Não. Ele disse que estava com muita saudade e..." "Não precisa dizer mais nada", eu pedi. Ela me consolou: "Não fique assim. Isso não muda nada entre nós. Eu já disse, ele foi embora." Tive vontade de inclinar sua cabeça sobre a minha braguilha e mandar que ela me chupasse, começando pelos botões, enquanto eu lhe morderia a nuca. Seria justo, pensei, mas não fiz nada disso. Com esta minha idade, poderia eu agora tornar-me um predador sexual? Limitei-me a beijar Márika nos olhos, que julguei úmidos, no rosto, na boca, possuído por uma ternura que me abobalhava deliciosamente. Ela me beijou com o mesmo ritmo lento e doçura. Parecíamos dois colegiais prontos para formular juras de amor eterno. Pensei em fazer isso, mas segurei o ímpeto. Ando tão desatualizado que, em vez de comover Márika, talvez só a fizesse explodir em gargalhadas. Ela me passou um lenço: "Pega." Imaginei que minhas lágrimas tivessem voltado a descer pelo rosto, mas não era isso. No centro do lenço, havia a marca impressa dos lábios de Márika, em batom. "Pode ficar com ele. Assim, quando sentir saudade, você pode beijar a minha boca." Temi que isso fosse uma despedida, mas ela me tranquilizou. E, para me colocar nas nuvens, sugeriu que se eu voltasse à tarde, às três, talvez ela estivesse ali. Beijou-me, encostou-se em mim como nunca, e talvez estivéssemos nos beijando ainda, se um velho que anda sempre com seu cachorro não aparecesse de repente na trilha. Escrevo isto agora, às onze e sete, e sei que vivi até hoje para o que acontecerá daqui a quatro horas. Márika, ah, Márika!
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