sábado, 24 de agosto de 2013
Kama Sutra - CCLXXVII - Márika Voroshenka (15, epílogo)
Não preciso, suponho, relatar os detalhes da ansiedade que me tomou depois de Márika me dizer que talvez estivesse no parque às três horas. Podem imaginar todos os clichês, até o pior deles, este: o tempo parou. Às duas e meia eu já estava na entrada do parque. Fiquei ali por dez minutos. Ocorreu-me então que, sendo sábado, conviria ir até o nosso banco e guardar o meu lugar e o dela, colocando o pulôver ao lado. Descendo pela trilha, vi, de longe, alguém sentado no banco. Era uma mulher. À medida que me aproximava, notei que tinha cabelos escuros, como os de Márika. Já mais perto, vi que o rosto era muito parecido e, um pouco adiante, não tive dúvida. Era ela. Falava com um homem que estava em pé, segurando um cachorro pela guia. Era o velho que vinha todos os dias. Eu estava a vinte passos deles quando o homem saiu andando com o cachorro na minha direção. Disse-me boa tarde, enquanto dava tchauzinho para Márika, e seguiu. Sentei-me e beijei Márika: "Que bom que você veio mesmo, minha querida. Eu pensei que fosse um trote seu." "Trote? Eu estava tão ansiosa... Viu o homem que estava conversando comigo? É simpático. Disse que vem sempre aqui. Eu não lembro de ter visto." A essa altura, o homem e seu cachorro estavam já fora de vista, e eu abracei Márika. Não lhe procurei a boca. Encostei os lábios na sua orelha e disse, perturbado: "Eu te amo, eu te amo, eu te amo." Ela se arrepiou toda, mas eu disse de novo o triságio amoroso: "Eu te amo, eu te amo, eu te amo." Ela se virou para mim e me beijou os lábios como se os meus e os dela fossem dois animais selvagens empenhados em se aniquilar. Foi sua vez de dizer, para dentro da minha boca: "Você me ama. E o que mais?" Senti suas unhas nos meus braços, atravessando o pulôver. Queria que eles sangrassem, que guardassem para sempre as marcas impostas por ela. "E o que mais?", ela continuava a perguntar, com a língua depositando, na minha, vogais que corriam para a minha garganta. "Quero te comer", eu disse, já não sabendo qual saliva era a minha e qual era a dela. Espantei-me por ter usado aquele verbo, comer, eu que sempre recalquei qualquer palavra que achasse de mau gosto. Comer, no sentido sexual, sempre foi uma delas. Espantei-me ainda mais quando, apertando Márika como se quisesse quebrá-la, osso por osso, livrei meus lábios dos seus para dizer com insolente clareza: "Agora!" "Você enlouqueceu?", ela me perguntou, mas sua mão, ao contrário da voz, que me desencorajava, fixou-se plena e firmemente no meu pau (os muito pudicos me desculpem, mas não vejo como chamá-lo de outra forma no contexto e, convenhamos, haveria outros termos ainda piores). Enfiei a mão entre suas coxas, por dentro da saia, e senti a sua calcinha úmida. "Agora!", repeti, "agora!", enquanto com o dedo médio buscava reforçar meu apelo. Ela, apertando e desapertando meu pau, com um ritmo que já fazia tremer minhas pernas, disse: "Mas onde?" "Ali embaixo", respondi, referindo-me a um lugar, dentro do parque, em que era comum vermos jovens casais deitados, simulando dormir quando estavam mais despertos do que nunca. "Você enlouqueceu mesmo", Márika me censurou. "Em outro lugar, então, em qualquer um. Num motel", eu propus. Ela ficou um instante em silêncio, depois me disse: "Pensa que eu não quero também? Eu estou louca de vontade. Viu como eu estou molhada? Mas hoje não." "Por que não?", eu quis saber. "Ser vista num motel não ia ser nada bom para mim. Eu não te conheço direito, mas acho que também não ia ser bom para você. E sábado é pior. Os motéis ficam lotados. Outro dia. Semana que vem." Nesse instante, passou por nós, sem que tivéssemos notado sua aproximação, o velho com seu maldito cachorro. Márika e eu nos recompusemos do jeito que foi possível, mas ele, discreto, não olhou para nós. O fogo em que Márika e eu ardíamos arrefeceu e, depois de mais alguns beijos que pareciam brasas se apagando sob chuva, levantamo-nos para ir embora. A caminho da saída, Márika parou na ponte que há sobre um laguinho em que vivem pequenos peixes vermelhos. Surpreendentemente, não havia nenhuma criança ali, o que eu encarei como um indício de minha boa sorte, e, assim, enquanto Márika, debruçada, olhava para baixo, eu, como um cafajeste, a abracei por trás e senti os contornos de sua bunda. Deus! Não há outra interjeição que traduza o que aconteceu com o meu corpo, que parecia pronto para entrar em convulsões. Por alguns momentos eu tive dezoito anos e se Márika, embora com delicadeza, não saísse daquela posição, certamente eu estaria numa delegacia agora. Despedi-me dela. Sentia-me fraco, exausto, como se a tivesse comido uma, duas, dez vezes. Ela prometeu que nos veríamos na segunda, de manhã, e decidiríamos então sobre o motel ou alguma outra hipótese. Ela mencionou a casa de uma prima, que trabalha o dia todo e talvez se dispusesse a emprestar a chave. Com os ouvidos zumbindo, atônito, receando a cada passo que minha pressão fosse explodir, peguei o rumo de casa. Ouvi o resfolegar de um cão. "Ei", alguém me chamou. Naturalmente era o velho com o cachorro. Sorri e parei. Ele, sem mais, me disse: "Nunca mais se encontre com a Márika, está me ouvindo?" Fiquei sem palavras. Ele continuou: "Um encontro mais, só um, e eu corto a sua garganta." Pus-me a gaguejar. Ele tirou do bolso um canivete de lâmina muito longa. Então aquele era o pai de Márika, pensei, já imaginando poder enrolá-lo, como parece ser o destino de todos os pais. "Eu sou casado com a Márika há cinco anos. Isso tudo que aconteceu com vocês dois foi um arranjo, meu e dela. Não vou pedir desculpas, porque você teve a sua diversão, mas agora acabou, entendeu? Eu e ela gostamos de fantasias sexuais. Pela idade que eu tenho, você vai pensar que eu é que preciso disso. Mas ela é viciada também, sempre foi. Quando a coisa começa a esfriar entre nós, ela faz esse joguinho que fez com você. A gente some depois. Eu nunca fiz isto que estou fazendo com você, esta ameaça. É que eu notei, e ela me confessou, que você deu uma mexida nela. Talvez ela goste mesmo de velhos (ele riu) Bom, você não vai mais ver nenhum de nós, nunca. A gente não mora por aqui. Mas vale o aviso. Se você um dia encontrar a Márika, nem olhe para ela. Não me custa cortar a garganta dela também. Quando penso que logo não vou mais poder gozar tudo que ela me dá, tenho vontade de fazer isso. Você entendeu bem? Estamos falando a mesma língua? Para o seu bem, espero que sim." O velho despejou esse discurso todo, sem deixar que eu pusesse uma vírgula, e foi embora, com o cachorro desgraçado. Imaginei se também ele, o cachorro, não era usado nas fantasias sexuais. E aqui estou eu. São quase sete e meia desta que vai ser a pior noite de minha vida. Meus pensamentos se embaralharam de tal forma que suponho estar enlouquecendo. Como vou aguentar? Não ver Márika nunca mais, não beijá-la, privar meus dedos de apalpar sua roupa, sua carne. Nunca mais ver aquela bunda altiva e ao mesmo tempo escandalosa como a de uma cozinheira de pensão. Por que eu, justamente eu, fui escolhido para sofrer essa crueldade? O velhote amaldiçoado me disse que, de todos os patetas usados no jogo, fui eu quem mais mexeu com Márika. Acredito nisso? Foi possivelmente mais uma pimentinha, só, para acender a volúpia dos dois. Márika Voroshenka, Márika Voroshenka. Qualquer idiota teria visto a improbabilidade desse nome, e a história de sua ascendência russa. Não é assim, certamente, que ela se chama. Pode chamar-se Diva Reis, Dora Sousa, Dulce Lima. Márika Voroshenka deve ser o nome que usa nas fantasias de alcova, para erguer o mastro daquele porco velho. Ou talvez o nome mude em cada aventura. Não sei. Um momento, por favor. Vou pegar o termômetro. Estou ardendo, queimando. Minha febre não é amorosa, é sexual, a febre do desejo não consumado. Não é culpa minha, mas jamais me perdoarei por não ter arrastado Márika Voroshenka para a parte baixa do parque. Como viverei agora, com esta imagem que me seguirá até o meu último dia? Por quanto tempo durará no lenço o contorno da boca que beijo agora?Afastem-se todos. Eu estou com Márika Voroshenka no mato, os dois nus. Eu gemo sobre ela, ela geme sob mim, e eu me enfio todo dentro dela, e ela me puxa cada vez mais para dentro dela toda. E chega a noite e estamos ainda no meio do gozo que miraculosamente se segura. A cada instante uma gota chega à superfície, mas consigo recolhê-la sempre, e mais uma vez, e mais outra, porque comer Márika Voroshenka é um desses êxtases que são feitos para desafiar a eternidade e valer cada minuto dela. Depois deste relato, perdoem-me se eu não escrever amanhã, nem depois, nem nunca mais. Escrever mais o quê?
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