sexta-feira, 30 de setembro de 2016
Pieguice
Ingerência
Precaução
Paz
Opção
Soneto que aspira a ser madrigal
Teus meigos olhos merecem
Que o verde assim me oferecem,
E os lábios, esses primores?
À tua passagem flores
Alegres por ti florescem
E para ti enternecem
Seus cantos os beija-flores.
Quem dera, minha senhora,
Que eu, como os poetas de outrora,
Pudesse também, amiga,
Louvar todos teus encantos,
Se não com extensos cantos
Ao menos com uma cantiga.
Uma frase de Alan Pauls
(De História do pranto, tradução de Josely Vianna Baptista, Cosac Naify.)
quinta-feira, 29 de setembro de 2016
Estatística
... et in pulverem reverteris
Eu sei que sou pó, e só,
E que tu também és pó.
Que podem valer dois pós?
Soneto dos que o amor matou
As dores mais lancinantes
Hoje não sofrem como antes,
Há muito já que morreram.
Deles nenhuma lembrança
Ficou, nem dos seus gemidos,
Nem dos apelos sentidos,
Nem da sua morta esperança.
De todos os que matou
O amor os traços limpou
E eliminou os sinais.
E, porque isso lhe apetece,
Novamente a teia tece
Com os mesmos fios fatais.
Talvez como então
nos reencontremos
nos reconheçamos
e tomemos um café
como tantos que tomamos
naquela época
em que tomarmos café era
mais que tomarmos café
embora não soubéssemos
como não sabemos ainda agora
o que era aquilo
que nos tocava
como se nos tocasse
a patinha amorosa de um gato
ou o primeiro sopro da primavera.
Daltoniano (para Ernesto Ferreira e Liberato Vieira da Cunha)
Quatro versos de John Keats
Porém a noite escuta-me. Quem se entristece
Pensando no ócio não se encontra na indolência,
E está desperto quem se julga adormecido."
(Do poema "O que disse o tordo", do livro Ode sobre a melancolia e outros poemas, tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos, Editora Hedra.)
quarta-feira, 28 de setembro de 2016
Ufa (para Deonísio Da Silva, Gianluca Sapuppo Drewnick e Nicole Drewnick)
O erro
Ou já ou não mais
Sessão de autógrafos
"Origem do pecado", de Lourença Lou
e navegar as demandas dos teus mistérios
prefiro meus cinco sentidos
em alerta
e abertos
a todas as possibilidades
corpo a corpo
serei sempre
instrumento
da tua falta de limites."
(De Equilibrista, Editora Penalux.)
terça-feira, 27 de setembro de 2016
Tratamento
Repercussão
... e um tantinho mais de Dalton Trevisan
***
"- Essas tuas sandálias de Sulamita para me espezinhar. Esse teu chicotinho de Jezabel para me flagelar. Esse teu ventre de Salomé para me abrasar. Essas tuas unhas de Dalila que me arrancam docemente os olhos - e a vida."
***
"Bilhete deixado na mesa da cozinha pela menina de treze anos:
'Diga pra mãe que que eu estou grávida do seu João.'"
(Do livro Pico na veia, Editora Record.)
segunda-feira, 26 de setembro de 2016
Coerência
é regra até a exceção.
Se são quatrocentos,
há trezentos e noventa e nove que ornejam
e um que zurra.
À Sua semelhança (para Marcelo Mirisola)
Nulla dies sine linea
Soneto do que o amor te concederá
Quanto maior teu fervor,
Mais de ti se esquiva o amor
E mais se faz de rogado.
Tendo-te já subjugado
E sendo já teu senhor,
Mais nada fará que for
Por ti pedido ou clamado.
Por que haverá de ser terno,
Se tu nunca passarás
De um criado, de um subalterno?
Por seres nada, como és,
Tudo que dele obterás
Será beijares seus pés.
Um trecho de Liberato Vieira da Cunha
Quem já não sou?
O escravo de teus olhares que se não me engano eram azuis e hoje passam por mim esquecidos de me ver."
(Da crônica "Quem já não sou", do livro de crônicas O silêncio do mundo, AGE Editora.)
domingo, 25 de setembro de 2016
Persona
Fonte
Acompanhamento
quando castigas meus ombros nus
com o teu ciumento chicote.
Mérito
tão lindamente padeces
que merecias gemmer com dois emes
e ssofrer com dois esses.
... e mais Dalton, para desaburguesar o domingo
- Já reparou que a mãe serve só pra você passar vergonha?"
***
"- Ai, docinho. Como você é linda. Me lembra a cadelinha Fifi que eu gostava tanto. Um beijinho, deixa.
- Não comece, você.
- Essas duas tetinhas. Ou são três? Ai, eu não mereço.
- Ih, cara, eu já me visto.
-E essa barriguinha... Ai, mais um beijo, só unzinho. Eu morro, olha, nem uma pulguinha."
***
"- Para você, grande putinha, amor é tudo te perdoar? Sofrer as tuas mil perfídias e traições? Por outro vê-la ganir de paixão? E rastejando agradecido te beijar o pezinho? Bem sei: você corta o rabo da lagartixa, cresce outro mais bonito. Isso que é,sua maldita? Isso que é amor?"
(De Pico na veia, Editora Record.)
sábado, 24 de setembro de 2016
Mais vale um gosto
Rimas
Tanto amor
Um poema de Dalton Trevisan
um a um os carros estacionados disparam o alarme
nas esquinas todos os semáforos acendem o verde
os pipoqueiros distribuem pipoca com mel e algodão-doce
em cada vidraça pronto florescem os vasinhos de violeta
os muros apagam as pichações e escrevem o nome dela
à sua volta revoam sete pombas brancas de galochas vermelhas
alumbrados míopes e coxos atiram para o ar muletas e óculos
nos pedestais os heróis esquecem que são bronze e batem palmas
em todo jardim rosas lírios orquídeas alegremente cantam
à passagem da tua bem-querida."
(Do livro Veneno na veia, Editora Record.)
sexta-feira, 23 de setembro de 2016
Oração do travado
Me dá inspiração.
Não precisa ser um romanção.
Do jeito que a coisa vai
Aceito um poeminha
uma trovinha
um haicai.
Se lhes parece
os de mil oitocentos e nada
também se diziam modernos
com a cara mais deslavada.
Plantio
E Dalton ainda, porque os leitores gostam
***
"Todinha nua, orgulhosa:
- Na cama em que me deito não cabe outra mulher."
***
"- Está bem, amor. Me beija. Faz tudo o que quiser. Só não me peça que abra os olhos. Sagrado é o meu sono de beleza."
***
"E assinou a cartinha de amor: a cauda em riste do dragão fogoso."
***
(Do livro Pico na veia, Editora Record.)
quinta-feira, 22 de setembro de 2016
"A criança morta a tiros por soldados em Nyanga", de Ingrid Jonker (*)
Ela levanta os punhos junto à sua mãe.
Quem grita África! brada o anseio da liberdade e da estepe,
dos coração entre cordões de isolamento.
A criança levanta os punhos junto ao seu pai.
Na marcha das gerações,
Quem grita África! brada o anseio da justiça e do sangue,
nas ruas, com o orgulho em prontidão para luta
A criança não está morta!
Não em Langa, nem em Nyanga
Não em Orlando, nem em Sharpeville
Nem na delegacia de polícia em Filipos,
Onde jazz com uma bala no cérebro.
A criança é a sombra escura dos soldados
em prontidão fuzis sarracenos e cassetetes
A criança está presente em todas as assembleias e tribunais
Surge aos pares, nas janelas das casas e nos corações das mães
Aquela criança, que só queria brincar sob o sol de Nyanga, está em toda parte!
Tornou-se um homem que marcha por toda a África
O filho crescido, um gigante que atravessa o mundo
Sem dar um só passo."
(*) Tradução de Maria Helena D'Eugênio, extraída do blog "Coisas da Ada".
Procurei este poema hoje à tarde, depois de assistir, maravilhado, ao filme Borboletas negras, dirigido por Paula von der Oest, que retrata a vida de Ingrid Jonker.
Alter ego
Distinção
Prova (para Liberato Vieira da Cunha)
Realidade
tudo é meio
tudo metade
Até seus anos
conquistados com tenacidade
não são inteiros
são só meia-idade.
Um pouco mais de Dalton Trevisan
Pare na primeira esquina e conte os minutos de ser abordado por um pedinte, assediado por um vigarista e trombado por um pivete - se antes não tiver a nuca partida pela machadinha do teu Raskolnikov."
***
"Melhora muito o convívio de Sócrates e Xantipa assim que um deles bebe cicuta."
***
"Gorda grotesca de coxa grossa
mestra no embuste doutora na fraude
famosa cafetina do talento alheio
galinha pesteada que come os olhos dos pintinhos
falsa loira cavadora de louros
bicha cabeluda onde toca espirram verrugas negras
toupeira cevada nas larvas da traição
entre a vassoura e o chinelo corre maldita corre
ó barata leprosa de botinha e liga roxa."
(Do livro Pico na veia, Editora Record.)
quarta-feira, 21 de setembro de 2016
Estes que eu amo
DALTON TREVISAN – Em Dalton Trevisan, o fetiche sexual pode estar num dente de ouro, num olho vesgo ou na marca deixada no rosto por um cravo mal espremido.
TCHEKHOV (1) – O jovem que pretende escrever contos deve ler os melhores do gênero e Tchekhov. Ou então ler só Tchekhov.
TCHEKHOV (2) – Em Tchekhov tudo é tão natural que, se um cachorro se puser a discutir filosofia não soará estranho, mesmo que esteja debatendo com um cavalo.
CASIMIRO DE ABREU (1) – Pode parecer tolo, mas eu, se amasse alguém, lhe daria o livro de Casimiro de Abreu.
CASIMIRO DE ABREU (2) – Queriam que Casimiro de Abreu fosse caixa de loja – ele que não dava conta nem do amor que tinha no peito.
LOURENÇO DIAFÉRIA – Não sei se já há em São Paulo uma rua que homenageie o cronista Lourenço Diaféria. Se há, é pouco. Uma avenida? Pouco também. E também pouco um viaduto. O Brás deveria chamar-se Lourenço Diaféria. Até o Brás sabe disso. É só ir lá e perguntar a ele.
MARCOS REY e EÇA DE QUEIRÓS – Num dos romances de Marcos Rey, Entre sem bater, há um homem que, depois de muito ansiar, conquista a mulher que deseja. O primeiro pedido que faz a ela é uma xícara de café. José Matias, outro personagem, este de Eça de Queirós, torna-se uma sombra da mulher amada, mas nunca se declara. Ela se casa, se descasa, vai se casando e descasando, e ele, nos intervalos, reaparece. Só nos intervalos. Mas continua não se declarando. Há homens assim, audazes só na imaginação e no pensamento. São capazes de consumir anos em torno de uma mulher, como satélites, e receiam pedir-lhe uma coisa simples, uma bobagem qualquer, como a companhia em um almoço ou um café.
WISLAWA SZYMBORSKA – As epopeias de Wislawa Szymborska não precisavam de campos extensos, de imensos territórios, e seus participantes poderiam ser um tapete, um filete de sol, um gato espreguiçando-se no sofá. Sua poesia nunca exigiu nada mais grandioso que isso. Coisas como um bocejo do gato ou a audácia do voo de uma mosca da persiana para a mesa da sala, sobre uma perigosa jarra de água, davam à cena o tom épico.
MARIANA IANELLI – Escrever é um dom que Mariana Ianelli e mais alguns poucos têm.
UM DOS TRÊS – Convidaram-no a ser um escritor-fantasma, e ele, pondo-se à disposição, disse que três eram suas especialidades: Dante, Cervantes e Shakespeare.
Cotação do dia
Geografia (para Silvia Galant François)
não filosofavam como
o Marquês de Maricá.
Técnica
Um trecho de Lautréamont
(De Maldoror, tradução de Claudio Willer, publicação da Editora Max Limonad.)
terça-feira, 20 de setembro de 2016
Cotação da noite
Defesa
Que aceita qualquer cartada:
Morrer de morte morrida,
Morrer de morte matada.
Cartilha poética (para Silvana Guimarães)
isento ao falar
do céu do mar
e de outros temas
do ofício poético
mas há de ser
passionalmente parcial
e até antiético
se quiser aprimorar
a essência primorosa
de uma rosa
ou se ousar magnificar
a clamorosa magnificência
de uma mulher.
De Mariana Ianelli, sobre Adriana Lisboa
(Extraído da crônica "Um sol para Adriana Lisboa", do livro Para aqueles a quem os dias são um sopro, Edições Ardotempo.)
segunda-feira, 19 de setembro de 2016
17h17
Soberba (para Ana Farrah Baunilha)
será castigada
se podendo se mostrar
se fizer de rogada.
Ocaso (para Herena Barcelos)
uma borboleta no lombo
ao burro velho parece
uma carga pesada.
Aposentadoria
De Lautréamont, sobre a escrita
domingo, 18 de setembro de 2016
Presságio
- É aviso de morte.
O marido disse que era bobagem, mas ela foi ao quarto dos dois filhos. Estavam bem. Voltou para a cama. Quando abriu a porta do quintal, de manhã, o cachorro estava morto.
Três
Soneto dos falsos réus
Por mais que possa tardar,
Com precisão avaliar
Onde foi que nós erramos.
Ou talvez nós descubramos,
Depois de tudo pesar,
Que nem chegamos a errar,
Apenas nos enganamos.
Desde quando o amor morreu,
Nos acusamos, tu e eu,
De tê-lo feito morrer.
E se ele tiver morrido
Porque o amor só faz sentido
Com prazo certo de ser?
Um poema de Dalton Trevisan
é um barquinho bêbado
errando ao longo de Ítaca
jamais alcançada
Nas curvas do teu corpo
vagueio pelos sete mares
e mais um
Na tua boca aprendo a beijar
em todas as línguas
vivas e mortas
Visito Calipso Nausica e Circe
na unha azul do teu mindinho do pé
No teu umbigo me assombra
um unicórnio branco de pintas pretas
Assisto no teu ventre
ao galope de hipocampos fosforescentes
Na tua orelha direita
ouço o cantiquinho das sereias
e cravado no mastro dos teus braços
já me afogo
no remoinho de suspiros e delícias."
(Do livro Pico na veia, Editora Record.)
sábado, 17 de setembro de 2016
A hora certa (para Isabel Monteiro)
Poesia (para Aden Leonardo)
que abriu um bar
já nem se lembra como
e agora não o sabe fechar.
História (para Gianluca, Nicole, Duda, Bianca e a Bia)
antes dispersos
se reuniram
num congresso extraordinário
e criaram o calendário.
Mais Dalton
'Com esta faca que você me deu, hoje eu faço o que você queria. Vou de terno azul, assim você pediu, e gravata preta. Ao encontro do teu primeiro marido, que você matou igual a mim. Não fique sossegada, Eu volto, querida. Para deixar você louca e te levar comigo. Você me odeia. Eu te amo. João."
***
"Ao chegar em casa, do programa no motel, o marido é saudado com um grito pela mulher:
- Eu soube de uma coisa terrível!
Pronto, ele pensa, estou perdido. Ela descobriu tudo.
- Pô, o quê. Mas o quê... O que aconteceu?
- Mataram o filho do seu João!
- Urr... Orra. É mesmo? Pobre do seu João.
Te devo essa, Deus."
***
"A mulher do velho poeta:
- Em vez de ganhar dinheiro, você fica aí sentado cantando o mesmo versinho!"
(De Pico na veia, Editora Record.)
sexta-feira, 16 de setembro de 2016
Gatos (para Arlene Colucci)
O patrão
Distorção
Um trecho de Mallarmé
00h40
quinta-feira, 15 de setembro de 2016
O prazo
Glória
"Terra prometida", de Roland Barthes
(De Roland Barthes por Roland Barthes, tradutor não mencionado. Editora Cultrix.)
00h21
quarta-feira, 14 de setembro de 2016
História
Credencial
sobre algumas coisas.
Não entendo
nada de nada.
Se me julgam poeta
talvez seja
por minha alma dilacerada.
Cotação do dia
Um fragmento de Roland Barthes
(De Roland Barthes por Roland Barthes, tradutor não mencionado, Editora Cultrix.)
terça-feira, 13 de setembro de 2016
Soneto da mulher enigmática
Vejo mais de uma razão
Para responder-lhe não,
Para não dizer-lhe sim.
Seus olhos, esses primores
Que ora verdes me parecem,
Ora negros anoitecem
E ora assumem outras cores,
Seus lábios, esses algozes
Capazes de me falar
Palavras doces e atrozes,
Tudo é tão incerto que
Eu não devia arriscar,
Mas me abro todo a você.
Antiego
Mario Quintana (para Silvia Galant François)
E o mau humor, preparemo-nos.
Respondamos com a alegria,
Resistamos, quintanemo-nos.
"Tolo?", de Roland Barthes
Frequentemente, ele se achava tolo: é que ele só tinha uma inteligência moral (isto é: nem científica, nem política, nem prática, nem filosófica, etc.)"
(De Roland Barthes por Roland Barthes, tradutor não mencionado, Editora Cultrix.)
segunda-feira, 12 de setembro de 2016
Viver para ver (para Angela Brasil e Liberato Vieira da Cunha)
Sonho (para Ernesto Ferreira e Liberato Vieira da Cunha)
O telefone. Era o Trump,
Não era a Sharon Stone.
Mario Quintana
Garoto
"Fourier ou Flaubert?", de Roland Barthes
(Do livro Roland Barthes por Roland Barthes, tradutor não mencionado, Editora Cultrix.)
domingo, 11 de setembro de 2016
O parceiro (para Celina Portocarrero e Marisa Lajolo)
Traço biográfico (para o Deonísio Da Silva)
É fato mais que consumado.
Hoje os meus significantes
Não têm mais nenhum significado.
A diferença
Como seremos vistos
de amor e de poesia
talvez se arrependam
de nos terem olhado
como nos olham agora
- de longe, de lado -
ou talvez venham a dizer
como têm falado
que estão do lado certo
e certamente o nosso lado
sempre foi o lado errado
de viver.
Soneto do mútuo desconhecimento
Mulher que eu chamo de amada
E hei de chamar até o fim,
É o que de ti eu sei: nada.
Enquanto entre nós o amor
Assim continuar a ser.
De nada, seja o que for,
Precisaremos saber.
Que em pensar não nos cansemos
Se esta sorte merecemos
De tudo tanto gozar.
Enquanto formos amantes,
Continuemos ignorantes,
Nada queiramos mudar.
Alma toda picadinha e esparsa
"O escritor como fantasma", de Roland Barthes
(Extraído de Roland Barthes por Roland Barthes, tradutor não mencionado, Editora Cultrix.)
sábado, 10 de setembro de 2016
Bergerac (para Andre Caramuru Aubert e Silvia Galant François)
em vez de Cyrano
o chama de Cyranez.
Oito ou oitenta (para Liberato Vieira da Cunha)
uma forma de arte
ora é um disparate.
Rito
A sós
Desaparecido
"Olha aí. É o teu nome."
O marido leu.
"É mesmo. Igual."
"Diz aí que você sumiu dia 12."
"Ainda bem que não sou eu."
"É. Só o nome. Esse aí é mais feio", sorriu a mulher. "É só um autônomo."
Minha ONG (para Celina Portocarrero)
Dois quartetos de Heinrich Heine
Ergue-se sobre uma árida colina.
Cochila; a neve e o gelo
Cobrem-no com seu branco manto.
Ele sonha com uma bela palmeira,
Lá longe, no país do sol,
Que se desola, triste e solitária
Sobre a falésia de fogo."
sexta-feira, 9 de setembro de 2016
O mestre
"A curva louca da imago", de Roland Barthes
(Não é a diversidade das opiniões que espanta e excita; é sua exata contrariedade; é o caso de exclamar: é o cúmulo! - Isto seria um gozo propriamente estrutural - ou trágico.)"
De Roland Barthes por Roland Barthes, tradutor não mencionado, Editora Cultrix.)
quinta-feira, 8 de setembro de 2016
Reação
Reflexivo (para o Deonísio Da Silva)
devo ensimesmar-me
ou em mim mesmar-me?
Onda
Um trecho de Sergio Faraco
(Do conto "Dançar tango em Porto Alegre", do livro A dama do Bar Nevada, edição da L&PM.)
quarta-feira, 7 de setembro de 2016
O que me resta (para a PMM e o Mottinha)
O pecado (para Marisa Lajolo)
Megafone (para Liberato Vieira da Cunha)
um gênio incompreendido
que um talento consagrado.
Trajetória (para Celina Portocarrero)
Fã
Síndrome do Nobel
- Mão gelada. É inverno em Estocolmo?
Conta de chegar
Um trecho de Luís Martins
- Acho que sou o único escritor, no Brasil, que vive da literatura..."
(De Noturno da Lapa, Editora Vertente.)
terça-feira, 6 de setembro de 2016
Floricultura PMM
Fase áurea
Quase igual
O narrador
Post mortem
Injustiça
O de sempre
Ainda um Daltonzinho
Ai, que são teus, só teus - e te matam, ai e sim, docemente de gozo."
***
"O paciente com leucemia:
- Sabe, doutor, o que dói mais? Não é a doença. Não é o sofrimento. Não é a morte em dois meses.
- ...
- É a saudade que desde já sinto da minha putinha."
***
"O namorado:
- Você tem o coração ingrato e a alminha pérfida...
- ?
- ...mas, ai de mim, é muito boa de cama."
***
"- Se os cegos são tristes, que tanto vivem cantando baixinho?"
***
"O marido para o melhor amigo e amante da mulher:
- Nunca se case, meu velho. Olha pra mim. Já viu alguém mais infeliz?
E o amante, ressabiado: Epa, será que ele sabe?"
(De Pico na veia, Editora Record.)
segunda-feira, 5 de setembro de 2016
Dica
123
Vício (para Deonísio Da Silva e Liberato Vieira da Cunha)
se prepara para
começar um poema
o gramático
se prepara para
denunciar um parequema.
O certo
Soberano
Sine qua non
Mais umas colheradas de Dalton Trevisan
- Invade o meu lado da cama, ó grande gorducha...
- Ai, João. Que susto.
- ...e come no meu sonho o meu pedaço de torta."
***
"- Não gosta mais de mim, João?
- Que bobagem. Os meus sentimentos são os mesmos. Por que diz isso?
- Não me procura mais... fazer amor.
- E como posso? Olha pra você. Assim gorda. Tão feia. Toda velha!"
***
"- Não fale, amor. Ouça: o teu coração aqui batendo aqui na minha xotinha."
***
"- Eu tinha 12 anos, fui pular uma fogueira, caí. O meu corpo incendiou. Um ano inteiro na ala dos queimados. Minha pele é toda repuxada. Homem que eu gosto, aviso. Algum, não digo nada. Com outro, não apago a luz. Mais de um já broxou."
***
"- Ai, meu Deus. De tanto me beijar, seu puto, você marcou em brasa a tua boca na minha. Veja o que fez: não é meu este lábio todo mordido, não é a minha boca esta papoula viva de sangue. Você fez de propósito. Estou perdida, cara. Assim que eu entrar em casa, ele olha para mim - e aí vai saber de tudo."
(Do livro Pico na veia, Editora Record.)
domingo, 4 de setembro de 2016
Soneto do gozo e da chama (versão final)
Daqui a um ano talvez,
Ou um semestre, ou um mês,
Será um tema enfadonho.
Pois assim são os amores
Quando arrefece quem ama
E se torna fria a chama
E baços os esplendores.
Enquanto flama ainda temos,
Deste momento gozemos
Tudo que ele possa dar.
Depois o tempo há de vir
Que a chama irá extinguir
E o gozo todo negar.
Receita de autobiografia
Marketing
Dalton ainda, para que haja aqui algo digno de se ler
***
"A mulher para a mocinha:
- Mas ele te bate?
- Não. Isso, não.
- Então? Está reclamando de quê?"
***
"- Esses mortos, ingratos, que te esquecem tão depressa."
***
"De volta da fisioterapia, a mocinha inválida:
- Quando ele me massageia a perna por que tanto geme e suspira?"
***
"Do alto dos jardins suspensos de teus seios, montes e coxas, ó rainha, governas o meu mundinho."
(Do livro Pico na veia, Editora Record.)
sábado, 3 de setembro de 2016
Talião
Um pouco mais de Dalton, por que não?
***
"- Ai, feliz era eu quando tinha ali na cama três bombons recheados de licor: a tua boquinha vermelha em coração, o teu peitinho branco em flor, esse teu púbis de asinhas douradas de colibri"
***
"- Foi o primeiro amor, um amor tão desesperado, quando ela me deixou, ai de mim, só não morri porque, aos 20 anos, você não morre."
***
"- A glória de uma loira nua nos teus braços de que vale se não é o triste corpinho da bem-querida?"
***
"Para ele o rico pastelzinho. Para ela o cheiro de fritura no cabelo."
(Do livro Pico na veia, Editora Record.)
sexta-feira, 2 de setembro de 2016
Cotação do dia
Última curva
as flores se exibem murchas e desmazeladas
como putonas de estrada
e o sol brilha por obrigação
como um funcionário temporário
sem chance de contratação.
Um pouco mais de Dalton Trevisan
- O que mais você quer? Não te dei um relógio que brilha no escuro? Uma calcinha vermelha de renda preta? Quem te lavou o corpo quando era uma ferida só?"
***
"Ela só dorme com a mão bulindo no teu punhal de mel: Assim ele sabe de quem é."
***
"- Para. Ai, para. Ai, ai. Para.
- Pronto. Já parei.
- Quietinho.
- ...
-Não, não. O punhal deixa ficar."
***
"- Tua doce lembrança , ai maldita, essa brasa dormida nas cinzas frias do meu coração."
***
"O exibicionista, abrindo a capa:
- Aqui, suas diabinhas. Olhem todas. Vinte e um centímetros de puro prazer. Só pra vocês. Ai, safadinhas. Vinte e um... de... Ai, não fujam. Esperem. Não é justo, Senhor. Assim... eu não..."
(Do livro Pico na veia, Editora Record.)
quinta-feira, 1 de setembro de 2016
Conceitos
Na dela
Mario Quintana (para Silvia Galant François)
Identidade
Curtíssimos ais de Dalton Trevisan
***
"No Passeio Público, ao longo do viveiro de aves, o menino para a mãe:
'Olha só, mãe. Aqui não tem nada. Legal, né? A gaiola tá vazia.'"
***
"O casal brigado, de costas. Longo silêncio. De repente, o velho:
- Sua diaba. Para de ficar ouvindo o meu pensamento."
***
"Ao ler a traição de Capitolina, geme a santíssima Carolina:
- Ai, Machadinho. Que dirão as minhas amigas no chá das cinco?"
"Curitiba toda catita do primeiro mundo - com essa população de quarto mundinho?"