sábado, 22 de novembro de 2025

O fim

 Sente-se como um orador que, tendo concluído  seu longo discurso pontilhado por magistrais metáforas, começa a retirar-se, esperando  que alguém rompa o silêncio que pairou sobre o auditório desde sua primeira palavra, ainda que  essa misericordiosa intervenção seja apenas um espasmo de tosse.

O intruso

 Nos últimos anos de vida, sua voz estava tão débil que já não chamava ninguém quando o gato, entediado com o sofá,  ia ao quarto afiar as unhas no seu pijama.

Aflição

 Sonhou que tinha sido eleito Personagem do Ano por seus amigos defuntos e que, quando eles foram chamá-lo para a cerimônia, não conseguia acordar.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Eu garoto

 Minha mãe, se tivesse dons literários, diria que eu poderia ser um garoto maravilhoso, se não tivesse tantos defeitos.

Pour Elise

 O velho poeta é metódico. Quando vai escrever um poema, pega o bloquinho e a Bic e convoca a tristeza. Se esta custa a chegar, ele usa um truque simples: pergunta à desalmada se já se esqueceu daquele gatinho cinza da infância, atropelado por um caminhão de gás ao som da musiquinha de Beethoven.

Definição

 Como Millôr dizia.

Coberto de razão,

Por quê? é filosofia,

Porque é presunção.

Destino

Sonhou que era um rei destronado que no final de um folhetim de enredo mal tramado ressurgia  no ramo hoteleiro, como dono de uma pensão, todo pimpão e reabilitado.

Historinha triste

Lembra Fulano, aquele? Coitado. Foi buscar o Nobel e voltou todo enobelado.

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Identidade

 Tem tido sonhos de dois tipos: os singulares e, como o de hoje, os muito singulares. Morava na mais bela cocheira do povoado e seria feliz se os outros cavalos não insistissem em chamá-lo de burro. Acha que mister Parkinson tem parte nisso ou, como na infância o advertia a mãe, aquele maldito Dostoiévski.

Pés no chão

 Como melhoram nossas noites quando deixamos de sonhar com o Nobel.