domingo, 31 de julho de 2016

Mesmo que só esse (para Ana Farrah Baunilha)

Buscava um sentimento que o mantivesse vivo, ainda que fosse a luxúria.

Vício

Os escritores talvez sejam ainda aqueles meninos que se viciaram com as notas dez e com o dúbio perfume que ficava neles depois do beijo de parabéns das professoras.

Ruptura

Tocado por um súbito realismo
não se queixa mais
não se degrada mais
não acha mais que sim é não
não se pauta mais
nem pelo pessimismo
nem pelo niilismo
nem pela autoanulação.

Às vezes até sorri

Talvez seja aceito agora
ou nunca mais.


Cartilha

Também você
poderia ser um Nobel
um escritor genial
se você fizesse isto
se você fizesse isso
se você fizesse aquilo
se você fizesse mais isto
se você fizesse mais isso
se você fizesse mais aquilo
se você fizesse etcétera
se você fizesse mais etcétera
e tal.

Um poema de Lawrence Ferlinghetti

"Ela adorava olhar as flores
cheirar as frutas
E as folhas lhe falavam de amor

Mas uns marujos já de porre
penetraram no sono dela
semeando sêmen
na paisagem virgem

Numa certa idade
seu coração pegou a olhar
as margens perdidas

E ouviu passarinhos verdes cantando
lá do outro lado do silêncio."

(Tradução de Leonardo Froes, do livro Um parque de diversões da cabeça, edição da L&PM.)

sábado, 30 de julho de 2016

Soneto dos privilégios do autor

Os sonhos todos sonhados,
As rotas todas traçadas,
As velas todas infladas,
Os santos todos chamados.

Depois os mares irados,
As nuvens desapiedadas,
As velas desmanteladas,
Os sonhos desbaratados.

Se for por nós resumida,
Assim será nossa vida:
Plena de fúria e clamor.

Mas, se vista por outros, ela
Será só o amor numa tela
Coberta pelo bolor.

Nóis

O Corinthians não é só um estado de espírito. É um grito do coração, uma comemoração da alma.

Mario Quintana

Os números poéticos de Mario Quintana, saltimbanco das estrelas, eram sempre ímpares.

Mario Quintana

Às vezes, Mario Quintana descuidava-se um pouco e, terminada já sua prestidigitação, deixava aparecer ainda, entre o polegar e o médio, um fiapo de lua.

Mario Quintana

O truque de Mario Quintana consistia em transformar a poesia em tudo e tudo em poesia.

Conceitos

Em qualquer arte, é comum confundir-se enfeite com sofisticação.

Máscara

A inveja literária às vezes atende pelo singelo nome de admiração.

Percepção

O sexto sentido anda desconfiado
de que os outros sentidos
conspiram contra o seu reinado.

Tal ou qual

Frases curtas podem significar
que a concisão foi respeitada, como deve.
Mas podem denunciar também
a preguiça de quem escreve.

Três tancas de Takuboku Ishikawa

"Até o riso impossível -
a faca que há muito procurava
estava em minhas mãos."

                x - x

"O nome Koyakko ela me disse
sua orelha e a volúpia do lobo
como esquecer."

                x - x

"O coração da minha juventude
foi-se embora voando levemente
como uma pipa cuja linha se arrebentou."

(Do livro Tankas, tradução de Masuo Yamaki e Paulo Colina, publicado por Roswitha Kempf/Editores.)

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Assim como (para Ana Farrah Baunilha)

Há uma espécie de nudez que só deve ser vista por olhos que a mereçam, olhos aos quais a beleza já tenha imposto suas normas, assim como a brisa impõe a um lago a exatidão do seu sopro.

Ouropéis

Juntei nossos cacos de amor
na praia os esparramei
e a lua
por um instante
de cada um 
fez um brilhante
assim como eram antes
quando nem eu sabia
que você
nem você sabia 
que eu
éramos dois farsantes.

Nu (ou nu)

Deus foi,
nudez pura,
ou o Diabo,
impura nudez,
quem te fez?

Pura nudez impura,
quem uma vez pode ver-te
sem querer ver-te
outra vez?

Letras

Com todos os erres e eles,
Senhor, eu quero dizer
Que se algo há que eu saiba ser
É rambles, é ralo, é reles.

Lacuna

Nunca precisei vender um poema para matar minha fome. Essa é possivelmente a principal causa do meu fracasso.

Fernanda Takai

Fernanda Takai
é uma ave uma
pluma uma espuma
um haicai.

Cotação do dia (2)

Para ser completo, falta-me tudo.

Cotação do dia

Para ser um escroto
ainda me falta um pouco.

Aluno exemplar

Gosto de agrados, de mimos, fui viciado nisso pelas professoras que não notaram como eram falsos em meu rosto os traços de anjo loiro que elas imaginaram ver.

100% menos meio

Sou tão reles quanto é capaz de ser qualquer homem, embora às vezes apresente a poesia como atenuante.

Confissão

Sinto-me, cada dia mais, como aquela garota desempregada que vê em cada amigo um possível comprador dos chocolates que ela faz artesanalmente. E há quem acredite na alma pura dos poetas.

Vício

Os outros eu não sei, mas eu, desde o meu primeiro texto elogiado no primário, não consigo livrar-me da impressão de que escrevo para ver de novo alguém olhar-me como então me olhou minha mãe.

Asco

Lembro-me de quando comecei a escrever aqui. Eu buscava amigos, eu implorava por eles. Assim que os consegui, comecei a pagar-lhes com a traição de impingir-lhes meus versos, como um reles comerciante.

Impulso

Assim como fiz com o álcool e o cigarro, como eu gostaria de vir aqui  e dizer a vocês que escrever nunca mais!

Agenda

Num dia desistir
um pouco
no outro mais um pouco
até que não haja nada mais
de que possamos desistir
e sejamos o que fomos
antes da loucura
e da ambição da literatura.

Mais um poema de Giorgios Seferis

"Outro poço, uma gruta.
Era-nos fácil dele retirar, outrora, ídolos e adornos.
Assim dando prazer aos amigos que nos eram ainda fiéis.
Partidas as cordas. Sulcos apenas na borda
Lembram-nos a felicidade desaparecida.
'Os dedos na borda', disse o poeta.
Os dedos apalpam o frescor da pedra um instante
E a febre do corpo se espalha na pedra
E a gruta joga sua alma e a perde
A todo instante, em silêncio, sem uma gota."

(Tradução de Darcy Damasceno, coleção Prêmios Nobel de Literatura, Editora Delta.)

quinta-feira, 28 de julho de 2016

RSVP

Não há nisso nenhum nexo.
Já nem posso com o amor
E tu me ofereces sexo?

Fora do jogo

Se um velho fala em amor,
Ou é amor noutro sentido
Ou será falta de pudor.

Soneto do jugo pactuado

Quem, de forma desmedida,
Ouviu o canto do amor
E, cedendo ao seu clamor,
Entregou-lhe toda a vida,

E, tendo assim se entregado
Como um cavalo ou um boi,
Qual boi ou cavalo foi
Pelo amor escravizado,

Deve ao seu senhor falar,
Francamente conversar
E fazê-lo prometer

Que esse jugo, doce e forte,
Sempre assim, até a morte,
Haverá de se manter.

Feitiço amoroso

Hás de ficar tão apegada
a um apêndice meu
quanto as cobras ao caduceu.

Para quem sabe quem é

Teu amor proibido
faz mal à minha moral
mas bem à minha libido.

Soneto dos equívocos da fé

Temos sorte. Há quem não veja,
Por ter em si a bondade,
Em nós nenhuma maldade,
Por mais flagrante que seja.

E há quem, negando a verdade,
Não veja, por maior que esteja,
E mais torpe, e mais malfazeja,
Toda a nossa iniquidade.

Quantos tolos há no mundo,
Que enxergam um ser normal
Onde há um humano imundo.

Aqueles que oram por nós
Não sabem, mas gastam mal
Sua fé e também sua voz.

Parceria

Sou amante da pureza
ela é minha amante
somos amantes

Sendo amantes
alguns de nossos rituais
não revelaremos jamais.

Amanhã

Do amor não ficará um clamor
talvez só um rumor
um bulício
e o que pensa ser o amor
para querer mais do que isso?

Outro poema de Giorgios Seferis

"O mensageiro
Três anos o esperamos
Olhos fixos nos pinheiros,
Na margem e nas estrelas.
Estreitamente unidos à relha da charrua, à quilha do barco,
Queríamos achar a semente primeira
E que recomeçasse o drama tão antigo.

Voltamos a casa esfalfados
Os membros partidos, a boca roída,
Pelo gosto da ferrugem e do sal.
Ao despertar, navegamos para o Norte, estrangeiros,
Enterrados no coração dos nevoeiros
Por asas imaculadas de cisnes que nos machucavam.
Nas noites de inverno, o vento furioso do Leste deixava-nos loucos.
No verão, desorientávamo-nos na agonia do dia incapaz de morrer.

Trouxemos estes entalhes de uma arte bem humilde."

(Tradução de Darcy Damasceno, coleção Prêmios Nobel de Literatura, Editora Delta.)

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Linhagem

Antes de mim outros
dignos de loas e encômios
também foram parar em manicômios.

Qual, qual?

A mão direita na frente,
a mão esquerda atrás,
qual mão mais inveja sente
daquilo que a outra mão faz?

Venial (para a Castanha e para a Cleó)

Que delícia é um cochilo.
Nem parece um pecado,
Só um pecadilho.

Aristarco (para Deonísio Da Silva)

Nada mais dramático
do que o chilique
de um gramático
diante de uma cacoepia
ou de uma cacofonia.

Mão boa

Quem junta couve com flor
pode até não ser bom poeta
mas não é um mau plantador.

Negócios & oportunidades

Há quem possa discordar
mas eu me trocaria agora por Shakespeare
no estado em que ele se encontrar.

Soneto da recaída

Tu não cairás novamente
Sob sina tão dolorosa,
Sob força tão poderosa,
Sob jugo tão inclemente.

Não rogarás, certamente,
Que mais uma alma bondosa
Te salve da pavorosa
Prisão que te pôs demente.

Estás livre agora. Por
Que aceitar de novo o amor,
A loucura, a escravidão?

Desta vez tu não cairás,
És forte, resistirás.
Ou será que outra vez não?

Mario Quintana (para Silvia Galant François)

Quando eu já começava a me desencantar com o sol, a lua, as estrelas e outros ouros poéticos, Mario Quintana me reaproximou deles, redefiniu-os. E era como se ele mesmo os tivesse inventado.

Chique

Pundonor é um pudor que usa luvas e pincenê.

Tarifa

O amor é o melhor bilhete para o céu (ou para o inferno).

Anexim

Antes sol do que dia enfarruscado.

Folia

O polissíndeto é uma bacanal de conjunções copulativas.

Indícios

Na estante os livros
que mais têm impressões digitais
são os romances policiais.

Um poema de Giorgios Seferis

"Flores de pedra diante do mar verde
Com veias que me lembram outros amores
Brilhando sob a chuva lenta e fina.

Flores de pedra, figuras
Surgidas quando ninguém falava e que me falastes
E que me permitistes tocar-vos após o silêncio
Entre estes pinheiros, os loureiros selvagens e os plátanos."

(Tradução de Darcy Damasceno, coleção Prêmios Nobel de Literatura, publicação da Editora Delta.)


terça-feira, 26 de julho de 2016

Pelo menos

As falhas bem que poderiam
prescindir de nós
e cometer-se por si sós.

Projeto

Hei de escrever tão bem
de modo tão magistral
que ninguém há de perceber
que eu escrevo tão mal.

Impressão

Um livro esgotado
é um livro cansado
de ser vendido
e manuseado.

Desenho

Quem semeia curvas
colhe tortuosidades.

Anfiguri

Era um fantasma
que por artes da rima
sofria de asma
e me perseguia
como um lobo mau
ou como uma assanhada prima
de enésimo grau.

Ponto de vista

Ela era meio gordinha
ou era alguma coisa em mim
que gostava de vê-la assim?

Mea-culpa

Ah minha amada
nunca te dou nada
além de minha estropiada poesia

Ah minha amada
ah meu amor
juro que te daria
minha orelha embrulhada
em folhas de pessegueiro
se eu fosse pintor
ou açougueiro.

Identidade

Que um poeta sempre carregue
Para mostrar como prova
Que ninguém refute ou negue
Pelo menos uma trova.

Razão inversa

O próximo é tão mais amado
quanto mais de nós
estiver afastado.

Um trecho de Luciano Martins Costa

"Amelita Baltar contava do louco de Buenos Aires, em cada mão uma bandeirinha de táxi, e quem a ouvisse amava aquele louco imediatamente, foi então que ele consolidou em si o significado da compaixão."

(Do livro As razões do lobo, Editora Paz e erra.)

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Na hora H

Na afobação do amor
até a destra
vira mão canhestra.

Atestado

Estarmos mortos é uma certeza que só os outros podem ter.

Cenário

No ar
uma tensão concentrada
uma ameaça velada
de romance noir.

Normal

Sermos enganados pelo amor
descaradamente
é um complemento bem-vindo
um suplemento
que não pode ser vendido
separadamente.

Soneto do castigo meritório

Devemos nos perguntar
Se o amor tem razão ou não
Quando, chicote na mão,
Se empenha em nos castigar?

Devemos pedir piedade,
Jurar-lhe nossa inocência,
Rogar-lhe condescendência,
Acusá-lo de maldade?

Não! Se o amor for censurado
E de déspota chamado,
Não seja por nossa voz.

Ele tem tanto a fazer
Que honrados devemos ser,
Faça o que fizer de nós.

Parágrafo inicial de "Lolita", de Vladimir Nabokov

"Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta."

(Tradução de Jorio Dauster,coleção Biblioteca Folha.)

domingo, 24 de julho de 2016

Exercício

Se não fosse o amor, como nós aprimoraríamos nossa falsidade?

Desforra

Velha guarda é a definição pejorativa que os jovens dão a todos os que se atreveram a ser jovens antes deles.

Cláusula

Aos domingos, se trabalhassem, os poetas deveriam ter licença para falar apenas de flores e bem-te-vis.

Numa boa

O amor deveria ser como um passatempo domingueiro, um passeio pelo parque, uma troca de sorrisos e de beijos miúdos - nada que obrigasse ninguém a nenhum compromisso, a não ser talvez o de um novo encontro no domingo seguinte, desde que, naturalmente, houvesse sol.

Mario Quintana

Dizer que Mario Quintana é um poeta ensolarado é uma dessas obviedades que pertencem à categoria das perdoáveis.

A amante indesejada

De dia
ao sol
e à noite
no escuro
a Morte vinha
o apalpava
o sentia
o lambiscava

Ele se encolhia
choramingava
mentia;
ainda não estou maduro.

Um trecho de Mario Benedetti

"Só agora, ao escrever a palavra ciúme, me dei conta - pela primeira vez - de que minha manifesta incapacidade de sentir ciúme de Alicia foi uma forma da minha incapacidade de invejar. Ainda não sei se em alguma época estive apaixonado por ela, mas isso se deve mais ao fato de que ponho em dúvida minha aptidão para a vida emocional."

(De Quem de nós, tradução de Maria Alzira Brum Lemos, edição da Record.)

sábado, 23 de julho de 2016

Dedos-duros

Os pronomes demonstrativos têm certa vocação policial. Vivem encarando todos ao seu redor e apontando: este, esse, aquele. Os da velha guarda esnobam: estoutro, essoutro, aqueloutro.

Tela

Quando se apaga a luz na sala e o gato adormece no sofá, o cisne se arrisca e dá uma volta inteira no lago.

Questão de ir ou vir

Queixa-se o sedentário:
se a fonte não vier a mim,
preparem meu obituário.

Hobby

Sinto-me às vezes exatamente como sou: um velho insano que coleciona palavras.

Antônimo

O contrário de outrossim é outronão?

Exortação

Jovens, não enlouqueçam. Mas, se a loucura advier, e incitar ao extremismo, que este se manifeste em vocês pela poesia. Façam como eu: matem os leitores de tédio.

Epêntese

Aos verbos defectivos
se acrescentarmos um "a"
o mau cheiro se espalhará.

Linha dura

Para ganhar respeito, a gramática deveria ser mais peremptória e não permitir artigos indefinidos, sujeitos ocultos e pronomes relativos.

Lógica

Se o amor nos castigar
ou nos matar
será porque castigar
ou matar
têm algum sentido.
O amor é um déspota esclarecido.

Vampira

Com o chicote, você abriu uma fonte em meu peito e me bebeu inteiro.

Inocuidade

Os sonetos não são mais eficazes como outrora. Já não matam, apenas ferem. Nenhum leitor atual se dá ao trabalho de ir até o décimo quarto verso. Quando muito, chega com enfado ao quarto.

Horror

Lá pelas tantas
na noite
de repente sombria
a dócil poesia
transformou-se em fera geometria
e a formosa musa
em horrenda hipotenusa.

De Mariana Ianelli, sobre Cecília Meireles

"Desde que houve Cecília Meireles neste mundo, continua a haver Cecília Meireles em nuvem de pensamento, em momentos desses que, por economia simbólica, fazem de conta que aniversariam todos hoje. Fazem de conta, só. Porque Cecília nasce nas quatro estações do tempo,em diferentes circunstâncias e continentes, como Sophia, como Vieira: em toda parte, para toda gente."

(Do livro Para aqueles a quem os dias são um sopro, edição da Ardotempo.)

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Cotação

Às vezes me digo que os vinte mil e tantos textos que coloquei aqui talvez não valham nada. Talvez? Como sou autocondescendente! Eu, que os escrevi, sei melhor do que ninguém: não valem nada e nunca valerão.

Apedeuta

Pensar é tão cansativo...
De que me serve saber
Por que razão estou vivo,
Se posso apenas viver?

Decepção

A literatura frustrou os sonhos que minha família tinha para mim. Esperava-se que eu fosse um médico, um engenheiro, um advogado - enfim, uma pessoa respeitável.

Vaidade

Por mais expressivas que sejam, as interjeições não dispensam nunca o enfeite da exclamação.

CLT

Nem todos os verbos auxiliares são registrados em carteira.

Coluna do meio

Há homens tão desconfiados que, se a Morte os consultar para saber se querem morrer já ou preferem continuar mais um pouco vivos, responderão: depende.

Índex

A mais desavergonhada espécie gramatical é a das conjunções copulativas.

Alfaerótico

O ponto G
já é bem conhecido.
Mas e o ponto L -
de libido?

Imperdoável

A tua pior sacanagem
Não foi teres me chutado.
Foi teres me despachado
Sem nem pagar a passagem,

Deixe estar

No fundo, bem lá no fundo,
Teu gato pode não ser
O mais bonito do mundo.
Mas tu vais querer saber?

Mario Quintana (para Silvia Galant François)

Uma noite, lembrando-se de Bilac, Mario Quintana olhou para uma estrela e disse: "Como seria bom se pudesses vir aqui, ou eu pudesse ir aí, para conversarmos." A resposta não tardou: uma lágrima prateada e quente, que lhe caiu no rosto e correu doce para a boca.

Maravilhas

Das sete maravilhas do mundo, uma perderia sua gloriosa posição se na época já existisse o Corinthians.

Um trecho de Liberato Vieira da Cunha

"Talvez não demore a época em que proscreverão os livros, banirão os sonhos, exilarão os poemas. E seremos todos comportados autômatos, alheios aos mistérios do amor, incapazes de distinguir o som de uma canção do ruído espectral de máquinas que pouco a pouco engolirão o mundo."

(De O silêncio do mundo, Editora AGE.)

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Metamorfose

Dos nove aos dez anos, foi um menino esquisito. Afastou-se dos colegas do colégio e dos amiguinhos da rua. Abandonou o amigo imaginário, justamente quando este, desenganado pelos médicos, mais precisava dele. Falava só de estrelas e com estrelas. Chamava-as de Abigail, Rosana, Maria, Margarete. Contava-lhes histórias que elas retribuíam. Quando ficou evidente que estava trocando o dia pela noite, como se fosse um boêmio ou um poeta infantil, a família levou-o a uma psicóloga. Em três meses estava curado e era novamente um menino chato e promissor.

Perto

Paciência, mais um pouquinho.
Logo mais, onde estaremos,
Enfim a paz gozaremos.
Está no fim o caminho.

Um poema de Lawrence Ferlinghetti

"Era um rosto que a escuridão poderia assassinar num instante
uma face fácil de ferir
com riso ou luz
"À noite pensamos de outra forma"
disse-me ela certa vez
recostando-se languidamente
E citaria Cocteau

"Sinto que há um anjo em mim" diria
"que constantemente escandalizo"
Então sorriria enigmática
acenderia o cigarro para mim
entre suspiros
e erguendo-se alongaria
sua delicada anatomia
deixando cair uma meia."

(Tradução de Eduardo Bueno, do livro Um parque de diversões da cabeça, edição da L&PM.)

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Tributo

Um conselho vou te dar,
Convém tu não o esqueceres:
Deves ao menos tentar,
Se pelo amor não morreres.

Soneto do ser amante e do ser amado

Talvez um dia saibamos,
Passado o tempo devido,
Ao lembrar o amor falido
Descobrir onde falhamos.

Eu penso que nós erramos
Por  não termos entendido
Que o amor, para ser fruído,
Jamais pode ter dois amos.

Para o amor poder gozar
Plenamente bem gozado,
Quisemos ambos reinar.

Não soubemos discernir
Que em um amante e um amado
O amor deve consistir.

A moça loira

Ela lia meus sonetos
sorria e suspirava
ah a poesia
e depois de elogiar
minha inspiração
e perguntar onde eu a colhia
me brindava com uma eructação
de sua adorável dispepsia.

DNA

Puxa fumo, o que é que tem?
Os filhos puxam também.

Botão

Morrer deveria ser
Como um homem se enganar
E, em vez de a luz acender,
Fazer a luz se apagar.

Soneto de quem nasceu para o fracasso

Confessemos sem receio
A nossa mediocridade:
A nossa felicidade
É sempre estarmos no meio.

Se tivéssemos ousado,
Talvez nos fosse possível
Colher até o impossível
E alcançar o inalcançável.

Mas, porque o fim exigia
De nós esforço incomum,
Ficamos na mediania.

Não chega jamais a cem
Quem nasceu para ser um
E força e ambição não tem.

Um trecho de Ignácio de Loyola Brandão

"As pessoas mais interessantes que conheço são as que dizem coisas julgadas sem nexo pelo homem comum. Coisas contraditórias, incoerentes, inexplicáveis, aparentemente inacessíveis. O homem comum é odioso, arrasta-se pela vida sem alçar a cabeça, sem saber que tem pensamentos e pensamentos. Pensamentos que se amontoam na cabeça usando palavras antigas, daí estarem encanecidos."

(De As palavras exaustas, edição da Ardotempo.)

terça-feira, 19 de julho de 2016

Grandeza

Presunçoso, nunca praticaria
o suicídio.
No seu caso seria
como cometer um regicídio.

Dilema

Por artes da ortoépia
ou da ortoepia
ele não sabe se faz a assépsia
ou se faz a assepsia.

Camadas

Quem sente amor
e diz sentir afeto
há de ser chamado
ou de fingidor
ou de afetado.

Ela

Até os bocejos, nela, se abriam com a delicada lentidão de um lírio.

Experiência

Agora ela já tem juízo.
Depois de dar-se, afogueada,
Esconde o rosto, corada,
Se o sol lhe pede um sorriso.

"O ator", de Pedro Gonzaga

"por fim o ator abre os olhos
entregue ao exercício de catalogar
a intransponível presença das coisas
restos de um banquete
mofo que já une ossos e peles à louça branca

quem pode lavar esses detritos
sem sentir nas mãos a frialdade
dos sonhos sordidamente acumulados

quem pode preservar os sentidos
quando as luzes se acendem
e a natureza se afoga à praia velada
sempre um instante antes de nós."

(Do livro Falso começo, edição da Ardotempo.)

segunda-feira, 18 de julho de 2016

O novato pundonoroso

Quer ser um escritor clássico, mas se vê diante de duas dificuldades: tem vinte e três anos e está no século XXI. Do seu romance de estreia, a passagem que mais entusiasmo vem causando é um  ato sexual dentro de um elevador. Ontem, na tevê, ele fez questão de se isentar: "A cena ocupa só meio capítulo do livro. Por favor, não o julguem por ela. Pretendi escrever um romance sério, uma obra de arte."

Vestibular

Porque caminhamos
para o grande silêncio
preparemo-nos para ele:
falemos baixo
como as formigas
e ouçamos só as rosas
e a brisa.

Dúvidas

De que marca era
e trafegava por qual avenida
o auto da compadecida?

Cachê

Sendo a maior atração,
O morto - aquele finório -
No bolso não mete a mão
Para pagar o velório.

Trunfo

O amor é sempre aquele assunto que pode nos salvar quando o leitor - e principalmente a leitora - já ameaça abrir o primeiro bocejo.

O mordomo

Mesmo quando não tem culpa
o amor foi sempre e será
nossa primeira desculpa.

Noblesse

Reencontraram-se por acaso, cinco anos depois, numa festa. As mãos se apertaram, tão geladas quanto as palavras que por educação mantiveram nos lábios. "Bom te ver", disse ele. "Bom te ver", disse ela, e cada um se esgueirou para um canto do salão, com o rancor magnificamente disfarçado por um sorriso social.

Um trecho de Mary del Priore

"Tinha d. Pedro 24 anos e Domitila, 25. Belíssima? Não exatamente.Certo pendor para a gordura, três partos, cicatrizes, um rosto fino e comprido, aceso pelo olhar moreno. Domitila, mãe de três filhos e acusada de adultério, tomara uma facada do marido, certa manhã em que voltava, às escondidas, para casa. O fato era conhecido na cidade de São Paulo e manchava o nome da família."

(De Histórias íntimas, edição da Planeta.)

domingo, 17 de julho de 2016

Inaptidão

A vida é uma romancista frustrada.

Opinião

Um sofá será sempre o que o gato da casa achar dele.

Na certa

Um bom guia amoroso
lhe dirá que, de todos,
o amor é o caminho mais perigoso.

Multiúso

Tenha sempre à disposição um gato, mesmo que seja só para melhorar as fotos de família.

Pé a pé

É vantagem
ou será um defeito
um canhoto
começar com o pé direito?

Vantagem

Os amores sinceros, quando morrem, demoram um pouco mais para começar a feder.

Ofício noturno

Me agradaria ter uma carrocinha, de ser encarregado de recolher toda noite as estrelas caídas por descuido do céu e levá-las aos orfanatos em que vivem os meninos mais tristes e as garotas mais sonhadoras.

Escritório de poesia

Desculpem o contratempo,
Mas paramos de atender.
Estamos mortos faz tempo.

Cautela

Não confie na sorte.
Enquanto estiver vivo,
Um olho na vida
E os dois olhos na morte!

Revista Rubem

Hoje, com a minha habitual inabilidade, falo da vida e de outros pormenores (www.rubem.wordpress.com).

Um trecho de Roberto Arlt

"O mais grave na demonstração dos ciúmes é que o indivíduo, involuntariamente, se coloca à mercê da mulher. A mulher, nesse caso, pode fazer dele o que lhe der na telha. Controla-o de acordo com sua vontade. O ciúme (medo de que ela o abandone ou prefira outro) evidencia a frágil natureza do ciumento, sua paixão extrema e sua falta de discernimento. E um homem inteligente jamais demonstra ciúmes a uma mulher, nem quando é ciumento."

(Do livro Águas-fortes portenhas, tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro, edição da Iluminuras.)

sábado, 16 de julho de 2016

Estatística

Se existe alguma paixão maior que o Corinthians, trinta milhões a desconhecem.

História

Sendo muitos
cada vez mais
e cada vez mais escasso
nosso espaço
nada mais normal
que além dos tsunamis
e outros desastres naturais
nos matemos
nos dizimemos
em confrontos prosaicos
disputas pessoais
e conflitos tribais.

Antegozo

Qualquer pecado
é sempre melhor
antes de praticado.

Um trecho de Mary del Priore

"Graças à lingerie, o corpo passou a ser um objeto estético, fonte de desejo e contemplação, não só o santuário de virtudes vitorianas e hipocrisia. O pudor começava a recuar. Inculcado desde a primeira infância e reforçado nas meninas durante a adolescência, doravante ele iria se articular com as exigências do casamento. Casais se escolhiam cada vez menos para atender aos interesses familiares e cada vez mais por amor. O trunfo do encanto físico e da sedução passava a contar. E o refinamento da sugestão introduzia-se na intimidade de homens e mulheres."

(De Histórias íntimas, publicação da Planeta.)

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Perfil

A priori
uma mulher
não é nada além
nem nada aquém
do que diz Mary del Priore.

Desforra

Quando li que Mike Jagger vai ser pai novamente, aos setenta e dois anos, acendeu-se meu revanchismo polaco. Já decidi: plantarei uma árvore.

Um parágrafo de Roberto Arlt

"Há pessoas que têm certa prevenção contra os coxos. Acreditam que são maus, incapazes de uma boa ação. No entanto, hoje eu descobri que um coxo é uma fichinha perto de um vesgo, sobretudo se se trata de um vesgo que está apaixonado."

(Do livro Águas-fortes portenhas e águas-fortes cariocas, tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro, edição da Iluminuras.)

Corinthians - Música por Antônio Ianovali Neto e Raul Drewnick

Mas como assim?

Por que é que os fatos indiscutíveis costumam ser exatamente os mais discutidos?

Hoje

Até alguns anos atrás, não muitos, eu me atormentava porque desde a adolescência vinha tendo a literatura como meu único interesse e minha única possibilidade de realização, e era como se nada houvesse caminhado sequer um passo. De lá para cá, nada mudou. Não caminhei nem mais um passo, mas já não me importa. Com a minha idade, para que me serviria a glória? Para mostrá-la à Morte, quando vier? Ela certamente sorriria, como se eu fosse um garoto exibindo a medalha conquistada no torneio intercolegial de pingue-pongue. A velhice, quando não nos concede a sapiência, nos traz a abençoada apatia.

Ser

Ser escritor não é um título que alguém possa nos conceder. É algo que só nós mesmos havemos de saber, uma condição que devemos pôr em dúvida diariamente - e também diariamente confirmar.

Mea-culpa

O que posso dizer sobre a arte de escrever, depois de tantos anos, é que me dediquei a ela inteiramente, porém não o bastante.

Hábito

No tempo em que tomavam leite, os gatos tinham bigodes mais brilhantes.

Bazófia

Há cinco anos ele diz que está morrendo de amor. Que fraco é esse amor, que não o mata nunca.

Circunstância

Pendurado no lustre
em cima da mesa
seria um morto brilhante
se a luz estivesse acesa.

Suprassumo

O melhor de um pecado
é saber que se está fazendo
algo errado.

Paradoxo

Um suicida
geralmente é um sujeito
cheio de vida.

Custo/benefício

Se um dia
eu der cabo de mim
há de ser bem no fim.

Gustave

Flaubert não era mulher
mas dizia ei olhem aqui
sou madame bovary.

Motivo

Se é de tua imagem
que se trata
podes ser iconoclasta.

Lógica

Não conhecemos os outros, mas sabemos bem quem somos. Podemos dizer tranquilamente que eles são muito melhores do que nós.

Fantasma

Do armário aberto trinta anos depois, saiu uma gravata borboleta, deu uma voadinha e voltou para dentro.

De Mariana Ianelli sobre Mario Quintana

"É aí que Mario Quintana vive com Erico Verissimo, Cecília Meireles, Augusto Meyer, esses amigos de sempre, no mais que real - ainda que vago - País de Trebizonda, todos a conversar no esperanto da poesia, entre os Loucos, os Mortos e as Crianças."

(Do livro Para aqueles a quem os dias são um sopro, edição da Ardotempo.)

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Mercúrio

O comércio
sempre das mesmas coisas trata:
ao vendedor as pratas,
ao comprador as batatas.

Assombros

Quando ouvia meu pai falar em habite-se, juros ou taxa de sisa, eu chegava a ter certeza de que jamais conseguiria ser um bom adulto.

Burocracia

Um problema que persiste
para os poemas concretos
é a demora
na hora do habite-se.

Manifesto

Minha tesoura
minha prodígia
minha vênus calipígia.

Impasse

Eu me detesto
mas falta-me coragem
para o tresloucado gesto.

De Mariana Ianelli sobre Emily Dickinson

"Ela, tão ocupada com o espanto de existir, com as colmeias, as minas e os vulcões da sua geografia doméstica, tão ocupada em amar, que mal lhe sobrava tempo para outras atividades. Pensava, por exemplo, na responsabilidade de ser uma flor, com a ameaça da lagarta e o assédio das abelhas, o direito ao orvalho e a tarefa de temperar no corpo vento e calor na medida certa."

(Do livro Para aqueles a quem os dias são um sopro, edição da Ardotempo.)

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Mario Quintana (para Silvia Galant François)

Quem tem o que dizer não precisa tenorizar coisa nenhuma. Os mais altos sentimentos costumam exprimir-se em voz baixa, como fazia Mario Quintana.

"Para aqueles a quem a vida é um sopro"

Primor é uma dessas palavras que devem ser usadas com parcimônia. Só uma vez ou outra, e apenas como sinônimo de esplendor. Caso do livro "Para aqueles a quem a vida é um sopro", de Mariana Ianelli, edição da Ardotempo.

Parque

Quando sais
com teu vestido
curtinho
o vento
aquele moleque
vem todo serelepe
chega por baixo
maneirinho
fica um bocado
mais um bocadinho
e quando se vai
deixa em ti um friozinho
morninho.

Esperança

Quando eu estiver
mortinho e bem esticadinho
talvez alguém afinal
me chame de bonitinho.

Hoje

Agradam-me agora só as coisas breves, as que se fazem quase como se não se fizessem. Coisas tão miúdas e imperceptíveis que talvez eu possa continuar a fazê-las depois de morto.

Diabrura

Vendeu a alma ao Diabo
em troca de um grande livro.
O Diabo lhe deu um exemplar
de O velho e o mar.

Um trecho de Lawrence Ferlinghetti

"Sou um lago na planície.
Uma palavra
numa árvore.
Sou uma montanha de poesia.
Uma blitz no inarticulado.
Sonhei
que todos os meus dentes caíram
mas a língua sobreviveu
para contar a história.
Porque sou um silêncio
poético."

(Do livro Um parque de diversões da cabeça, tradução de Eduardo Bueno e Leonardo Froes, edição da L&PM.)

terça-feira, 12 de julho de 2016

Talvez

Na tua carne
ali onde eu a tocaria
se a tocasse
nada talvez afloraria
mas talvez aflorasse
se outro a tocasse.

Receita

Quando nos tocar morrer,
Morramos como se fosse
Nosso momento mais doce,
A melhor coisa a fazer.

O pássaro

Existe um pássaro
que na hora de morrer
revelará num canto
todos os segredos da vida
e tão docemente
que entenderemos
e abençoaremos
todo o infortúnio passado
e todo o infortúnio presente

Talvez seja hoje o dia
por que não poderia?

Mais do que nunca
abertos os olhos conservemos
e não nos descuidemos
e não durmamos
e não morramos.

Soberba

Te atormentaste a vida inteira
com códigos morais
com preceitos éticos
com grandes projetos
e ideais

Para um ser tão irrisório
tão provisório
e mortal
não viste que era
presunção demais?

Nosce te ipsum

Conhecer-te a ti mesmo é tarefa que desempenharás sem muito esforço. Difícil, depois, será te aceitares.

O senhor

Se isto é um cativeiro? É, não está vendo? Vivo aqui há cinco anos, morrendo de fome e sede. Quem é que me escraviza, quem é meu senhor?? Ah, é o amor. Ah, o amor!

Vanidade

Todo dia escrevo alguma coisa. Nenhuma ficará, mas quem se importa? Alguém aí leu Odysseus Elytis, Nobel de Literatura de 1979?

Aviso

Pede-se não enviar flores nem coroas. O defunto é alérgico e insignificante.

Tudo

O amor tirou-me o bom humor. E o mau também.

Quatro versos de Friedrich Hölderlin

"Assim é o homem; quando o bem lhe chega e até um Deus cuida dele
Enchendo-o de dons, não o reconhece e não quer saber.
Tem, antes, que sofrer; depois, quando nomeia o que ama,
Nada pode impedir que as palavras surjam como flores."

(De Elegias, tradução de Maria Teresa Dias Furtado, edição da Assírio & Alvim, Lisboa.)

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Autocrítica

Algumas coisas que escrevo parecem ser ruins; as outras todas são.

Soneto do ator novato

Como nos comportaremos
No dia, santo ou maldito,
Em que a morte enfrentaremos,
Como há muito está predito?

Tudo está na peça escrito.
Nós tantas vezes a lemos,
Mas o lido será dito
Como? Isso ainda não sabemos.

Se nós viermos a falhar
Poderemos alegar
O quê, em nosso favor?

Talvez nossa inexperiência
Ou a falta de eficiência
Do autor e do diretor.

Jogo

Não quero nada mais. Só
Que chegue logo o minuto
No qual, cumprindo o estatuto,
Me transformarei em pó.

Caminho

Me perguntas quem sou eu.
Alguém que se procurou,
No caminho se perdeu
E nunca mais se encontrou.

Confissão

Morrerei sem ler Os sertões. Minha brasilidade não chega a tanto.

Números

As estatísticas não são tão ruins: ainda há quem morra de amor, e Werther continua sendo lido pelos jovens.

Despeito

Eu gostaria de ter visto a rainha nua ao menos uma vez, para poder hoje, ultrajado e defenestrado, mencionar uma falha que fosse no seu corpo, ao lado das tantas que sempre teve sua alma.

O máximo

Não almejo muito. A mim bastaria ser o bobo da corte. Eu me esmeraria, eu me aperfeiçoaria, eu me abobaria sempre mais, com requintes de esteta e ímpetos de perfeição. Gostaria de chegar a ser o melhor de todos os bobos de todas as cortes, antes, como tudo na minha vida, que alguém viesse tomar o meu lugar.

Para quê?

Um homem que nunca sofreu por amor deve se perguntar para que diabo veio ao mundo. Para passear?

Pequetita

Ah minha
queridinha
como eu queria
que tivesses um repente
e me dissesses
que dali para a frente
serias minha
toda minha
minha inteiramente
minha completamente
minhamente.

"Declaração de amor em vários sabores", de Luis Fernando Verissimo

"Ver-te
- só ver-te! -
é sorver-te
como
um sorvete."

(De Poesia numa hora dessas?!", Editora Objetiva.)

domingo, 10 de julho de 2016

Download

Sim, esse sou eu. Os sonhadores deveriam ter outra cara, você não acha?

Avis rara

São estranhos os poetas. Conheço um que há anos se lastima pela perda de um amor que até hoje nem ele sabe se chegou a ser verdadeiro.

Bifurcação

Um homem pode ser envenenado de duas formas: ou por um amor falso ou por um amor verdadeiro.

Um parágrafo de Glauco Mattoso

"É isso aí, bicho: eu só queria mesmo era curtir os lances de sadismo e pura pornografia e, pelo jeito, todo o arcabouço teórico-histórico teria servido de mera moldura para cenas pitorescas & picantes."

(Do livro O calvário dos carecas - História do trote estudantil, EMW Editores.)

sábado, 9 de julho de 2016

Como é

A escravidão, no amor, não é aceita nem imposta. É suplicada pela parte mais fraca.

Natureza

O poeta mente
Tão naturalmente
Que se alguém tem vergonha
Não é ele quem a sente.

Homem

Não somos nada senão
Um fato mal engendrado,
Um ser sem significado
Buscando explicação.

Autenticidade

Nós haveremos de ser
Assim dóceis e obedientes,
Afáveis e transigentes,
Também na hora de morrer.

Dodói

Quando brigava com o namorado, a garota fazia o gato lamber a caixa de areia se nela houvesse um pingo de urina. O gato se fingia de negligente, errava a pontaria, só para sentir na cabeça os dedos dela arrastando-o para a caixa e ouvir sua voz depois: desculpa, desculpa. Como era bom quando ela o levava para o sofá, beijando-o como se fosse ele o namorado.

Lacuna

Se há um sofá na sala, e nele não está deitado um gato, alguma coisa foi mal planejada na casa.

Passatempo

Ainda há quem considere um poema uma espécie de exercício de palavras cruzadas e num domingo, depois do almoço familiar e antes da soneca vespertina, faça pelo menos três deles sem parar de palitar os dentes.

Estatística

Morrer é uma coisa que costuma acontecer
na vida de gente boa e gente ruim -
principalmente no fim.

Aparência

Ainda que frequentemente não pareça, nasci para escrever.

Característica

Os adjetivos são tão grudentos, pegajosos, colantes, que mereciam chamar-se adesivos.

"Contingência", de Lourença Lou

"meu mundo
está
a um passo
da sua pele

entre um pé
e outro
todas as delícias
da língua

escrita.

(Do livro Equilibrista, Editora Penalux.)

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Experiência

Hoje sei que nasci para mulheres dominadoras, dessas que entram nuas no quarto, mas com os sapatos de salto alto agulhando o soalho, para aterrorizar a presa e avisá-la de que fuja se puder ou se prepare para morder e arranhar, porque será mordida e arranhada.

No peito

Haverá sempre algum espaço onde possas cultivar a rosa da poesia. Se severo for o vento e hostil a terra, planta-a no coração, esse em que ainda conservas os ideais da juventude.

Notícias de Estocolmo

Naquele que viria a ser seu último ano, resolveu que nunca mais escreveria. "O que fiz já basta, é mais do que suficiente. Eles que leiam." Passava os dias aguardando notícias. Vinham algumas. Nenhuma, porém, de Estocolmo. E ele perguntava à mulher, aos filhos, aos netos: "Nada? Nada? Nada?" Sua obsessão era comentada pelos vizinhos: "Ele está esperando uma carta da Suécia, de um tal de Abel."

Falha

Eu deveria ter me dedicado a escrever apenas sobre gatos. Não acrescentaria nada à majestade deles, mas talvez me sentisse um pouco menos inútil.

Mínimas

Escrever frases curtas revela ao menos uma sabedoria: em textos menores, menores também são os riscos de desagradar. O leitor começa a ler e pronto!, já leu. E esses textos - saiba-se lá por quê - recebem o pomposo nome de máximas.

Um trecho de Liberato Vieira da Cunha

"Nunca fui rico. Mas me considero milionário por ter privado com uma coleção de seres de exceção. Às vezes, penso se teremos hoje vultos de igual grandeza. Mas aí me digo: melhor não pensar."

(Do livro de crônicas O silêncio do mundo, da AGE Editora.)

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Júri

Mal conhecem um substantivo, os adjetivos já se põem a analisá-lo e a lhe dar nota, de um a dez.

Ih, lá vem um

Os adjetivos são uns chatos: vivem buscando companhia.

Corinthians

A fidelidade ao Corinthians há de ser canina: latir, se preciso; morder, se inevitável.

História

Tantos cristãos
morreram no Coliseu
(antes eles do que eu).

Tempo

Ah, nada mais é como antes.
Tudo se alterou, mudou tudo.
Até o Inferno de Dante.

Coadjuvantes

Pelo nosso temperamento covarde, não nos atiraremos às presas. Nossos irmãos as atacarão, matarão e devorarão. Assistiremos de longe e, quando o odor de sangue e carne se dissipar, chegaremos mansamente e mastigaremos com delicadeza os ossos.

Podíamos

Podíamos ter aprendido a escrever melhor. Literatura não é suor. Ao diabo aqueles que dizem que querer é poder.

Capolavoro

Um bem-te-vi é uma das obras-primas que a natureza executa com uma simplicidade e uma perfeição que o homem, com toda a sua inspiração e o seu empenho, não consegue igualar.

Como sempre

Pegar o bloquinho e a caneta não é uma garantia de literatura, é só uma esperança. Por ela é que acordamos toda manhã e ouvimos o coração bater desvairadamente: será hoje, afinal, o dia?

Crueldades

Ela não gostava dos meus sonetos; eu detestava o cheiro morno de suas axilas.

Mario Quintana

Mario Quintana não tinha, por si só, o dom de fazer surgir o sol. Mas sempre podia dar uma ajudazinha.

D+

Um gato sempre pode ser mais que um gato, se estiver disposto a se esforçar um pouquinho.

Público

Ler-me talvez seja mais profícuo para estudantes de psicanálise que para amantes da literatura.

Graças

Renderei sempre graças a Deus e a Quem mais der, ao que escrevo, se não brilho, ao menos uma sóbria aparência de honestidade.

Personagem

O vento brinca de teatrinho com as roupas do varal. Finge que é um policial e sacode os lençóis, interrogando: quem de vocês é o chefe, quem?

"Pecado original", de Luis Fernando Verissimo

"Se tivessem comido só um pedaço
da fruta do Saber
e inventado a rede, a moringa
e o prazer...
Mas não.
Fizeram a besteira
de comer a fruta inteira.
E saíram a inventar roda,
motor, reator,
consciência, dor...
Ficaram inteligentíssimos
e sem um lugar para morar.
Esta verdade nada anula
o pecado original
foi a Gula."

(De Poesia numa hora dessas?!, Editora Objetiva.)

quarta-feira, 6 de julho de 2016

De jeito nenhum

Quando sugeriram ao escritor lançar um livro com suas cem melhores crônicas, ele se indignou. De jeito nenhum. E as outras duas mil e tantas, o que seriam? Ruins?

Lar

Minha ideia de lar sempre será
uma casa naturalmente
e um gato escarrapachado no sofá.

Quem sabe

Talvez eu seja severo demais comigo. Quando eu estiver morto, é possível que alguém, um crítico, um professor, sei lá, leia alguma coisa que que escrevi e diga que essa coisa tem certo jeito de literatura.

Gramática

Dizer que uma mulher é linda deveria ser sempre considerado um pleonasmo.

O mínimo

Se o que você escreve não for importante para você, que altruísmo você pode esperar dos leitores?

Peculiaridade

Poemas concretos não têm chave de ouro. No máximo, um retoque na pintura.

Esperança

Talvez eu ainda me salve. Começo a ter dificuldades para me lembrar de ti, do teu rosto, do teu sorriso mentiroso.

Bis

Errar é humano. Persistir no erro também.

Boletim

O que melhor aprendi com o amor não foram as lágrimas fingidas; foram os sorrisos falsos.

Charme

Não tenham pena dos que vivem chorando perdidos amores. Eles não estão se lastimando, estão se exaltando.

Um pouquinho de Ferreira Gullar

"A brisa que sopra ocasional move as folhas e as roupas dependuradas na minha janela, e num mesmo movimento vacilam os ramos e voam os passarinhos. O mundo hoje não precisa de explicação."

                                                                        ***
"O verdadeiro amor é suicida. O amor, para atingir a ignição máxima, a entrega total, deve estar condenado: a consciência da precariedade da relação possibilita mergulhar nela de corpo e alma, vivê-la enquanto morre e morrê-la enquanto vive, como numa desvairada montanha-russa, até que, de repente, acaba."

(Do livro As melhores crônicas de Ferreira Gullar, Global Editora.)

terça-feira, 5 de julho de 2016

Ladino

Quando Deus lhe disse que a partir dali ele precisaria ganhar o pão com o suor do próprio rosto, Adão, já imbuído de sua nova condição, sorriu e pensou: isso é o que nós vamos ver.

A verdade

Quando foi expulso do Paraíso, Adão não se importou: tinha descoberto outro, muito melhor.

A fórmula

Se quiser aprender alguma coisa, procure uma mulher. Os homens, todos, são tão tolos quanto você.

Aposta

Se você pensa em deixar um legado, é melhor apostar num filho, ou numa árvore, do que ficar insistindo com os livros.

Mario Quintana

Quando via Mario Quintana, o pernosticismo passava ao largo. Sabia como ele detestava ourivesarias de estilo, construções bizarras, floreios de linguagem. E como lhe repugnavam aquelas vírgulas bem colocadinhas, bonitinhas, vistosas, parecendo adornos de decoração.

Mario Quintana

Hei de escrever um conto para crianças em que Mario Quintana será um vendedor ambulante em Porto Alegre. Sempre, na esquina em que ele estiver, haverá uma nuvem cor-de-rosa da qual ele, com uma espátula, retirará fiapos de algodão-doce diante de uma encantada fila de garotos e garotas. Talvez haja por perto também, sempre, um realejo tocando uma canção de Lupicínio.

Soneto de labaredas e crepitações

Então eu te tocaria
Com mais medo que paixão,
E tocar-te assim seria
Como uma profanação.

Minha mão se abrasaria
Como um dia de verão
E cada dedo arderia
Como a língua de um vulcão.

Comentarias: tá vendo,
Não disse que ia gostar?
E eu, todo incendiado, ardendo,

Responderia que sim,
Ansioso por me acabar
Inteiro, intenso, até o fim.

De Ferreira Gullar, sobre a crase

"Quem tem frase de vidro não atira crase na frase do vizinho."

(Do livro As melhores crônicas de Ferreira Gullar, edição da Global.)

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Vocação

Há mulheres que devoram a alma de um homem como se mastigassem tripas.

Descaso

A gramática anda mesmo sem prestígio. Hoje ouvi um bem-te-vi cantar, e qual era o seu canto? Bem lhe ouvi, bem lhe ouvi, bem lhe ouvi.

Astral

Estarmos vivos ou não
depende mais do que pensamos
de nossa própria opinião.

Soneto dos sonhos e de sua difícil perfeição

De tudo quanto quisemos
E intensamente buscamos
Apenas o que obtivemos
Foi o que não alcançamos.

Insanos, nós supusemos
Factível o que sonhamos
E ao sonho inteiros nos demos
E erramos, e fracassamos.

Isso aconteceu outrora,
Porém ainda hoje, ainda agora,
Não chegamos a entender

Por que sonhar sempre cabe
A quem não pode ou não sabe
Nenhum sonho perfazer.

Uma frase de Mo Yan

"Um impostor tem medo de conterrâneos."

(Do livro Mudança, tradução de Amilton Reis, edição da Cosac Naify.)

domingo, 3 de julho de 2016

Revista Rubem (www.rubem.wordpress.com)

Hoje falo de algumas coisas que me fazem falta: o discernimento, por exemplo.

Uma vida

A vida inteira ele a consumiu tentando ser romântico, parnasiano, simbolista, pré-modernista, modernista, pós-modernista, neovanguardista. Fez versos livres, versos brancos, versos rimados, usou truques como enjambements e aliterações, novidades bizarras, formas clássicas ocidentais, exóticas formas orientais. Lutou pela glória e pelo reconhecimento todos os dias, sem descanso. Ontem um neto seu, o mais velho, conversando com a avó, perguntou: "É verdade que o avô foi poeta?" A avó hesitou um instante: "Foi. Coitado."

Perfil

Não me cresce a alegria
Nem mesmo com um bom copo.
Minha categoria
É allegro ma non troppo.

"Vendendo peônias murchas", de Yu Xuanji

"O rosto ao vento, a suspirar, pétalas caem
e vai-se outra primavera em seus odores
Hoje ninguém as quer comprar, dizem-nas caras
Intenso, afasta as borboletas, seu aroma
Pétalas rubras, só crescessem em palácios
Filhas de jade, vão tingir-se ao pó das estradas?
Antes se transplantarem a imperiais vergéis
e as colheriam belos jovens em cortejo."

(De Poesia completa de Yu Xuanji, tradução de Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao, Editora Unesp.)

sábado, 2 de julho de 2016

Soneto do mau conselho

Dos sonhos que projetamos
No final tudo gorou
E de tudo só restou
A dor com que os enterramos.

Quando um sábio consultamos
Sobre o que mais o encantou,
Ele o amor nos indicou
E ao amor nos devotamos.

Depois que nos convertemos,
Para o nosso amor erguemos
Uma catedral imensa.

Ela ruiu rapidamente:
Ninguém é tão competente
Nem tão sábio quanto pensa.

Soneto da crueldade do amor

O amor é como um sultão,
Jamais lhe falta mulher,
Tem sempre muitas à mão,
Dispõe de quantas quiser.

No seu harém ele tem
Ao menos sempre quarenta
E fora tem outras cem
Porque nenhuma o contenta.

Se alguém, em dado momento,
De falta de sentimento
O acusa, ele não responde.

Nunca escondeu, não esconde,
Não dissimula ou despista.
O amor é um porco machista.

"Em resposta a poema de um amigo", de Yu Xuanji

"Tristemente ficar neste quarto de hotel
e ao abrir esta carta: tua letra ao papel
Cai a chuva em Ponglai, se apequenam mil montes
sopra o vento no vale, em mil folhas o outono
Pela manhã reler, as palavras são jade
De noite na cama, recitar cada página
Levarei teu poema embalado no sândalo
e agora o mantenho entre a mão e meu canto."

(De Poesia completa de Yu Xuanji, tradução de Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao, publicação da Editora Unesp.)

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Um e outro

Quem escreve para si mesmo comete o pecado do egoísmo. Quem escreve para o leitor procura um cúmplice para o crime de presunção.

Sem-número

No dia em que nos disseram
Que o amor só virtudes tem,
E que elas são mais de cem,
Não nos contaram quais eram.

Magnicida

Conforme a entonação dada à palavra, sinto-me como se tivesse assassinado um arquiduque quando me chamam de sonetista.

Paraíso

O Diabo seria mais generoso
e daria a Adão tantas Evas
quantas fossem suas costelas.

... ou não ser

Viver é tão cansativo,
Nos deixa tão extenuado,
Que eu tenho sempre hesitado:
Não sei se durmo ou se vivo.

Choramingos

Já tivemos um rosto mais amável
um jeito mais afável
um modo melhor de sorrir

Foi na época do amor
e nós lhe demos tudo
de que podíamos dispor

Julgávamos justo
tudo lhe darmos
e ainda julgamos
quando hoje nos lembramos
de como o amor era belo
de como parecia inatingível
e de como inacreditavelmente
nos aceitou

Nós nos lembramos dele
de como nos olhou
no primeiro dia
e de como nem nos olhou
no dia em que nos repudiou

Lembrará ele ainda
de nosso rosto amável
de nosso jeito afável
do modo de sorrir
sempre especial
que tínhamos
na época em que pensávamos
que o teríamos para sempre
se o conseguíssemos seduzir?

Monomania

Escrever, escrever. Que droga ou vício
Pode se comparar, ou exceder,
A essa obsessão que temos de escrever,
Essa tarefa insana, esse suplício?

"Comovida ao final da primavera: a um amigo", de Yu Xuanji

"Esvai-se o sonho no arrulhar dos pássaros
mas leve maquiagem basta às lágrimas
À sombra dos bambus a lua afina-se
ao rio quieto aguça-se a neblina
Andorinhas barro a seus bicos portam
abelhas colhem nas antenas pólen
E desde sempre só, este lamento
entre pinheiros dóceis, confidentes."

(De Poesia completa, tradução de Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao, Editora Unesp.)