De mim não esperem
o que só lhes podem dar
Kavafis ou Seferis.
O velho poera
continua adepto
dos temas comezinhos:
poemas sobre passarinhos e árvores
ou sobre árvores e passarinhos.
Abstraindo-se o lado sentimental, nosso ano da guarda pode ser também catalogado entre os chatos.
Logo no início o poeta romântico percebeu que para transformar-se num poeta social não bastava substituir as reticências pelos pontos de exclamação.
O que espanta não é Fernando Pessoa ter sido tantos. É nenhum deles poder ser chamado de bisonho.
Analisando a obra de Deus pelo prisma artístico, alguns críticos exaltam nele muito mais o ineditismo que a beleza formal. Deus foi, para eles, o primeiro dos modernistas.
Se um poeta se põe a falar mal de rosas e estrelas, é inevitável perguntar se quem mudou foram elas ou ele. Nos três casos trata-se, como se sabe, de criaturas geniosas.
Tenho planos para você
ela me disse
num longínquo dia
Era uma primavera dourada
de mil novecentos e nada
e eu acreditei
porque ainda não sabia
como pode ser falsa
zombeteira e cruel a Poesia.
Alguma coisa dentro de mim
me diz ainda
que eu posso
mas não é mais
aquela voz juvenil
da qual a poesia
como água da fonte jorrava
Esta voz de agora
é a do velho
que um dia chegou do nada
deu um trago
ofereceu uma tragada
e perverteu
o menino que me habitava.
Nas melhores novelas policiais costuma haver uma loira que aparece logo no primeiro capítulo. Tudo que ocorre depois não tem nenhuma importância.
Quando era ainda um menino, já mostrava que seria um chato insuperável. Tinha cinco anos no dia em que seu amigo imaginário, um urso chamado Péricles, disse que ia dar um passeio e jamais voltou.
Acho que tenho algum jeito para escrever. Nada que possa ser confundido com o que costuma chamar-se de estilo. Drewnick não é Dostoiévski.
Era um defunto tão irretocável que parecia quase um pecado permitir que aqueles olhos exemplarmente imóveis fossem entregues à terra.
Tenho pensado em me dedicar outra arte, como o canto ou a dança. Muito me agradaria, depois de ouvir a vida toda comentários sobre meu sofrível desempenho poético, ser chamado de cantor esganiçado ou dançarino claudicante.
Eu não pediria aos livros de autoajuda o que eles costumam oferecer aos leitores: nem glória, nem poder, nem fortuna. Ficaria muito feliz se aprendesse a fazer uns poemas um pouquinho melhores.
Pegar um gato, um gato qualquer, mesmo o mais insignificante deles, e transformá-lo em personagem de uma história é um truque antigo usado pelos escritores para que um livro no qual ele se ponha a miar jamais seja um livro insignificante ou um livro qualquer.
Morrer na atualidade
não requer nem
prática nem habilidade
venha entre na fila
pegue a senha
venha já venha logo venha
não perca a oportunidade.
Eu já devia ter compreendido.
Se fosse meu destino ser poeta
Há muito eu já teria sido.
Quando resolveu abandonar o lirismo e assumiu-se como porta-voz de movimentos sociais, o poeta passou a ter o cuidado de não ser mais visto na companhia nem de flores nem de passarinhos.
O poeta não diz mais a palavra amor. Receia contaminá-la com seus lábios espúrios. Guardada no coração como um segredo, ela há anos espera ser pronunciada num sonho, escapar e, levada por uma brisa generosa, apossar-se de uma boca jovem que a transmita a outra boca jovem e apaixonada, que a receba como o mais capitoso dos frutos.
Eu me levarei para dentro do escuro
dizendo-me não tema
não receie
não se preocupe.
Com a mão no meu ombro
me levarei
como deve ser levado
um animal querido
que já viveu muito
e deve ser sacrificado.
Os grandes ideais
as façanhas da poesia
as obras monumentais
as filosofias
são todos banais
todos ninharias.
Por essas aspirações
por essas esparrelas
por essas ilusões
e por suas sequelas
vivemos nós tolos
e morremos por elas.
O velho poeta anda preocupado com suas falhas de memória. Um dia desses, não lembrava se os suecos tinham lhe concedido ou recusado o Nobel.
Ninguém me conhece melhor do que eu.
Não duvidem se lhes digo que estou morto,
Mais do que qualquer um que já morreu.
Se você conversar por dez minutos com um gramático e ele não o acusar de nada, conceda-lhe mais cinco minutos. Se ele continuar omisso, pode ter certeza de que ele é tão gramático quanto você.
Se escrever não é uma obsessão, a maior e a mais aguda de todas, o que você está esperando para cair fora? A vida é curta, rapaz.
Melhorar um bem-te-vi seria um trabalho perfeito ou para Mario Quintana ou para Manoel de Barros.
Os que não morreram de amor
com os que morreram se comparam
e desconsoladamente se perguntam
por que foi
como foi
onde foi que erraram.
Uma lição que temos duramente aprendido:
Quando viver não tem mais quase nenhum,
morrer passa a ter amargo e pleno sentido.
Na família do poeta conta-se uma história sobre sua predestinação. Tinha cinco anos quando, ao ver o avô molhar um pedaço de pão na xícara de chocolate, se afligiu: cuidado, que ele se afoga, vô.
Desistiu de perseguir a poesia. Está velho e cansado. Pensa no que poderá fazer agora. Já lhe disseram que tem cara de filósofo. Como lhe disseram, tantos anos atrás, que tinha cara de poeta.
Certas noites, ainda tem sonhos com mulheres. Elas estão sempre se queixando porque ele ou não fez alguma coisa ou a fez muito mal.
Ela se lembra dele com ternura. Que homem. Tratava-a como rainha. Dava-lhe tudo, ou tentava. Se ela, gulosa, lhe pedia algo salgado, ele perguntava se servia o mar.
Chamar o maldito, horrendo e nefando 2020 de ano atípico é o mais desavergonhado dos eufemismos.
Se hoje na praça aquele gorducho de olhos avermelhados que tropeçava nas palavras e nas pernas fosse mesmo Deus, como dizia, você lhe perdoaria a bebedeira e talvez lhe pagasse até mais um trago.
Não queira não peça não espere
De mim o que nem Deus lhe dá.
Não insista me poupe tenha piedade.
Peça-me tudo menos a verdade.
Perguntaram ao poeta se a mulher a quem dirigia melancólicos poemas existia ou se era mais uma de suas criações. Ele, triste como nunca o tinham visto, se queixou: "Ela existe, sim, é visível, notável, palpável" Depois, sorriu amargamente e repetiu: "Palpável, bem palpável para todos, menos para mim."
Toda vez que se arma uma tempestade e os trovões começam a explodir, o ansioso homem do prédio vizinho escancara a janela do apartamento e lança o desafio a um destinatário ignorado: chove, filho da puta!
Pobres mortos. Nem eles, no seu dia final, estão livres dos perdigotos da retórica. Há sempre um parente pernóstico que, à beira do túmulo, pede licença para dizer algumas singelas porém sinceras palavras sobre o maravilhoso ser humano que se vai.
Se você deseja ser escritor, leia diariamente pelo menos uma página de um livro de autoajuda, qualquer um. Se custar a dar certo, leia os clássicos. Se os clássicos lhe parecerem excessivamente numerosos, pegue um atalho: leia Fernando Pessoa, apesar de ele mesmo ser mais de cem.
Esperança é um sentimento que devemos ir aprendendo a ocultar, principalmente quando traduz uma expectativa amorosa. Velhotes se babam e se urinam por muito menos que isso.
Por uma modéstia incomum nele, o poeta de antologia resolveu não anexar à sua autobiografia a passagem em que, aos doze anos, soube que era um eleito dos deuses: urinando no quintal, notou, assombrado, que o sol desenhava no jato morno um arco-íris.