Tem muitos parentes -
alguns até influentes -
mas nenhuma obra-prima.
De tudo em que hoje me empenho
Mais nada me faz feliz.
De tudo agora desdenho,
Até do que ainda não fiz.
Às vezes, abre a gaveta, pega os três recortes de jornal de um ano longínquo e lê as palavras que sobre um fundo amarelado preveem para ele um futuro glorioso, No fim da leitura, sempre se pergunta quando virá esse futuro glorioso, com a rancorosa e magoada voz que lhe impuseram os anos de anonimato.
A chuva molha ainda uma vez, esperançosa, os lábios em que há muito murcharam as palavras de amor.
O poeta fica feliz quando lhe dizem que ele parece cada dia mais triste; é para isso que trabalha.
Posso dizer que em matéria de tristeza sou autossuficiente. Mas nunca recuso abrigo a tristezas alheias.
Ainda hoje as frases mais lindas
seja qual for seu autor
saem por aí molecas
jurando que são filhas de clarice lispector.
Por mil razões você deve querer conhecer-se. Uma delas é saber por que os outros são melhores.
O melhor modo de apreciar um poema concretista é ficar a certa distância - um metro e meio ou dois, de preferência três ou quatro.
Depois que se engajou nas causas sociais, o poeta, quando sai pelo bairro, não leva mais o caderno nem a caneta. Carrega o spray com que, furtivamente, deixa nos muros não reticências líricas, mas exclamações rubras e ferozes conclamações.
Leitores antigos têm certamente dezenas de histórias para contar sobre o tempo em que, como os pistoleiros do Velho Oeste, circulavam por toda parte os abomináveis sonetistas. Contra eles não havia defesa, legítima ou ilegítima. Ninguém, estivesse onde estivesse, podia considerar-se livre dos disparos de catorze fumegantes tiros, rimas ribombantes e perdigotos fatais.
Isso é normal. Você deve continuar tentando. Um dia talvez alguém acredite que o que você vem fazendo há seis décadas merece o nome de literatura. Serão dois, então.
A dele é uma tristeza tímida, que pede desculpas se deixa escapar um ai.
Quando erro, seja em que tarefa for,
E quando pelas mãos eu meto os pés,
Aplausos ganho de meu professor:
Mister Parkinson me dá nota dez.
Estamos aqui há
dez ou doze anos já
vendendo artigos finos
e peças profanas
É tempo já
de seguir o exemplo
e de as portas fechar
como as lojas americanas.
Quando seu dia chegar
não fique impressionado
não se torne solene
não veja nisso
um acontecimento incomum
nem algum especial significado:
quando seu dia chegar
significará apenas
que seu dia terá chegado.
"Raciocine comigo", pediu o escritor ao confrade. "O Shakespeare é mesmo um fenômeno. Mas, me diga, há quantos anos ele é lido e conhecido? Quatrocentos, não é? Por aí. Imaginou qual poderá ser a opinião dos leitores sobre nós em 2400 ou em 2500?"
Em mim alguma coisa se perdeu.
Não uma dessas tolas, corriqueiras,
Daquelas mais useiras e vezeiras -
Mas a que definia que eu era eu.
No dia 12, alguém pendurou uma placa no gradil do sobradinho: dá-se aulas de matemática. Na manhã seguinte, ao lado dela havia outra, colocada à noite por um vizinho sarcástico: precisa-se de professor de português.