Que por imposição da rima
se por outras razões não puder ser
viva sempre formosa a rosa
e formosa possa morrer.
Que por imposição da rima
se por outras razões não puder ser
viva sempre formosa a rosa
e formosa possa morrer.
Hoje, depois de meses, ele se lembrou do sol e foi espioná-lo por uma fresta da veneziana. Viu que ele não mudou nada. Ainda é aquele ator acordando diariamente o mundo e obstinando-se em reapresentar, como se o tivesse aperfeiçoado, seu único e inalterável espetáculo.
Aprendemos duas ou três artimanhas, escrevemos quatro ou cinco historinhas e, para lhes dar importância, agradecemos a Deus com alarde. Chamados a seis ou sete programas de tevê, lamentamos que Ele não pudesses participar deles, mas transmitimos Suas desculpas e abraços a todos os telespectadores.
Se o cansaço é uma boa desculpa, seja lá para o que for, tranquilize-se. Você está bem servido.
É um desses tipos ordeiros, que respeitam as tradições. Economiza sorrisos de segunda a sábado, para usá-los na defesa do bom nome dos domingos.
Se aquela voz misteriosa continuar a assediá-lo dia e noite, oferecendo sugestões para você melhorar sua escrita, pergunte quem está falando. Se ela disser qualquer nome que não seja William, mande-a resgatar a mãe no puteiro, com todos os palavrões de praxe.
No meu caso, estilo foi a melhor maneira que encontrei para expressar minha inaptidão.
Esta manhã o cérebro, ainda mal desperto, lhe ofereceu uma reflexão: se quiser ser passarinho, como lhe agradaria, precisará melhorar muito.
Aprendeu a reconhecer as armadilhas. Já não se proclama, como ontem, o mais humilde dos homens. Sabe que isso não era senão a mais abominável das presunções.
Às vezes, para se manter autêntico, o poeta parnasiano precisa esforçar-se um pouco. Nessas ocasiões, jamais recusa a companhia de um bom cisne, ainda que seja de mármore.
No dia em que se desaveio com ela e disse que com ela se desaviu, o poeta rompeu não só com sua doce amada, mas também com a mais severa das damas: a gramática.
O poeta viu-se hoje vítima de um de seus pequenos despotismos. Esquecendo que os havia proibido de frequentar a ameixeira, para preservar seus frutos, lastimou-se porque os passarinhos não foram cantar para ele esta manhã.
Ela quase se recusou a ir com o príncipe encantado. Ele parecia um vendedor de melancia e seu cavalo marrom, além de não ser alado, mancava um pouquinho enquanto ia soltando pelo caminho pedrinhas verdes, como se estivesse entrando num labirinto.
Hoje, às seis da manhã, foi acordado por um alarido dos diabos. Receou que fossem os adoradores do sol tentando mais uma vez fazê-lo juntar-se a eles. Mas era só um desses ladrões que nos subúrbios mantêm a tradição de ficar saltando de casa em casa, para pilhar as roupas anoitecidas nos varais.
https://rubem.wordpress.com/2024/11/10/frases-anotadas-num-bloquinho-raul-drewnick/
Depois de romper relações com o sol, tem uma tristeza: não saber mais como estão as rosas no jardim.
Você, que todo dia se queixa de estar cansado da vida, já pensou na hipótese de reciprocidade?
Para negociar com o velho poeta, a manhã e o sol enviaram hoje o mais gentil dos passarinhos. Ele cantou horas na ameixeira, mas a única resposta que teve foi: mas nem que mandem a pomba da paz.
É um santo homem. Os únicos pecados de que poderia ser acusado foram cometidos na década de 1960: meia dúzia de sonetos que fez para uma dançarina cubana, todos tropeçantes, escorregantes e caintes, mas felizmente publicados só no jornalzinho de um minúsculo município chamado Esperança - destruído por uma sucessão notável de políticos ineptos e inapeláveis voçorocas.
Ter má memória é uma boa maneira de não precisar ficar importunando Deus para que nos perdoe os pecados.
Enquanto não vem o definitivo, vai se exercitando com seus soninhos de fim de tarde, no sofá. Já sabe que não haverá nada épico nem grandioso. Há muito desistiu de escrever uma daquelas frases que honram um morto, e legado é uma palavra que aguça seu escárnio. Descrente dos sinônimos, espera que se aceite como sua última declaração só uma sílaba: ai.
A dificuldade básica, nos processos de separação de um casal de poetas líricos, é decidir a quem caberá ficar com o sol e quem levará a lua. Sem contar o cachorrinho Lulu e a gatinha Mimi.
Especializou-se em textos miúdos, aqueles nos quais é tão difícil identificar alguma poesia quanto negá-la.
Não tinha cuspido nem metade dos palavrões que guardara para receber a manhã e ela, atrevida molecona, já estava dobrando a esquina, com a língua de fora e de mãos dadas com o sol. Restou-lhe, como sempre, ficar ruminando seu discurso sobre ancianidade e respeito.
Se algo merece uma alma aflita, que seja o dom de completar-se como passarinho e alcançar no céu o azul mais serenamente azul que escolher.
Se soubéssemos, quando tudo começou a ruir, que haveria este tempo de quietude, esta brisa soprando misericordiosamente a pele do pó, não teríamos resistido tanto ao vento que nos fustigava.
A idade às vezes aguça certas habilidades em nós. Hoje estou tão pronto para cair na cama quanto cair dela.
Georges Simenon foi um escritor dos mais prolíficos. Produziu tantas novelas policiais que seu apelido bem poderia ser Olivetti. Uma máquina de escrever.
Faz algum tempo já que, assim como havia feito com o sol, dispensou a esperança de estar presente em suas manhãs.
O velho escritor sente que é hora de parar. Já nem corre o risco de desagradar aos leitores. Não tem mais nenhum.
Abrandando um pouco seu habitual tom dramático, ele resumiu hoje sua insatisfação com a vida numa frase simples: já gostou mais dos dias de sol.
Um dia, notou que, assim como o guarda-chuva esquecido no ônibus no último verão, tinha perdido toda a esperança.
Hoje, além dos costumeiros pássaros na ameixeira, a manhã veio tentá-lo com um miado aflito de gato novo. Foi mais difícil manter a janela e o coração fechados.
Nascido e criado no seio da burguesia, ele espera que, quando chegar o dia, possa morrer asseado, quentinho e bem trajado.
Não permita que em seus lábios as palavras vivam em promiscuidade. Jamais diga rosa logo depois de dizer monturo.
Depois de reconhecer que é mais preguiçoso que diligente, mais incapaz que eficiente e nada resiliente, pensou em desistir da literatura, mas, para não admitir um fracasso total, resolveu que será escritor, sim, mas no máximo bissexto.
Uma das folhas lançadas ao vento pela tempestade resiste ainda um momento, tenta assumir-se como pássaro e chega a flutuar como se fosse, antes de se afogar sem um gorjeio como as outras na enxurrada.