segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Em boca própria

Para meu alívio e meu bem, ser eu ou não um escritor deveria ser algo que dependesse de minha opinião somente, e de mais nada ou ninguém.

Ciúme

Agora, se vacilo quando falo

E se treme meu corpo ou minha mão,

Mister Parkinson chama-me a atenção

E me ordena que pare de imitá-lo.

Bocagiana (para Adelto Gonçalves e Hugo Almeida)

Bocage dizem que tinha

uma face ruim

e outra boa

uma quase divina

e a outra muito à-toa

e tão pródiga era 

a boa e a que não era 

que para as duas manter

Bocage precisaria ser

mais que aqueles cem

que dizem ter sido Pessoa.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Título

No dia em que finalmente a Academia

lhe concedeu o Nobel, 

o velho escritor

reconciliou-se com Deus

e para celebrar o ato

pediu ao Senhor

que lhe desse

assim que pudesse

o bicampeonato.

Adesismo

 Quando o modernismo começou a abalar as estruturas poéticas, o velho parnasiano foi tentado a fazer uma autorrevisão, se não na parte formal, ao menos no conteúdo. Essa tentativa durou uma tarde e catorze versos: um soneto que exaltava o garbo com que um cisne flutuava não em um lago, mas numa piscina. A mulher do poeta, que, como sempre, foi a primeira leitora, nesse dia foi a única. Rasgando o soneto em quatro, ela disse: "É melhor parar por aqui, Cleonte. Desse jeito, no próximo você vai acabar inventando um cisne motorizado."

A pedra

No caminho onde havia pedras

só Drummond viu 

com suas retinas fatigadas

que no meio tinha uma

que os outros poetas todos

com suas retinas descansadas

não tinham conseguido ver.

domingo, 2 de outubro de 2022

Hoje na revista Rubem

 https://rubem.wordpress.com/2022/10/02/morte-na-primavera-raul-drewnick/

A pergunta

Alguém me diz se está morto

O pássaro cuja voz

Foi nosso encanto e conforto

Ou mortos estamos nós?

sábado, 1 de outubro de 2022

Felicidade

Não posso me lastimar,

Fui feliz enquanto pude.

Quem me dera hoje voltar 

Aos anos da juventude. 

Oraçãozinha

As tristezas que em boa hora

De minha casa bani,

Que morram todas lá fora

E não me voltem aqui.