quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Das flores

Chegou para ti o tempo das flores. Não precisarás nem colhê-las, nem poderias. Tuas mãos estão entrelaçadas para sempre. E não poderás também sentir-lhes a fragrância, com esse algodão nas narinas.

O que sabemos

Nascemos para nos comunicar. Aperfeiçoamos nosso vocabulário, enriquecemos nossas formas de expressão. Fazemos isso há milênios, e o que temos a transmitir, uns aos outros, essencialmente, é o que Sócrates já sabia: só sabemos que não sabemos nada.

Ambivalência

O livre-arbítrio não é essencial só para a vida. Ele também torna a morte uma questão de escolha.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Um soneto de Augusto dos Anjos

"APÓSTROFE À CARNE

Quando eu pego nas carnes do meu rosto,
Pressinto o fim da orgânica batalha:
Olhos que o húmus necrófago estraçalha,
Diafragmas, decompondo-se, ao sol-posto...

E o Homem - negro e heteróclito composto,
Onde a alva flama física trabalha,
Desagrega-se e deixa na mortalha
O tato, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!

Carne, feixe de mônadas bastardas,
Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,
A dardejar relampejantes brilhos,

Dói-me ver, muito embora a alma te acenda,
Em tua podridão a herança horrenda,
Que eu tenho de deixar para os meus filhos!"

(Do livro "Eu e outros poemas", publicado pela Bedeschi, Rio de Janeiro.)

Sentença

Amor, afável carrasco,
A pestilenta água e o pão
Que tu me dás na prisão
Eu bebo e como sem asco.

Paz

Onde nós logo estaremos
Vedada é toda impostura:
Não mais o amor fingiremos
Nem mais a literatura.

O tempo

Tudo tem seu tempo

A grama o seu
de crescer
a chuva o seu
de regar
o cordeiro o seu
de pascer
a faca o seu
de matar.

Amor e vida

O amor não é um episódio da vida. O amor é maior que a vida. A vida é um detalhe do amor e dele depende para ser boa, maravilhosa, má ou intolerável.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Nós somos

Somos escritores
poetas
contistas
romancistas
artistas de renome

De tanto poetar
de tanto contar
de tanto romancear
alguns leitores
até conhecem
o nosso nome

São poucos
é verdade
duzentos
trezentos
poucos demais
para os milhões
para os bilhões
que compõem a humanidade
mas todos são
leitores de qualidade

Somos escritores
fazemos o que fizeram
Shakespeare e Dante
e também como
Machado de Assis e Homero
buscamos a beleza
da natureza
e a natureza
da humanidade

Fazemos isso
que nascemos para fazer
por prazer
e sem vaidade
embora prometamos
não nos aborrecer
nem nos lastimar
se nosso ofício nos oferecer
a glória
e a imortalidade.

Científico

Em nosso tempo avançado,
Em nossa científica era,
Um fiasco bem planejado
É o mínimo que se espera.