domingo, 17 de novembro de 2013

A flor póstuma

Por uma astúcia de morto
levarei no paletó
a foto que me deste

Não sei quanto tempo levará
mas um ano depois talvez
se tu fores me ver
é bem possível que vejas
ali no meu último espaço
uma flor com o teu DNA
uma delicada flor que terá
a tua beleza e os teus traços.

Gilete (da série "Conselhos úteis")

Antes de rasgar o pulso, certificar-se de que o amor deixou nas veias ainda algum sangue.

Mensalão (escala: Roma)

Bem melhor do que quem pede
Se sai aquele que pode.
Um, esperto, se escafede,
O outro, tolo, se escafode.

"Após o vigésimo dia do nono mês", de Sei Shônagon

"Após o vigésimo dia do nono mês, quando peregrinamos para o Templo Hase, nós pernoitamos numa casa muito modesta, mas como estava muito cansada logo dormi profundamente.
   Às altas horas da noite, a luz do luar infiltrava-se pela janela e fazia cintilar as vestes que cobriam as pessoas adormecidas: era uma cena extremamente comovente. É em momentos como estes que as pessoas compõem poemas."

(De O livro do travesseiro, tradução de Geny Wakisaka, Junko Ota, Lica Hashimoto, Luiza Nana Yoshida e Madalena Hashimoto Cordaro, publicado pela Editora 34.)

ABL

O imortal ainda estrebucha
E os prováveis sucessores
Reclamam nos bastidores:
"Mas como demora, puxa!"

Mesmo assim

Se o amor se manifestasse apenas pelo sexo, seria pouco, mas já seria um bocado.

Kama Sutra - CDLX

Passa os dedos devagar pela glande, pelo prepúcio. Palavras feias, essas. Algum bruxo, por encomenda dos deuses, as criou para que os humanos se abstivessem de tocar as partes que elas designam. Os deuses eram useiros e vezeiros nessas práticas dedilhatórias e as preferiam aos intercursos com as deusas. Ele se lembra de ter lido isso, e sorriria zombeteiramente se a mão já não sentisse na palma a primeira gota do leite que é preciso ordenhar inteiro - o leite que provavelmente seja aquilo que nos livros tem o nome de ambrosia.

Kama Sutra - CDLIX

Que mamilos hão de lhe negar leite, se a língua o pedir com a precisão aflita de quem morre de sede de amor?

Kama Sutra - CDLVIII

Pensa que, se a tocasse mais no fundo e na umidade, talvez no escuro seus dedos brilhassem repentinamente, como uma evocação de trigo ou uma cintilação de ouro.

Num muro

O amor é uma praga que até regada com mijo se alastra.