domingo, 16 de março de 2014

Cotação do dia (12)

A lástima de não ter morrido ao ler pela primeira vez um poema de Casimiro de Abreu.

Cotação do dia (11)

Um pedaço de papel recolhido por um menino na enchente e que, por não ser a figurinha imaginada, é lançado de volta à correnteza. Parece um fato banal, mas atrasa em dez segundos o momento de ser engolido pelo córrego, um quarteirão abaixo.

Cotação do dia (10)

Se fosse um excremento de verdade, não apenas uma metáfora, talvez ao menos uma mosca se aproximasse dele e zumbisse aos seus ouvidos uma canção.

Cotação do dia (9)

Chega ao fim da vida com um só orgulho, exatamente aquele que o matará: sua doentia sensibilidade.

Cotação do dia (8)

Se acreditasse em utilitarismo, poderia ver em suas lamúrias o sentido de darem alegria aos seus inimigos. Mas que inimigos pode ter? Quem se importa com um cisco trazido pelo vento, sem força sequer para prender-se por um instante à gola de uma blusa ou à lapela de um paletó?

Cotação do dia (7)

Precisar suportar ainda, talvez dias, quem sabe meses, possivelmente anos, em nome de um estoicismo que ele sente não ter.

Cotação do dia (6)

A certeza de que o amor e o lirismo não passam de empulhações.

Cotação do dia (5)

Os rapazes que saíram da zona regaram-no inteiro. Na urina há um mormaço inquietante, um aroma salgado, uma acidez pecaminosa que mesmo um poste não pode se isentar de sentir.

Cotação do dia (4)

Quando pensa que gostaria de estar morto, sorri: "E por acaso não estou?"

Cotação do dia (3)

Enfim um contato humano: um menino pisou nos escorregadios excrementos de um vira-lata e ele, o poste mais próximo, teve a ventura e a honra de livrar o tênis da mácula.