quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

"A natureza do gótico", de Margaret Atwood

"Mostro-lhe uma garota correndo à noite
entre árvores que não a amam
e as sombras de muitos pais

sem caminhos, sem sequer
migalhas de pão ou pedras brancas
sob uma uma lua que nada lhe diz.
Isto é: Nada, lhe diz.

Há um homem por perto
que alega ser um amante
mas cheira a pilhagem.
Quantas vezes teremos que dizer a ela
que se mate antes de ceder?

Não adianta dizer
a essa garota: Você é bem cuidada.
Eis aqui um quarto seguro, eis
comida e tudo de que precisa.

Ela não consegue ver o que você vê.
As trevas correm em sua direção
como uma avalanche. Como cair.
Ela teria gostado de avançar para o seu interior
como se fosse não um espaço vazio
mas um destino,
retirando seu corpo e deixando-o
amarrotado atrás dela feito a manga de uma roupa.

Sou a velha
que sempre há em histórias como esta,
que diz, Volte, meu bem.

Volte para o porão
onde o pior está,
onde os outros estão,
onde você pode ver
como ficaria se estivesse morta.

Então estará livre
para escolher. Para seguir
seu caminho."

(Do livro A porta, tradução de Adriana Lisboa, Editora Rocco.)


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