quarta-feira, 4 de abril de 2018

Uma lembrança do Estadão

SÁBADO, 2 DE MARÇO DE 2013

No jornal (Major Quedinho) - 52 - A ironia

As reticências estão fora de moda. Usadas amplamente no romantismo, para indicar devaneio, meditação, abstração, sonho, divagação, foram, como as exclamações, saindo de cena. Hoje, elas servem quase só para pontuar o final de frases irônicas. Aqui, convém fazer uma reflexão. Tenho ouvido discussões sobre a possível utilidade - assim como no espanhol há interrogação não apenas no fim da frase, mas no inicio, como um aviso ao leitor - de se pôr no começo de frases irônicas um sinal qualquer. Isso seria sentenciar a ironia à morte. Equivaleria a revelar o desfecho de uma piada antes de começar a contá-la. Se bem que, há alguns anos, talvez eu aplaudisse a adoção desse absurdo. Na primeira crônica que escrevi para o Caderno2 do Estadão, em 1986, o texto dizia que as mulheres tinham sido mais felizes no tempo em que os homens as dominavam, não as deixavam falar, tratavam-nas como objetos e arrastavam-nas pelos cabelos para as cavernas. Citei na crônica a superioridade do homem até na gramática: se nove mulheres e um homem passam num concurso, deve-se dizer que eles foram aprovados. Tudo aquilo tinha tão evidentemente a intenção de ser irônico que fiquei espantado ao saber que uma leitora enviara à redação uma carta na qual me criticava por ser mais um porta-voz do machismo. O que aconteceu? Como mandava a praxe, pedi desculpas na seção de cartas. Se a leitora havia entendido pau onde eu pretendia que ela entendesse pedra, era inabilidade minha. Ou não?

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