Que belo dia. Veio o sol, e vem
Agora, dos jardins dos meus vizinhos,
A algazarra jovial dos passarinhos.
Que belo dia, sim, mas para quem?
Que belo dia. Veio o sol, e vem
Agora, dos jardins dos meus vizinhos,
A algazarra jovial dos passarinhos.
Que belo dia, sim, mas para quem?
Não pode haver no mundo alguém mais destro
Nas artes de imitar e de iludir.
Se finge ser boneco ou um maestro,
Mister Parkinson mata-me de rir.
Ao bonde que passava
em frenética velocidade
um latinista de ocasião
perguntou de supetão:
ei, quo vadis?
e um andrade
e outro andrade
e um terceiro andrade
responderam em uníssona trindade:
estamos indo fundar e modernidade.
Na cama o homem
de oitenta e tantos
e a mulher de setenta e quantos.
A morte não tem pressa,
deixa o tempo se espreguiçar.
Há quinze anos já
envelhecem na sala
o gato cego e o sofá.
Aos cinco ou seis anos, eu já me sabia triste. Chorar era uma espécie de tesouro que me fazia sentir-me melhor que os outros meninos e, sempre que em um deles eu via algo que pudesse representar algum tipo de superioridade, era com as lágrimas que eu me recompunha. Deixava que brotassem e corressem para os meus lábios agradecidos. Que êxtase me traziam elas, com seu gosto amargo. Quando, anos depois, começou a me encantar a poesia, eu senti imediatamente que se tratava de uma versão sofisticada da tristeza e a acolhi como todo homem deve acolher a voz que reconhece ser a voz de seu destino.
Rede social é o foro em que, se um se assume como filho da puta, dois mil novecentos e um o chamam de impostor.
Benefício da dúvida é aquela figura ético-jurídica pela qual se dá a qualquer cidadão chamado de filho da puta o direito de perguntar: quem, eu?
Que, seja em que tempo for,
Eu esteja preparado
Para curvar-me ao amor,
Ser por ele subjugado.
Que eu só veja algum valor
Ao que a ele for ligado
E que meu maior honor
Seja ser por ele amado.
Que, quando ele vier, se vier,
Baste apenas um instante
Para ele se convencer
De que, se assim lhe aprouver,
Estarei sob seu talante
Pelo tempo que eu viver.
https://rubem.wordpress.com/2022/06/12/um-tantinho-de-algumas-coisas-raul-drewnick/
Talvez seja branda a morte
E morrer seja tranquilo:
Com um pouquinho de sorte,
Só um bocejo e um cochilo.
Quando alguém vem perguntar
Como é que hoje me sinto eu,
Respondo, sem hesitar:
Pergunte a quem já morreu.
Consta que, numa sessão de leitura de sonetos de um notável parnasiano, um perdigoto lançado por ele no antepenúltimo verso de um deles flutuou na sala e se transformou sob aplausos numa graciosa borboleta no instante em que o poeta, ofegante, proferiu a chave de ouro.
E, se isso tudo em que você vem se empenhando desde a juventude não for literatura, que desculpas você dará, que justificativas você apresentará às suas tão malbaratadas esperanças?
Que, se chegar sua ocasião, ninguém duvide, quando você tiver dito seis ou sete palavras, que as demais serão também todas poesia.
O poema romântico adoece; o poema concreto empena. O poema romântico definha; o poema concreto racha. O poema concreto desmorona; o poema romântico morre.
Quando jovem, teve a pretensão de salvar tudo, até a poesia. Hoje sabe que nada, nem ela, o salvará.
Dedicar a vida toda à poesia era a mais simples das tarefas para os românticos. Eles morriam antes dos trinta anos.