sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Cotação do dia

Decepção. Outros que nem mereciam tanto já morreram.

Evas

Já tanto faz mãe ou filha.
Há muito tempo não come
E um pinto morto de fome
Palpita em sua braguilha.

Um poema de Lu Menezes


"CORPOS SIMULTÂNEOS DE CISNE

Branco ideal e branco real
o mesmo cisne no espaço
     de um saco de sal

               ocupam
               mas eis
           transmigrante

lei que em mantimentos transfez
               obsoleta
   ampulheta: um cisne de sal

          segue o curso
             do tempo

            minguando

              até ser
            somente

de plástico transparente."

(Da coletânea Esses poetas - Uma antologia dos anos 90, organizada por Heloisa Buarque de Hollanda, publicada pela Aeroplano.)

Reclamar

Reclamar de quê? Gostaríamos por acaso que nossa alma cantasse, requebrasse, dançasse encoxando outras almas? Que ela pusesse a mão nos peitos de outra alma ouvindo Roberto Carlos ou Julio Iglesias? Que ela enfiasse os dedos na braguilha de uma alma bem-dotada? Nossa alma tem exatamente aquilo de que precisa, e agradeçamos a quem nos deu privações e provações, a quem nos chamou para que ouvíssemos seus orgasmos enquanto procurávamos em vão uma rima para coração.

Dois tempos

Houve o tempo de cantar o amor, e nós o cantamos. Como todo amor que se mereça, ele se fez de rogado e a cada palavra, a cada chamado, a cada apelo, se afastava um pouco mais de nós. Nossa voz atravessou rios, montanhas, invadiu sem passaporte países e mais países. Ele se escondia sempre, e tão bem, que gastamos nossas últimas energias, nosso derradeiro sangue nas veias tentando trazê-lo para nós. O generoso tempo sempre traz uma solução santa: ou a sabedoria de calar ou um câncer de garganta.

Soneto de nós, mortos

Nós, mortos, que não vencemos
Batalhas dignas de glória
E de registro na história,
Repouso não merecemos.

Gritamos isso, porém
Estando aqui isolados
Ninguém ouve nossos brados,
Ninguém escutar-nos vem.

Queremos ter chances novas,
Novas lutas, novas provas,
Vencer, nosso nome honrar.

Ninguém ouve, e praguejamos,
E as pragas que nós rogamos
Poluem a terra e o ar.

Vezes dois

Ninguém entende mais nada

Tudo no mundo
anda doido
afoito

Às quatro
soam oito

É o sino maluco
dobrando as badaladas.

SP Fashion Week

Ah Gisele
suspira o redator
enquanto o revisor
pergunta se é
com dois ou se é
com um só "l".

Calma

Não se precipite
não diga jamais
que já sofreste muito
e não aguenta mais

Para amar
assim como para chorar
o céu é o limite.

Um poema de Moacir Amâncio

"ao tentar dizer
desdigo o não dito

na ausência de pernas
cavalgo

existo centauro
nem raro nem mito"

(Da coletânea Esses poetas - Uma antologia dos anos 90, organizada por Heloisa Buarque de Hollanda, publicada pela Aeroplano.)