segunda-feira, 13 de maio de 2019

Em cuja água

Furtar, de passagem, três ou quatro fios de ouro e afastar rapidamente o remorso. Não farão falta ao tufo que permanecerá como se inteiro, guardião zelando com imponente beleza a entrada da fonte  em cuja água parca e salgada tantos homens gostariam de se afogar.

Sentiu?

"Eu já estava vendo que ele não ia me beijar nunca. Ele me deixou na frente de casa, me agradeceu, disse que tinha sido uma noite maravilhosa, estendeu o braço e abriu a porta do carro. Aí me deu aquela coragem, você sabe como eu sou, e eu pensei: se ele não me beija, quem beija ele sou eu. E meti a boca na boca dele, com língua, dente e tudo. Ah, aquele bigodinho dele, meu bom Jesus de Pirapora. Desde o começo eu queria mais era fazer aquilo mesmo. Mas, se eu não ficasse esperta, sabe quando ele ia me beijar? Pois é. Ô homem esquisito. Todos parece que são assim hoje. Levam a mulher pro motel, fazem e acontecem com ela, abrem a gente no meio, e nem um beijo? Comigo não. Eu sou romântica. Só de falar de beijo, eu já estou toda molhadinha. Põe a mão aqui, menina. Põe pra ver. Ai, também assim não. Sentiu?"

Apetite

Coxas - todas apalpá-las.
Seios - todos mordiscá-los.
Mamilos - todos mamá-los.
Nádegas - todas gozá-las.

Deleites

Troca de mão. Agora não é mais a loira gorducha que se deita molhada sobre ele, mas uma morena franzina e tímida com a qual ele se dispõe a começar tudo, desde a conquista num ponto de ônibus. Mas a fogosidade da loira persiste nele e, antes que possa dedicar-se à morena, tudo termina em convulsões leitosas.

A arte de beijar

Ela disse que ia ensiná-lo a beijar. Três meses depois, ele perguntou se já sabia. Ela lhe respondeu que ele era muito impaciente e pouco aplicado. Ele contra-argumentou, achando ter evoluído bastante. Ela lhe disse que além de impaciente e pouco aplicado ele era presunçoso. A professora ali era ela, e ele devia comportar-se como aluno. E havia outro dado que ele precisava tomar como irrefutável sinal de que a razão estava com ela: ele tinha quinze anos; ela, trinta e sete.

Astúcia

Acariciar-lhe os cabelos e descobrir ali, escondido, um fio que o sol negou à manhã. Apanhá-lo com cuidado e, quando ela estiver distraída, beijá-lo e enfiá-lo no bolso, como um ladrão.

Busca

Convencê-la de que há uma felpa, um fio, um minúsculo inseto ou um pedacinho dele emaranhado no seu umbigo. Fingir procurá-lo com o dedo carinhoso e, de repente, sem aviso, como se fosse um instrumento melhor, engajar a língua na busca. E usá-la com tanta arte que, ao parar para readquirir o fôlego, a voz dela sussurre, conspiratória: "Já? Você procurou direito?"

Nem tanto

O quê? Se eu sou escritor?
Para dizer a verdade,
Já me custa, com esta idade,
Ser até mesmo um leitor.

Conjunto de provas

"Não precisa explicar, nós confiamos na sua palavra", disseram ao velho poeta quando ele, depois de proclamar que os melhores arco-íris foram os da década de 1960, já se dispunha pela décima vez a apresentar seus argumentos em favor da tese.

O velho poeta e suas fases

Quando as conversas do velho poeta com as flores do jardim passaram a ocupar oito e às vezes mais horas dos seus dias, a família não se mostrou surpresa. Devia ser só mais uma fase. Quando ele abruptamente parou de falar com elas, e já nem ia ao jardim para vê-las, os parentes também não se alvoroçaram. Fazia já alguns anos que ele não trocava uma palavra com nenhum deles.