sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Lírica (807) - Crença
Tu dizes que, quando me conheceste, eu não era tão triste. E eu te digo que, então, conheceste outro. Nunca fui triste por pose ou circunstância. A tristeza é a minha fé, a minha crença, a minha única convicção. A tristeza é a minha amarga e almejada superioridade. Não tenho desdém pelo riso. Desdém é pouco. Tenho escárnio, tenho ódio, tenho rancor. Uma gargalhada me convulsiona o estômago e me apunhala a alma. Se gostei de ti, não foi por alguma alegria que terei visto em teu rosto, mas por alguma tristeza profunda que adivinhei em algum gesto teu, ou palavra, e que, porque sempre quis te ver melhor do que pudesses ser, almejei que fosse uma tristeza maior e mais insuportável do que a minha. Jamais desejei dividir risos contigo, jamais colher flores, jamais compartilhar os infames passos de um bolero. Desde o início eu te quis triste, eu te quis desesperada, eu te quis discípula e sacerdotisa do único credo capaz de tirar de nosso rosto aquele sorriso estupidamente aberto que, em retratos de família, exibe a saudável mediocridade que nos disseram ser a marca de nosso destino. Penso que em todo sorriso se há de ver uma sombra, ainda que leve: a consciência que temos da morte. Não há como ignorá-la. Que ridículos são aqueles mortos que riem escancaradamente nas orelhas dos livros que escreveram. Por isso, por essas coisas todas, creio na tristeza, na loucura a que ela nos leva e na redenção que ela nos traz. Abomino o riso, a chacota, a piada e a ironia, e exalto o cilício, e o silêncio, e o martírio, e os tormentos da alma, amém.
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