domingo, 10 de agosto de 2014

"Amor à primeira vista", poema de Wislawa Szymborska (*)

"Os dois estão convencidos
de que foi um sentimento súbito que os juntou.
É bela uma certeza como essa,
mas é mais bela a incerteza.

Acham que por não se terem conhecido antes
nunca houve nada entre eles.
E o que diriam as ruas, escadas, corredores,
onde há muito podiam se cruzar?

Queria perguntar-lhes
se não lembram -
na porta giratória talvez
um dia cara a cara?
em meio à multidão um 'com licença'?
no telefone a voz 'engano'?
- mas conheço sua resposta.
Não, não se lembram.

Ficariam surpreendidos de saber
que já faz tempo
o acaso brincava com eles

Não preparado ainda
a transformar-se para eles num destino,
aproximava-os e os afastava, cortava-lhes o caminho
e, abafando a gargalhada,
saltava para o lado.

Houve sinais, signos,
só que ilegíveis.
Talvez três anos atrás
ou na terça-feira passada
certa folha voou
de um ombro para outro?

Houve algo perdido e recolhido
Quem sabe, uma bola
já no bosque da infância.

Houve maçanetas e campainhas,
em que antes já o toque se punha no toque.
As malas lado a lado no depósito de bagagem.
Talvez, numa certa noite, o mesmo sonho
apagado imediatamente depois de acordar.

Pois cada princípio
é apenas uma continuação,
e o livro de eventos
sempre aberto no meio."

(*) Esta pode ser a segunda, a terceira ou quarta vez que reproduzo este poema aqui. Entre os milhares de textos do blog, incluindo os de escritores de renome mundial, é provável que eu o escolhesse como o melhor de todos - e talvez conviesse aos leitores se ele fosse o único.

(Do livro Quatro poetas poloneses, tradução de Henryk Siewierski e José Santiago Naud, publicado pelo Governo do Paraná, com apoio do Consulado Geral da República da Polônia e do Ministério da Cultura da República da Polônia.)
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