"De uma carta sem data de meu avô
Sobre as ruínas de Puruchuco, no Peru
Esse pouco roubado de uma urna
É quanto basta - esse pouco
Depurado de tragédia,
Um restante de partes desencontradas
Que produzem a saudade
Feito um cacho de uvas negras -
Fragmentos revolvidos, misturados
Ao prazer de ver nascer uma verdade,
A verdade de uma carta
Que escamoteia um século
E fantasticamente fala do presente
Como numa profecia desvendada.
Fala a carta de uma viagem a Chankay,
De um todo de areia e céu e, ao longe, o mar,
Fala de uma travessia no deserto
E do vaso de um túmulo violado
Por cujas fendas o vento silva num lamento
E nesse lamento um encanto mais potente
Do que a mágoa.
Arrepanhamos esses cacos magníficos,
Sem mais semelhança com o que morre,
Arrepanhamos de galerias profundíssimas
Um tempo já sem tempo de vaidades
E o sabor de roubar essa relíquia -
A saudade feito um cacho de uvas negras -
Nos ensina a gostar da nossa história."
(De O amor e depois, edição da Iluminuras.)
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