Ora, façam-me o favor.
Se, para salvar a minha poesia,
Eu precisasse recorrer à autoajuda
E matar um leão por dia,
Não seria um poeta,
Seria um caçador..
Ora, façam-me o favor.
Se, para salvar a minha poesia,
Eu precisasse recorrer à autoajuda
E matar um leão por dia,
Não seria um poeta,
Seria um caçador..
Eu esperar grandes coisas da literatura não é um despropósito. Estranho seria ela esperar alguma coisa de mim.
Se Deus houvesse criado também o futebol, eu censuraria o excesso de verde que pôs em toda parte.
Preocupado em desvincular-se do seu vergonhoso passado lírico, o poeta social depara-se com um problema de ordem linguística. Não lhe está parecendo satisfatório substituir rouxinol e cotovia por pardal ou andorinha .
Desde que se tornou um poeta social, é sempre com uma espécie de entusiasmo cívico que toma um ônibus ou entra num elevador.
Por pior que seja o que tens a dizer,
Podes falar, que eu te escuto.
Nihil himanum alienum mihi puto.
Exemplo de coerência estética:
na casa do poeta concreto,
um jardim de grama sintética.
O poeta concreto, com o buril na mão,
encara tristemente o bloco de pedra:
falta de inspiração..
Saudade das rimas. Tão agradável era lidar com elas que às vezes chegávamos ao fim do poema sem perceber como e sem lembrar o que tínhamos querido dizer no início dele.
A poesia já se anima a espreitar pela janela. Tem admirado a coragem dos passarinhos, que voam como sempre e saltitam nas calçadas, e imagina que logo ousará também sair, embora ainda não esteja convencida de poder confiar novamente no sol.
Entre nós meninos fez sucesso
Uma pequena e anônima ode:
Tua tia é rica porque p(f)ode!
Desde março são números desiguais.
Num dia morremos um pouco menos,
No outro dia morremos um pouco mais.
Os sonetos foram o cartão de visita dos poetas. Um era conhecido como "aquele dos cisnes", outro como "o das pombas", um terceiro como "o tal das estrelas". Isso antes de de se descobrir que os sonetos não eram propriamente poesia.
Depois dos oitenta anos, a prática da literatura pode se transformar num hábito tão inócuo quanto os remédios da manhã, o cochilo da tarde e o chazinho da noite.
Tenho com a poesia uma dívida antiga que, para felicidade dos leitores, ela não parece interessada em cobrar.
Desde que nos aflige a pandemia,
Mudou nosso conceito de viver
E morrer nos parece agora ser
Nosso único dever e serventia.
Estamos, seja noite, seja dia,
Resignados a ouvir e obedecer
Ao papel que nos deram e morrer
Sem contestação e sem rebeldia.
Num tempo em que se zomba da verdade
E a quantidade vence a qualidade
E vale o que não tem valor nenhum,
Resistamos enquanto respirarmos
Antes de pelos dados nos tornarmos
Mil e tantos mais tantos e mais um.
Nos desvarios em que me meto
Sou governado por um triunvirato:
Eu, eu mesmo e eu de fato.
Alguns defuntos têm uma aparência tão amistosa que, quando o velório chega ao inevitável momento das piadas, aqueles que as vão contando não se preocupam em baixar a voz e até sorriem para eles, como se ainda pudessem ser incluídos entre os ouvintes.
Aos 21 anos, tentava morrer de amor. Aos 81, já aceitava soluções mais prosaicas.
Tenho vergonha de mim
já com esta cara de quem
morre no terceiro ato
dois atos antes do fim.
O haicai é um acontecimento tão discreto em sua excepcionalidade que pode passar como se fosse apenas mais uma expressão do belo e não a presença da própria beleza, como ela era no início, sem os falsos brilhos com que os homens ousaram enfeitá-la.
Que falta fazem aqueles poetas apaixonadamente românticos que não receavam declarar amor a uma mulher, a duas, a mil, a todas, sem nenhuma preocupação com o que alguém pudesse vir a pensar deles - ou delas.
Um poeta, se não puder ser tímido, há de ser discreto. Mas, quando disser palavras como rosa ou mulher, deverá parecer a todos que ninguém poderia dizê-las melhor.
Havia na família um contrabandista e um fazedor de versos, ambos não muito importantes em seu ramo de atividade.
Nas fases, cada vez mais comuns, em que receia nunca mais conseguir escrever algo decente, pensa em esquecer todas as promessas e em resvalar de novo para a sombria e pecaminosa região na qual os sonetos esperam ainda atrair alguém com seus ardis de velha marafona.
Sim, estamos vivos, dizemos,
Mas baixinho, só para nós.
Temos medo de ser desmentidos.
Loira longilínea é hoje para ele muito menos uma personagem dos seus sonhos eróticos do que uma agradável aliteração.
É o fantasma de um líder sindical. Por qualquer coisa se abespinha e fica meses sem aparecer.
O dia já não nos vê
E o sol nos esquece.
Estamos tão mortos
Como se estivéssemos.
Sou um velho diletante.
Dei-me sempre todo à literatura,
Porém nunca o bastante.
O cansaço pode ser um bom conselheiro dos escritores. Enquanto os jovens sangram em verborragias, que os mais experientes se acomodem na poltrona e cochilem, porque às vezes o silêncio é a melhor literatura.
Não relê o que escreve. Não por se presumir perfeito, mas pelo receio ver abalada sua confiança de escritor.
Quando tudo isto terminar
Respiraremos aliviados
Se conseguirmos respirar.
Não servi à beleza.
Como poderia? Sou um poetastro
De nenhuma grandeza.
E se o rapaz resolver atacá-la?
https://rubem.wordpress.com/2020/08/09/no-escuro-com-medo-e-esperanca-raul-drewnick/
Há de merecer perdão quem escreveu insanamente por sessenta anos, se alegar só ter tido isso ou não ter tido nada mais para fazer.
Os seios da condessa eram pequenos mas atrevidos. Fosse qual fosse a blusa que os cobrisse, espetavam nela os bicos promissores.
Na primeira vez em que viu uma mulher nua, era um menino xucro de curso primário e, não conseguindo definir o que era aquilo, riu. Na segunda, e em todas as vezes seguintes, tinha já a consciência de que se tratava de epifanias.
O escritor Fulano de Tal
veio ao mundo
a tantos de tanto
de tantos e tantos
em sua cidade natal
e escreveu bem
e viveu mal
até deixar o mundo
em tantos de tanto
de tantos e tantos
em sua cidade mortal.
Sou só quem eu sou.
Se pela rua vou,
O sol não muda de lugar
Para estar na calçada onde estou.
Todo escritor minimamente honesto deve perguntar-se todo o tempo por que escreve e por que não para de escrever.
Talvez seja só mais uma forma de me apresentar melhor, à medida que meu retrato se torna mais completo, mas venho achando que certas deformidades de caráter e periclitações de consciência são, no final das contas, o que tive de mais autêntico e humano.
Cada vez que me reanaliso, encontro uma pessoa pior. E entendo, com maior nitidez, que meus esforços literários foram uma tentativa de, advogando em causa própria, absolver-me sob a alegação de ter buscado sempre a beleza.
O normal é isto aqui se tornar cada vez mais um diário, com uma nova tendência: não mais a de compartilhar aspirações e sonhos, mas a de falar sobre a crescente impossibilidade de mantê-los.:
Querer ainda ser artista, assim como outros quereres, não é uma coisa que eu possa dizer hoje como dizia ontem ou anteontem.
Pode ser só impressão minha, mas sempre julguei, em termos gerais, a poesia muito mais nobre do que a prosa. Se as duas fossem passageiras de um navio naufragado, seria aceitável que a prosa se salvasse a bordo de um escaler. Já à poesia só se permitiria que atingisse terra firme nadando, num mar de ondas colossais e famintos tubarões.
Os textos que tenho escrito ultimamente são tão desprovidos de brilho que seria presunção demais querer que haja leitores para eles. Bastam duas ou três testemunhas, ainda que sejam de acusação.
A morte do leiteiro de Drummond foi uma vitória do modernismo na poesia. Antes, ninguém se atrevia a abrir espaço, num poema, a um personagem tão prosaico.