quinta-feira, 3 de setembro de 2020

O milagre

Uma tarde, na praça da Sé, o poeta surpreendeu um brilho diferente no sol e pareceu-lhe que era um sinal: deveria, como certos poetas antigos, aventurar-se na esfera do prodigioso e até do sobrenatural. Levado por uma intuição, puxou o lenço, desenrolou-o lentamente, soprou-o e ordenou: vai, voa. Deu dez segundos e, pressentindo que o milagre goraria, dobrou-o e, constrangido, recolocou-o no bolso. Lastimando não ter à disposição um veículo alado, pegou um ônibus lotadíssimo. Transpirando como uma panela de pressão, teria enxugado o rosto com o lenço, se o encontrasse no lugar. Quando já estava pensando na hipótese de o milagre haver se realizado sem que ele se desse conta, notou que também o dinheiro tinha desaparecido.

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