Madame Bovary é tão naturalmente viva, para mim, quanto Anna Kariênina. E as duas são mais vivas e presentes -- tão veraz pode ser a criação literária -- do que muitas mulheres, do que muitas pessoas a quem vejo e cumprimento diariamente. Tão vivas, e não só para mim, que talvez sejam mais conhecidas -- elas, que oficialmente são personagens de ficção -- do que os homens de carne, osso e gênio que as criaram, Flaubert e Tolstói. Elizabeth Costello, criatura ficcional de J.M. Coetzee, parece fadada ao mesmo glorioso e intenso destino. Ela tem uma força que o tempo não se atreverá a atenuar. Defensora de um tratamento digno aos animais, ela (alter ego de Coetzee) é mais incisiva e convincente, nessa defesa, do que talvez possa vir a ser qualquer defensor "real". Naquilo que considera ser a tarefa de sua vida, ela utiliza não só razões de coração, mas a razão tomada em sentido amplo, e cita argumentos de uma consistência e um impacto dificilmente refutáveis, como este, de Plutarco, que se encontra na página 95 do livro (Elizabeth Costello, de J.M. Coetzee, traduzido por José Rubens Siqueira e publicado pela Companhia das Letras):
"Você me pergunta por que eu me recuso a comer carne. Eu, de minha parte, fico assombrada de você ser capaz de colocar na boca o corpo de um animal morto, assombrada de você não achar horrendo mascar a carne mutilada e engolir os sucos de feridas mortas."
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