sexta-feira, 31 de agosto de 2018
Não mais
Quando eu confiar mais em você, pode ser que lhe mostre minha tristeza. Um dia exibi meu amor e foi como se um palhaço caísse de ponta-cabeça no picadeiro.
Ressalva
Despedir-se da vida é fácil. Difícil é dizer adeus àquele sol que a Paulista exibe em manhãs nas quais quer se dizer mais majestosa do que é.
Hoje no portal do Estadão
Frases curtas - e talvez não muito ruins.
https://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/amor-etc/
https://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/amor-etc/
quinta-feira, 30 de agosto de 2018
Um poema de Roberto Piva
"vou moer teu cérebro
vou retalhar tuas
coxas imberbes &
brancas.
vou dilapidar a riqueza
de tua
adolescência. vou
queimar teus
olhos com ferro em
brasa.
vou incinerar teu
coração de carne &
de tuas cinzas vou
fabricar a
substância das
cartas de amor."
vou retalhar tuas
coxas imberbes &
brancas.
vou dilapidar a riqueza
de tua
adolescência. vou
queimar teus
olhos com ferro em
brasa.
vou incinerar teu
coração de carne &
de tuas cinzas vou
fabricar a
substância das
cartas de amor."
Marcadores:
Literatura
Dados
Quanto ao amor, convém admitir que ele é a fonte de nossas mais ingênuas e mais ignóbeis mentiras.
Marcadores:
Literatura
Porcentagem (para Ana Farrah Baunilha)
O amor, se levado a sério, tem mais contra que indicações.
Marcadores:
Literatura
Preferência (para Priscylla)
Gosto daquele amor que é bem mais fusco do que lusco.
Marcadores:
Literatura
Até nós
Até entre os corintianos você encontra chatos. Por exemplo, aqueles mil duzentos e quarenta e nove e meio que não só sabem como fazem questão de lembrar a todo instante que o nome do Doutor era Sócrates Brasileiro Sampaio de Sousa Vieira de Oliveira.
Marcadores:
Literatura
Sugestão
Mesmo que você não seja apaixonada por palavras, dê uma chance a quem as diz, se as diz com amor.
Marcadores:
Literatura
Só por dizer
A condessa censurava minhas mãos, acusando-as de incompetência. Mas mordia as duas, uma por uma, quando eu tentava ensinar-lhes alguma ousadia.
Marcadores:
Literatura
Excelência
O cão parnasiano não late au au -
emite com sua garganta
sílabas de genuíno cristal.
emite com sua garganta
sílabas de genuíno cristal.
Marcadores:
Literatura
Remorso
O poeta velho hoje
tem pena de sua poesia -
tantos anos em tão má companhia.
tem pena de sua poesia -
tantos anos em tão má companhia.
Marcadores:
Literatura
A pergunta
Você me pergunta como eu estou. É a mesma pergunta que você me fez há cinco anos ou seis. Lembra-se do que eu respondi então? Pois eu lhe digo agora: estou muito pior.
Marcadores:
Literatura
Meus tempos de objeto
Tenho consciência: fui usado pela condessa. Pena que não mais vezes, pena que não como um objeto um pouco mais precioso.
Marcadores:
Literatura
quarta-feira, 29 de agosto de 2018
Um poema de Régis Bonvicino
"O suicida
vê na morte
um direito civil
mata
o que acha
imbecil
por uma utopia
causa
ou fantasia
o ato de sentir-se
sutil
ou inconsútil
o caso
pouco divulgado
daquele homem
que bater pregos
no próprio cérebro
preferiu
o suicida
é o que não se repetiu."
(De Más companhias, Olavobrás.)
vê na morte
um direito civil
mata
o que acha
imbecil
por uma utopia
causa
ou fantasia
o ato de sentir-se
sutil
ou inconsútil
o caso
pouco divulgado
daquele homem
que bater pregos
no próprio cérebro
preferiu
o suicida
é o que não se repetiu."
(De Más companhias, Olavobrás.)
Marcadores:
Literatura
Um poema de Edgar Braga
"na minha luva de ouro na minha luva de prata
escondi raças e povos escondi minha vergonha
na minha luva de ferro
escondi o meu silêncio
cavaleiro cavaleiro cavaleiro cavaleiro
joga tua luva ao vento joga tua luva ao vento
cavaleiro cavaleiro
joga tua luva ao vento
cavaleiro cavaleiro
guarda tua luva
e
vento."
(De Desbragada, Max Limonad, organização de Régis Bonvicino.)
escondi raças e povos escondi minha vergonha
na minha luva de ferro
escondi o meu silêncio
cavaleiro cavaleiro cavaleiro cavaleiro
joga tua luva ao vento joga tua luva ao vento
cavaleiro cavaleiro
joga tua luva ao vento
cavaleiro cavaleiro
guarda tua luva
e
vento."
(De Desbragada, Max Limonad, organização de Régis Bonvicino.)
Marcadores:
Literatura
Le mot juste
Um dos dois mais notáveis dons de Flaubert era o de se obstinar noites e noites em procurar as palavras certas. O outro era o de sempre encontrá-las.
Marcadores:
Literatura
Tocaia
Os advérbios são uma raça traiçoeira. Ficam ocultos, e silenciosos acompanham as frases. Se um verbo descuidado ou um adjetivo retardatário se desgarram um pouco das demais palavras, eles saltam sobre a vítima e a dominam. Se estão ariscos os verbos e adjetivos, eles se lançam sobre outro advérbio, como se fosse outra sua categoria gramatical.
Marcadores:
Literatura
Nem pensar
Nenhum concretista pensariam em empilhar seus poemas e, subindo até o mais alto, apanhar uma estrela para a bem-amada. Seria coisa para um parnasiano ou um romântico.
Marcadores:
Literatura
terça-feira, 28 de agosto de 2018
segunda-feira, 27 de agosto de 2018
Um poema de Dante Alighieri
"Vê-se dentro do céu prodigamente
quem minha amada entre outras damas veja.
E toda aquela que a seu lado esteja
rende graças a Deus por ser clemente.
Toda virtude tem sua beleza
que inveja acaso às outras não consente,
por isso as tem vestido simplesmente
de confiança, de amor, de gentileza.
Tudo se faz humilde em torno dela;
por ser sua visão assim tão bela
às que a cercam também chega o louvor.
Pela atitude mostra-se tão mansa
que ninguém pode tê-la na lembrança
que não suspire, no íntimo, de amor."
(Tradução de Henriqueta Lisboa.)
quem minha amada entre outras damas veja.
E toda aquela que a seu lado esteja
rende graças a Deus por ser clemente.
Toda virtude tem sua beleza
que inveja acaso às outras não consente,
por isso as tem vestido simplesmente
de confiança, de amor, de gentileza.
Tudo se faz humilde em torno dela;
por ser sua visão assim tão bela
às que a cercam também chega o louvor.
Pela atitude mostra-se tão mansa
que ninguém pode tê-la na lembrança
que não suspire, no íntimo, de amor."
(Tradução de Henriqueta Lisboa.)
Marcadores:
Literatura
domingo, 26 de agosto de 2018
Dependência
Depois de três dias seguidos, hoje é meia-noite e não repetiram o trote dizendo que é uma ligação de Estocolmo. Ele já começa a sentir falta.
Hipóteses
Se você estiver triste, talvez seja o caso de recrutar meia dúzia de suas melhores palavras. Se alegre, não incomode nada nem ninguém. Ria, sorria, alegrias não necessitam de explicações
Um haicai de Guilherme de Almeida
E cruzam-se as linhas
no fino tear do destino.
Tuas mãos nas minhas.
no fino tear do destino.
Tuas mãos nas minhas.
Hoje na revista Rubem
Uma oferta quem sabe tentadora.
https://rubem.wordpress.com/2018/08/26/frases-com-desconto-raul-drewnick/
https://rubem.wordpress.com/2018/08/26/frases-com-desconto-raul-drewnick/
sábado, 25 de agosto de 2018
Em proveito próprio
Até o leitor mais desatento percebeu
que se algum prazer procuro escrevendo
é sempre menos o dele que o meu.
que se algum prazer procuro escrevendo
é sempre menos o dele que o meu.
Astúcia
Uma das desculpas mais frequentes dos que insistem em continuar produzindo sonetos é a de que estão cumprindo uma missão.
Assim não
Talvez a poesia pudesse te redimir. Mas, pelo amor de Deus, não com esses sonetos acabrunhantes.
Falha de origem
Um dia você faz a besteira de se declarar poeta. Aí passa a vida inteira tentando provar.
Prerrogativa
Uma das vantagens da velhice é ninguém nos pedir a carteirinha de poeta em lugar nenhum. Todos já sabem que não somos.
Legado
Escrevi algumas frases graciosas.
No mais, meia dúzia de versinhos
e uma dúzia e meia de prosas.
No mais, meia dúzia de versinhos
e uma dúzia e meia de prosas.
Melhor nem tanto
De hobby distração passatempo
melhor seria assim
tua literatura chamar
que de sonho ou ideal.
Seria melhor para ti
quando o dia chegar
de não te sentires mais digno dela
ou de ela te abandonar.
melhor seria assim
tua literatura chamar
que de sonho ou ideal.
Seria melhor para ti
quando o dia chegar
de não te sentires mais digno dela
ou de ela te abandonar.
sexta-feira, 24 de agosto de 2018
Guia literário
Não, aqui quem mora sou só eu.
Se um escritor viveu nesta casa
Faz muito tempo que morreu.
Se um escritor viveu nesta casa
Faz muito tempo que morreu.
Hoje no portal do Estadão
Falo de Sartre e de Simone de Beauvoir
https://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/falar-de-sartre/
https://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/falar-de-sartre/
quinta-feira, 23 de agosto de 2018
Nada menos que 100%
Se é para plagiar,
que seja uma grande cartada:
ou Shakespeare ou nada.
que seja uma grande cartada:
ou Shakespeare ou nada.
Marcadores:
Literatura
quarta-feira, 22 de agosto de 2018
Poema de Joseph Brodsky
"Tudo tem limite, inclusive a mágoa.
O olhar esbarra na vidraça como a folha na grade.
Podes engolir em seco. Agitar tuas chaves.
A solidão é o homem ao quadrado.
O dromedário franze o cenho ao farejar os trilhos.
O vazio se estende como uma perspectiva infinita
E afinal o que é o espaço, senão
a ausência de um corpo a cada ponto dado?
Por isso é que Urânia é mais velha que Clio.
De dia, ou à luz de sebosos candeeiros,
veja: ela nada oculta
e, se olhares fixo para o globo, é a sua nuca que verás.
Ei-los, os bosques carregados de mirtilos,
os rios, onde se pode pescar esturjões com a mão,
e as cidades cujos catálogos telefônicos
já não te incluem. Mais para o sul,
melhor dizendo, para sudeste, erguem-se as escuras montanhas,
éguas selvagens correm entre as bétulas
e os rostos amarelecem. Mais adiante, singram os cruzadores
e a amplidão fica azul clarinho como roupa de baixo rendada."
(Tradução de Lauro Machado Coelho, do livro Poesia soviética, Algol Editora.)
O olhar esbarra na vidraça como a folha na grade.
Podes engolir em seco. Agitar tuas chaves.
A solidão é o homem ao quadrado.
O dromedário franze o cenho ao farejar os trilhos.
O vazio se estende como uma perspectiva infinita
E afinal o que é o espaço, senão
a ausência de um corpo a cada ponto dado?
Por isso é que Urânia é mais velha que Clio.
De dia, ou à luz de sebosos candeeiros,
veja: ela nada oculta
e, se olhares fixo para o globo, é a sua nuca que verás.
Ei-los, os bosques carregados de mirtilos,
os rios, onde se pode pescar esturjões com a mão,
e as cidades cujos catálogos telefônicos
já não te incluem. Mais para o sul,
melhor dizendo, para sudeste, erguem-se as escuras montanhas,
éguas selvagens correm entre as bétulas
e os rostos amarelecem. Mais adiante, singram os cruzadores
e a amplidão fica azul clarinho como roupa de baixo rendada."
(Tradução de Lauro Machado Coelho, do livro Poesia soviética, Algol Editora.)
Marcadores:
Literatura
Soneto do cantor sem mérito
Na hora de as contas fechar,
Deus, francamente, não sei
Se Tu me vieste a falhar
Ou se eu Te desapontei.
Para Te louvar roguei
Que me fizesses cantar
Como deve para um rei
Alguém saber e mostrar.
Tão alto te elevei, tanto,
Porém jamais o meu canto
Te causou algum agrado.
Se eu tivesse sido aceito,
Tu terias de mim feito
Este homem triste e aviltado?
Deus, francamente, não sei
Se Tu me vieste a falhar
Ou se eu Te desapontei.
Para Te louvar roguei
Que me fizesses cantar
Como deve para um rei
Alguém saber e mostrar.
Tão alto te elevei, tanto,
Porém jamais o meu canto
Te causou algum agrado.
Se eu tivesse sido aceito,
Tu terias de mim feito
Este homem triste e aviltado?
Marcadores:
Literatura
Instantes finais
A natureza nas últimas
a humanidade nos estertores:
deus plantou no mundo
uma raça de predadores.
a humanidade nos estertores:
deus plantou no mundo
uma raça de predadores.
Marcadores:
Literatura
Hem?
Mas se morreres, me diz,
Quem aos meus textos profanos
E aos meus poéticos enganos
Há de torcer o nariz?
Quem aos meus textos profanos
E aos meus poéticos enganos
Há de torcer o nariz?
Marcadores:
Literatura
Cenários (para Silvana Guimarães)
Poetas de academia
cantarolam para o povo
e gorjeiam para a confraria.
cantarolam para o povo
e gorjeiam para a confraria.
Marcadores:
Literatura
Nova tabela
Para não nos sentirmos lesados
recalculamos o valor até
dos nossos mais antigos pecados.
recalculamos o valor até
dos nossos mais antigos pecados.
Marcadores:
Literatura
terça-feira, 21 de agosto de 2018
Um poema de Antonio Carlos Secchin
"Há um mar no mar que não me nada
e não se entorna em ser espuma ou coisa fria.
Me sinto cheio de palavra e de formato,
murado em mim sob a ciência desse dia.
Na sonância do que vive,
minha fala é resistência,
e dizer é correr o que se esquiva,
reter na terra a cicatriz do som vazio.
Sou apenas quinze avos de loucura,
a dar um nome à ironia do que dura."
e não se entorna em ser espuma ou coisa fria.
Me sinto cheio de palavra e de formato,
murado em mim sob a ciência desse dia.
Na sonância do que vive,
minha fala é resistência,
e dizer é correr o que se esquiva,
reter na terra a cicatriz do som vazio.
Sou apenas quinze avos de loucura,
a dar um nome à ironia do que dura."
Negócio de ocasião
Um poeta de mudança para o Estige
vende sua engenhoca de rimar
a maquininha de contar as sílabas
e uma musa mais bela do que virgem.
vende sua engenhoca de rimar
a maquininha de contar as sílabas
e uma musa mais bela do que virgem.
Cantiga do bom morredor (para Silvana Guimarães)
Morremos já um bocado,
Mas ainda não o bastante.
Morramos o estipulado,
Eia, arriba, sus, avante.
Mas ainda não o bastante.
Morramos o estipulado,
Eia, arriba, sus, avante.
segunda-feira, 20 de agosto de 2018
Atribuições de um gato
A um gato compete
descansar quando quiser
miar sempre que lhe aprouver
ser como lhe agradar ser
e se precisar morrer
morrer tão longe e ignorado
que ninguém que o amou
chegue nunca a saber.
descansar quando quiser
miar sempre que lhe aprouver
ser como lhe agradar ser
e se precisar morrer
morrer tão longe e ignorado
que ninguém que o amou
chegue nunca a saber.
Marcadores:
Literatura
Isenção
Bem-aventurado aquele cuja idade o exime de se penitenciar dos pecados porque a memória não os registra mais.
Marcadores:
Literatura
Ontem, agora
O tempo foi cruel com ele. Alguns poucos anos atrás, palavras como luxúria, mesmo que usadas no mais frio dos contextos, em três segundos o alvoroçavam e em mais três o deixavam em estado de ebulição. Hoje, ele pode ler luxúria uma, duas, cem vezes, e até pronunciá-la com a mais pecaminosa das intenções. É como se o mais santo dos homens estivesse dizendo as primeiras palavras do mais sagrado dos cânticos.
Marcadores:
Literatura
domingo, 19 de agosto de 2018
Orgulho
Quando me perguntam se a condessa é produto de minha imaginação, sinto-me quase como se fosse um poeta.
Perversidade
Nas ocasiões em que mais lastimável era meu desempenho amoroso, a condessa não me perdoava. Olhava-me com toda a censura que conseguisse reunir em seus olhos e escarnecia: parabéns.
Êxtase
Quando, por alguma negligência minha, a condessa me fustigava com o que de pior havia no seu vocabulário, eu me sentia o mais feliz dos filhos da puta do mundo.
Nova era
É preciso ir preparando a nova geração de leitores para a literatura que os robôs já começaram a produzir. Talvez ainda haja tempo. Ou continuaremos condenados a ter Shakespeare como símbolo de excelência.
Nada além
Se os teóricos tivessem poder de síntese, diriam que literatura não é senão o ato de escrever.
Mesmo que
Morrer pela arte me agradaria -
mesmo que de fome
se ela fosse ganha-pão
mesmo que de desonra
se ela fosse honraria.
mesmo que de fome
se ela fosse ganha-pão
mesmo que de desonra
se ela fosse honraria.
sábado, 18 de agosto de 2018
Um poema de Antonio Carlos Secchin
"Não, não era ainda a era da passagem
do nada ao nada, e do nada ao seu restante.
Viver era tanger o instante, era linguagem
de se inventar o visível, e era bastante.
Falar é tatear o nome do que se afasta..
Além da terra, há só o sonho de perdê-la.
Além do céu, o mesmo céu, que se alastra
num arquipélago de escuro e de estrela."
do nada ao nada, e do nada ao seu restante.
Viver era tanger o instante, era linguagem
de se inventar o visível, e era bastante.
Falar é tatear o nome do que se afasta..
Além da terra, há só o sonho de perdê-la.
Além do céu, o mesmo céu, que se alastra
num arquipélago de escuro e de estrela."
Velinhas
Os tolos que se regeram a vida inteira pelo amor têm sempre algum aniversário a comemorar: um primeiro beijo na orelha ou uma esfregadinha consentida de nariz.
sexta-feira, 17 de agosto de 2018
Do sonho de um bibliófilo
Folhear só te folhear
página por página
página ímpar
página par
molhando o dedo
devagar.
página por página
página ímpar
página par
molhando o dedo
devagar.
Trajetória (para Alfredo Aquino, Gabriel Perissé e Jiro Takahashi)
Aonde podem levar projetos sérios:
obras-primas ao sebo,
gênios aos cemitérios.
obras-primas ao sebo,
gênios aos cemitérios.
quinta-feira, 16 de agosto de 2018
Linhagem
Tudo é só para quem pode,
Segundo a categoria.
O rude coça o bigode,
O fino o alisa e cofia.
Segundo a categoria.
O rude coça o bigode,
O fino o alisa e cofia.
Marcadores:
Literatura
Teste
É fácil identificar um poeta romântico: é aquele que sabe trinta sinônimos para a palavra ai.
Marcadores:
Literatura
História
Acreditava-se no século XIX que os poetas tivessem alguma ligação ou com Deus ou com o Diabo. Não há nenhum estudo sério a respeito.
Marcadores:
Literatura
Experiência
O homem de terno preto conversou com os parentes do morto, fez críticas ao caixão, às flores, ao cafezinho de garrafa térmica, e deixou um cartão: para o próximo defunto.
Marcadores:
Literatura
Detalhe
O crítico de moda, primo do defunto, deu sua opinião: ele ficaria muito melhor de chapéu.
Marcadores:
Literatura
Réu
Tinha cinco ou. seis sonetos no prontuário, mas nenhum muito sério. Só pecadilhos da juventude.
Marcadores:
Literatura
Marketing
Eu, se fosse fazer uma campanha de reabilitação dos aforismos, começaria mudando seu nome.
Marcadores:
Literatura
Pompa
Olavo Brás Martins
Já não estava bom demais?
Precisava dos Guimarães Bilac?
Já não estava bom demais?
Precisava dos Guimarães Bilac?
Marcadores:
Literatura
quarta-feira, 15 de agosto de 2018
De olho
Parecia um defunto da espécie dos rancorosos, aqueles que marcam bem o rosto dos visitantes.
Marcadores:
Literatura
Estilo
O morto parecia ter sido importado de Londres. Só ele, no velório, vestido como um lorde.
Marcadores:
Literatura
Parágrafo primeiro
Escrever é um direito que, francamente, não deveria valer para os beletristas.
Marcadores:
Literatura
O tipo
Ele é daquela espécie de hipócritas que bebem água mineral e eructam Coca-Cola.
Marcadores:
Literatura
Um poema de Antonio Carlos Secchin
"Em certo lugar do país
se reúne a Academia do Poeta Infeliz.
Severos juízes da lira alheia
sabem falar vazio de boca cheia.
Este não serve. A obra não fica.
Faz soneto, e metrifica.
E esse aqui, o que pretende?
Faz poesia, e o leitor entende!
Aquele jamais atingirá o paraíso.
Seu verso contém a blasfêmia e o riso.
Mais de três linhas é grave heresia,
pois há de ser breve a tal poesia.
E o poema, vasto e complexo,
não deve exibir cenas de nexo.
Em coro a turma toda rosna
contra a mistura de poesia e prosa.
Cachaça e chalaça, onde se viu?
Poesia é matéria de fino esmeril.
Poesia é coisa pura.
Com prosa ela emperra e não dura.
É como pimenta em doce de castanha.
Agride a vista e queima a entranha.
E em meio a gritos de gênio e de bis
cai no sono e do trono o Poeta Infeliz."
se reúne a Academia do Poeta Infeliz.
Severos juízes da lira alheia
sabem falar vazio de boca cheia.
Este não serve. A obra não fica.
Faz soneto, e metrifica.
E esse aqui, o que pretende?
Faz poesia, e o leitor entende!
Aquele jamais atingirá o paraíso.
Seu verso contém a blasfêmia e o riso.
Mais de três linhas é grave heresia,
pois há de ser breve a tal poesia.
E o poema, vasto e complexo,
não deve exibir cenas de nexo.
Em coro a turma toda rosna
contra a mistura de poesia e prosa.
Cachaça e chalaça, onde se viu?
Poesia é matéria de fino esmeril.
Poesia é coisa pura.
Com prosa ela emperra e não dura.
É como pimenta em doce de castanha.
Agride a vista e queima a entranha.
E em meio a gritos de gênio e de bis
cai no sono e do trono o Poeta Infeliz."
Marcadores:
Literatura
PM
Para os frasistas que vieram depois de Millôr restou pouco mais que o descaramento do plágio.
Marcadores:
Literatura
Pose
Que enjoados são
aqueles que só não acham tudo ruim
quando decidem abrir uma exceção.
aqueles que só não acham tudo ruim
quando decidem abrir uma exceção.
Marcadores:
Literatura
Ontem (para Ana Farrah Baunilha)
Adolescência radiante -
o pecado morava ao lado
ou um pouco adiante.
o pecado morava ao lado
ou um pouco adiante.
Marcadores:
Literatura
terça-feira, 14 de agosto de 2018
Um soneto de Antonio Carlos Secchin
"De chumbo eram somente dez soldados,
plantados entre a Pérsia e o sono fundo
e com certeza o espaço dessa mesa
era maior que o diâmetro do mundo.
Aconchego de montanhas matutinas
com degraus desenhados pelo vento:
mas na lisa planície da alegria
corre o feroz rio do esquecimento.
Meninos e manhãs, densas lembranças
que o tempo contamina até o osso,
fazendo da memória um balde cego
vazando no negrume do meu poço.
Pouco a pouco vão sendo derrubadas
as manhãs, os meninos e os soldados."
plantados entre a Pérsia e o sono fundo
e com certeza o espaço dessa mesa
era maior que o diâmetro do mundo.
Aconchego de montanhas matutinas
com degraus desenhados pelo vento:
mas na lisa planície da alegria
corre o feroz rio do esquecimento.
Meninos e manhãs, densas lembranças
que o tempo contamina até o osso,
fazendo da memória um balde cego
vazando no negrume do meu poço.
Pouco a pouco vão sendo derrubadas
as manhãs, os meninos e os soldados."
Nos trilhos
Um dos mais poéticos tempos de minha vida foi aquele em que levava minha melancolia para passear de bonde. Ela amava o Ipiranga, Santo Amaro e ainda não sonhava com Estocolmo.
Duas frases de Cesare Pavese
"Fazer poesia é como fazer amor: nunca se saberá se a própria alegria é compartilhada."
"Perdoamos aos outros quando nos convém."
"Perdoamos aos outros quando nos convém."
Haicai urbano (para Jiro Takahashi)
Sobre o edifício concretista
o helicóptero pousa uma
romântica metáfora de pássaro.
o helicóptero pousa uma
romântica metáfora de pássaro.
Capitão
Se a condessa fosse passageira do meu navio, eu atiraria todos os homens ao mar - e as mulheres também, por precaução.
Alerta
A cara que Deus fará quando vier buscar sua alma e souber que você a deu ao Diabo há dez anos, em troca daquele livro de contos que recebeu menção honrosa no concurso de Itapecerica da Serra.
Da mesma laia
Não se iludam com a poesia, sua voz doce e suas promessas. Ela foi, é e será sempre uma funcionária da literatura e prescreve as mesmas provações e castigos.
Providência
O melhor que um homem sensato pode fazer com a literatura é livrar-se imediatamente dela.
segunda-feira, 13 de agosto de 2018
Defeito de fábrica
Não foi certamente Deus, mas um de seus funcionários mais relapsos, quem falhou no seu controle de qualidade e, no Livro do Destino, determinou que eu seria escritor.
Marcadores:
Literatura
Bruxa
Vive em Estocolmo ainda aquela mais fria das mulheres
que por anos e anos simulou não ver na calçada o chapéu
do cego portenho que lhe pedia a esmola do Nobel.
que por anos e anos simulou não ver na calçada o chapéu
do cego portenho que lhe pedia a esmola do Nobel.
Marcadores:
Literatura
Glória
Cinquenta anos depois, seus únicos três textos publicados ainda eram os que estavam no livro já de capa dilacerada: Antologia dos poetas municipais, editado pela prefeitura de Morro Jovem, hoje Morro Velho.
Marcadores:
Literatura
Outro hobby
Quase ódio de quem me diz que também tem um passatempo e, antes de revelar qual é, sugere que graças a Deus não se relaciona nem um pouco com a literatura.
Marcadores:
Literatura
Peso inútil
Descobriu tarde demais que seu compromisso com a literatura, assumido na adolescência, não tinha valor nenhum.
Marcadores:
Literatura
Melhor não (para Alfredo Aquino)
O pior que se pode fazer com jovens poetas é chamá-los de promissores. Alguns acreditam nisso por cinco décadas.
Marcadores:
Literatura
Ser Fernando
Hoje, num almoço de família, a mãe lhe falou da época em que ele desejava ser Fernando Pessoa. E, como vem acontecendo recentemente com tudo, ele sentiu vontade de chorar.
Marcadores:
Literatura
Nada a ver
Até ao vento, se um tanto mais frio, o velho escritor pergunta se traz notícias de Estocolmo.
Marcadores:
Literatura
Três ou quatro
A idade final há de ser a da parcimônia. Devo poupar as palavras, para que me restem aquelas três ou quatro indispensáveis sempre que chega a hora na qual o corpo liberta enfim a alma.
Marcadores:
Literatura
Patrimônio (para Silvana Guimarães)
É tudo que tenho -
nenhum talento
igual engenho
nada para expressar.
nenhum talento
igual engenho
nada para expressar.
Marcadores:
Literatura
Do diário de um escritor
O velho escritor tem isto como norma: se um dia for a Estocolmo, não será uma viagem de turismo.
Marcadores:
Literatura
Alto-falante
Você querer ser reconhecido como escritor é uma talvez justa aspiração. Não desista. Se os leitores e os críticos insistirem em ignorá-lo, sugiro que você saia pelas ruas com um carro de som e grite: sou um escritor, sou um escritor, sou um escritor. Grite como se fosse um poeta social clamando por pão.
Marcadores:
Literatura
De novo?
Tudo bem. Com doze anos você se apaixonou pela literatura e... Essa história você já contou diversas vezes. Será que isso justifica todos os seus infortúnios?
Marcadores:
Literatura
Ser ou não
Já é bem hora de você parar de se perguntar se é escritor ou não. Escreva e deixe que os leitores decidam - se lhe couber a sorte de ter algum.
Marcadores:
Literatura
Sem palavras
As palavras começam a me faltar, a me falhar. Era inevitável. Por tanto tempo estiveram à minha disposição, amáveis e dóceis, por tanto tempo acreditaram em mim, e o que fiz delas? Prometi que participariam de maravilhosos projetos, e eles não deram em nada. Elas sabem já que não devem esperar nada de mim e quando as chamo se fazem de distraídas: quem?, eu? Logo perderão todo o recato e me mandarão procurá-las na esquina, de preferência a mais distante.
Marcadores:
Literatura
domingo, 12 de agosto de 2018
Magia
O escritor é como o mágico de circo tentando um novo truque com uma cartola ensebada e seus coelhos senis.
Cronos
Talvez a vida não seja afinal tão triste quanto sempre lhe pareceu, mas agora você não tem mais tempo para saber.
Chances
A literatura é aquela arte que permite a alguém morrer em versos ou matar em prosa e, na maioria dos casos, sem deixar de ser o mais insignificante dos viventes.
Clichê
Os críticos usam sempre aquele carimbo quando analisam o livro de um estreante: trata-se de um escritor extremamente promissor, ou um tantinho menos.
12 de agosto de 2018
Há pelo menos cinquenta anos você é um escritor de futuro. E o futuro começa sempre amanhã, sem falta.
Síndrome
Quando sentiu que chegavam seus últimos dias, o escritor passou uma ordem: só atenderia ligações de Estocolmo.
Figurino
Ainda que só para cumprir uma convenção literária, as mulheres fatais deveriam ser sempre loiras.
Conhecimentos
Deus nos livre de conhecer uma mulher fatal. E Deus nos livre de, tendo conhecido uma, não podermos conhecê-la na plenitude de sua fatalidade.
Hoje, na revista Rubem,
mais uma coletânea de frases sem norte e sem graça.
https://rubem.wordpress.com/2018/08/12/frases-sem-graca-e-sem-norte-raul-drewnick/
https://rubem.wordpress.com/2018/08/12/frases-sem-graca-e-sem-norte-raul-drewnick/
Supremacia
Sua poesia? Há trinta anos você conhece minha opinião sobre ela. Quer saber? Nem suas doenças são melhores que as minhas.
Descarte
Deixaram a caixa na esquina e afastaram-se rapidamente, procurando manter-se alheios aos ruídos da noite, embora gatos mortos não saibam miar.
sábado, 11 de agosto de 2018
"Sombras dos dias que virão", de Alejandra Pizarnik
"Amanhã
me vestirão com cinzas na aurora,
me encherão a boca de flores.
Aprenderei a dormir
na memória de um muro,
na respiração
de um animal que sonha."
(Tradução de Carlos Machado.)
me vestirão com cinzas na aurora,
me encherão a boca de flores.
Aprenderei a dormir
na memória de um muro,
na respiração
de um animal que sonha."
(Tradução de Carlos Machado.)
"A verdade que os mortos conhecem", de Anne Sexton
"Acabou-se, digo e me distancio da igreja,
Recusando a rígida procissão até a sepultura,
Deixando os mortos viajarem sós no carro fúnebre.
É junho. Estou cansada se ser valente.
Dirigimos até o cabo. Eu me desenvolvo
Onde o sol goteja no céu,
Onde o mar se agita como um portão de ferro
E nos comovemos. Em outro país, pessoas morrem.
Querido, o vento desaba como pedras
Das águas calmas e quando nos tocamos,
Penetramo-nos inteiramente. Ninguém está sozinho.
Os homens matam por isso ou por algo mais.
E o que acontece com os mortos? Jazem sem sapatos
Em seus barcos de pedra. Eles são mais parecidos com pedras
Do que o mar seria se fosse suspenso. Eles recusam
Ser abençoados, garganta, olho e nó dos dedos."
(Tradução de Dalcin Lima.)
Recusando a rígida procissão até a sepultura,
Deixando os mortos viajarem sós no carro fúnebre.
É junho. Estou cansada se ser valente.
Dirigimos até o cabo. Eu me desenvolvo
Onde o sol goteja no céu,
Onde o mar se agita como um portão de ferro
E nos comovemos. Em outro país, pessoas morrem.
Querido, o vento desaba como pedras
Das águas calmas e quando nos tocamos,
Penetramo-nos inteiramente. Ninguém está sozinho.
Os homens matam por isso ou por algo mais.
E o que acontece com os mortos? Jazem sem sapatos
Em seus barcos de pedra. Eles são mais parecidos com pedras
Do que o mar seria se fosse suspenso. Eles recusam
Ser abençoados, garganta, olho e nó dos dedos."
(Tradução de Dalcin Lima.)
Excelência
Porque o têm como ignorante, começou a estudar gramática. Faz um mês. Hoje deu mostra de algum progresso (se for relevada a confusão entre formas de tratamento). Quando os de sempre lhe disseram que de estudar morreu um burro, mandou: vão todos se foder-vos.
O sadismo na condessa
Para ser sádica, bastaria à condessa exibir por um instante a língua. Mas ela quase sempre a deixava ficar um pouco mais fora, enquanto fechava os olhos com satânica lentidão.
Nada a acrescentar
Tantas décadas de leitura, tantos poemas, tantas metáforas, para descobrir que meu estoque de menino poeta não era tão pobre quanto eu imaginava quando tinha meia dúzia de adjetivos para atrelar à dúzia e meia de substantivos que compunham meu conhecimento do mundo.
sexta-feira, 10 de agosto de 2018
O caminho
Não fui eu que escolhi o caminho da poesia. Foi a tristeza que me levou a ela, quando eu era ainda um menino.
Razão de escrever
Falando francamente, escrevo - e desde o início foi assim - por um sentimento que pode chamar-se de vaidade, orgulho ou honra. Escrevo por meus irmãos, meu pai, minha mãe, pela família de imigrantes poloneses ansiosos por demonstrar gratidão. Escrevo como quem, não sabendo fazer senão pães, procura dia a dia preparar os melhores, para retribuir aos que acolheram os do seu sangue e os convidaram a entrar.
Hoje no portal do Estadão
Perco-me com Joyce por aí.
https://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/alo-molly/
https://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/alo-molly/
quinta-feira, 9 de agosto de 2018
Requisito
Seu Jarbas sonha que chegou ao céu e lhe pedem o certificado de reservista.
Marcadores:
Literatura
Impecabilidade
Alguns mortos ficam tão bem arrumadinhos que é como se estivessem fazendo proselitismo e ganhassem bônus por adesão.
Marcadores:
Literatura
Velório
Parece que ele foi poeta, alguém dirá,
E só você, morto ali e esticado,
Não rirá.
E só você, morto ali e esticado,
Não rirá.
Marcadores:
Literatura
A condessa suspirosa
Toda vez que a condessa suspirava, mesmo que fosse enquanto mordia uma de suas adoradas maçãs, algo em mim ficava à espreita, ansiando por algum desvio que levasse pelo menos a um indício de luxúria.
Marcadores:
Literatura
Gosto
Ainda hoje, se penso em dizer o nome da condessa, em minha língua fervilha uma impressão de sal.
Marcadores:
Literatura
Aleluia
Se você não tem sobre o que escrever hoje, dê graças a Deus. Que boa notícia para você, para os seus leitores e para a reputação da literatura.
Marcadores:
Literatura
quarta-feira, 8 de agosto de 2018
Poema de Joseph Brodsky
"Eu era apenas quanto
a tua mão tocasse
ou sobre o que inclinavas,
no breu da noite, a face.
Eu era, embaixo, quanto
Notavas turvo, apenas:
traços, no início, vagos;
feições, mais tarde, plenas.
Foste quem logo, ardente,
Criou-me a sussurrar,
seja à direita, às esquerda,
a concha auricular.
Foste, a agitar cortinas,
quem, na umidade cava
da boca, introduziu-me
a voz que te chamava.
Eu era cego e, vindo,
sumindo-te de mim,
doaste-me a visão.
Fica um vestígio, assim.
E, assim, criam-se mundo
que são postos de lado,
girando,quando prontos,
presente abandonado.
Em meio, pois, de treva
e luz, calor e frio,
prossegue o nosso globo
seu giro no vazio."
(Do livro Quase uma elegia, tradução de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher, publicado pela Sette Letras.)
a tua mão tocasse
ou sobre o que inclinavas,
no breu da noite, a face.
Eu era, embaixo, quanto
Notavas turvo, apenas:
traços, no início, vagos;
feições, mais tarde, plenas.
Foste quem logo, ardente,
Criou-me a sussurrar,
seja à direita, às esquerda,
a concha auricular.
Foste, a agitar cortinas,
quem, na umidade cava
da boca, introduziu-me
a voz que te chamava.
Eu era cego e, vindo,
sumindo-te de mim,
doaste-me a visão.
Fica um vestígio, assim.
E, assim, criam-se mundo
que são postos de lado,
girando,quando prontos,
presente abandonado.
Em meio, pois, de treva
e luz, calor e frio,
prossegue o nosso globo
seu giro no vazio."
(Do livro Quase uma elegia, tradução de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher, publicado pela Sette Letras.)
Marcadores:
Literatura
terça-feira, 7 de agosto de 2018
"História de detetive"
"Quem jamais deixou de ter a sua paisagem,
A rua torta da aldeia, a casa em meio às árvores,
Tudo perto da igreja? Ou então a taciturna casa de cidade,
A de colunas coríntias, ou então
O pequeno apartamento proletário, mesmo assim
Um centro, um bar, em que aquelas duas ou três coisas
Que a um homem podem ocorrer, vão ocorrer de fato.
Quem não pode traçar o mapa de sua própria vida, sombrear
A pequena estação onde se encontra com a amada
E diz-lhe adeus continuamente, assinala o ponto
Onde foi primeiramente encontrado o cadáver da felicidade?
Uma vagabunda ignota? Uma ricaça?
Com um passado bem sepulto: e quando a verdade,
Na verdade a respeito da felicidade nossa vem à luz,
O quanto não devia ela à chantagem e aos namoricos.
O que vem depois é o de costume.
De acordo com o plano:
O conflito entre o bom-senso distrital
E a intuição, esse amador exasperante
Que sempre chega ao local por acaso antes de nós.
Tudo conforme ao plano, quer as mentiras, quer a confissão,
Até a emocionante caçada final, e a morte.
Todavia, na derradeira página, uma dúvida insistente:
E o veredicto, foi justo? os nervos do juiz,
Aquela pista, os protestos da assistência,
E o nosso próprio sorriso... ora, pois sim...
Mas o tempo é o culpado sempre. Alguém tem de pagar
Pela morte da felicidade, a nossa própria felicidade."
(Tradução de José Paulo Paes e João Moura Jr.)
A rua torta da aldeia, a casa em meio às árvores,
Tudo perto da igreja? Ou então a taciturna casa de cidade,
A de colunas coríntias, ou então
O pequeno apartamento proletário, mesmo assim
Um centro, um bar, em que aquelas duas ou três coisas
Que a um homem podem ocorrer, vão ocorrer de fato.
Quem não pode traçar o mapa de sua própria vida, sombrear
A pequena estação onde se encontra com a amada
E diz-lhe adeus continuamente, assinala o ponto
Onde foi primeiramente encontrado o cadáver da felicidade?
Uma vagabunda ignota? Uma ricaça?
Com um passado bem sepulto: e quando a verdade,
Na verdade a respeito da felicidade nossa vem à luz,
O quanto não devia ela à chantagem e aos namoricos.
O que vem depois é o de costume.
De acordo com o plano:
O conflito entre o bom-senso distrital
E a intuição, esse amador exasperante
Que sempre chega ao local por acaso antes de nós.
Tudo conforme ao plano, quer as mentiras, quer a confissão,
Até a emocionante caçada final, e a morte.
Todavia, na derradeira página, uma dúvida insistente:
E o veredicto, foi justo? os nervos do juiz,
Aquela pista, os protestos da assistência,
E o nosso próprio sorriso... ora, pois sim...
Mas o tempo é o culpado sempre. Alguém tem de pagar
Pela morte da felicidade, a nossa própria felicidade."
(Tradução de José Paulo Paes e João Moura Jr.)
A condessa e as maçãs
Os dentes da condessa, depois do almoço, se entretinham em triturar maçãs. Eu sempre imaginava, nessas ocasiões, que delicioso estrago eles poderiam fazer em meu pescoço e em meus ombros agradecidos.
Confissão
Sou grato aos advérbios de modo desde o tempo em que, no colégio, era preciso completar aquelas vinte linhas de redação nas provas; a eles e à habilidade de minha mão ao encompridar cada uma das palavras que me ajudavam a chegar astutamente, triunfalmente, folgadamente a vinte e uma e meia ou a vinte e duas linhas, no exercício chamado, na época, de enchimento de linguiça. Se tenho algo parecido com uma carreira literária, foi graças a esse e a outros truques aos quais, quando têm êxito, se dá o nome de estilo.
Mártires
Malfadadas musas antigas, pálidas como a morte e trancadas com chave de ouro em catorze frígidos versos.
"Seja assim o poema", de Philip Larkin
"Fodem-te a vida, o papá e a mamã,
Mesmo que não seja essa a intenção,
Deixam-te todos os vícios que tenham
E mais dois ou três por especial atenção.
Mas no tempo deles também foram fodidos
Por tolos trajando jaquetão e coco,
Que quando não estavam piegas ou hirtos
Saltaram, raivosos, à veia, ao pescoço.
E assim é legada a felicidade,
Vai mais e mais fundo, como o fundo do mar.
Foge mal tenhas oportunidade
E quanto a teres filhos- isso nem pensar."
(Tradução Rui Carvalho Homem.)
Mesmo que não seja essa a intenção,
Deixam-te todos os vícios que tenham
E mais dois ou três por especial atenção.
Mas no tempo deles também foram fodidos
Por tolos trajando jaquetão e coco,
Que quando não estavam piegas ou hirtos
Saltaram, raivosos, à veia, ao pescoço.
E assim é legada a felicidade,
Vai mais e mais fundo, como o fundo do mar.
Foge mal tenhas oportunidade
E quanto a teres filhos- isso nem pensar."
(Tradução Rui Carvalho Homem.)
O aroma
Uma tarde, a condessa me desafiou a persegui-la, numa corrida. Levamos nisto uns minutos. Quando a alcancei, tínhamos chegado ao jardim e, misturado ao das flores, senti um adocicado aroma de axilas raspadas.
Cotação do dia
Se o Diabo vier me procurar hoje, só poderei negociar com ele esta alma em péssimo estado de conservação.
Riscos
Mesmo com todas as lutas preservacionistas, cada vez mais espécies estão ameaçadas de extinção. Os cisnes praticamente só se encontram em sonetos parnasianos. E já há dificuldades até para achar sonetos.
A escolha
Se você começa a descobrir traços shakespearianos no seu estilo, ou você finge que não os vê ou banca o louco e os assume. Se resolver assumi-los, que Deus - ou o Diabo - o ajude.
segunda-feira, 6 de agosto de 2018
Proposta
Se você me amar, poderá fazer parte de um seletíssimo grupo, um trio ao qual eu daria minha vida, se ela valesse algo. Aceita? Posso colocá-la como número um, se você me der um tempo. As outras duas há meses não me telefonam.
Marcadores:
Literatura
Zelo
Que o poeta zele para que suas rimas, principalmente aquelas em "ú", não andem em má companhia.
Marcadores:
Literatura
Fake
Se cultura fosse mesmo luxo, como se diz, teria muito melhor tratamento.
Marcadores:
Literatura
Cotação do dia
Se eu estivesse um pouquinho mais morto, já poderia receber o atestado.
Marcadores:
Literatura
Missão
O décimo terceiro trabalho de Hércules é ensinar um passarinho a cantar.
Marcadores:
Literatura
Recíprocas verdadeiras
As frases curtas e eu nos damos cada vez melhor. Sei que não posso esperar muito delas e elas sabem que não devem esperar nada de mim.
Marcadores:
Literatura
domingo, 5 de agosto de 2018
Bem a calhar
Seus textos são cheios de vistosas ocorrências gramaticais. Não precisam de crachá para entrar numa apostila.
Dever
Você não tem o direito de dizer aos jovens que a literatura é uma ilusão; você tem a obrigação.
Velha história (para Rose Marinho Marinho Prado)
Os que depois cometerão os maiores crimes contra a poesia costumam começar com uma inofensiva quadrinha.
sábado, 4 de agosto de 2018
Modo de ver
Não conseguirmos mais escrever talvez seja uma ótima notícia: a de que os deuses se cansaram de divertir-se conosco.
quinta-feira, 2 de agosto de 2018
De Mario Quintana
"O segredo é não correr atrás de borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até você."
Marcadores:
Literatura
A cançoneta de T.S. (para Mariana Ianelli e Silvana Guimarães)
Sim, Tom, eu sei bem como é a canção:
as mulheres falavam de Michelangelo,
e de quem mais falariam, meu caro Tom?
Talvez você as pudesse entreter
com aquela insolúvel indagação
sobre o ser e o não ser.
Mas aceitariam elas ouvi-la
não dos lábios de um príncipe
mas da boca de um bufão?
as mulheres falavam de Michelangelo,
e de quem mais falariam, meu caro Tom?
Talvez você as pudesse entreter
com aquela insolúvel indagação
sobre o ser e o não ser.
Mas aceitariam elas ouvi-la
não dos lábios de um príncipe
mas da boca de um bufão?
Marcadores:
Literatura
Quase luxúria
A palavra Estocolmo acende nele uma inquietação igual à que sentia quando, adolescente, suas narinas eram recompensadas pelo odor salino das ruas para onde o chamavam as putas de baixo preço.
Marcadores:
Literatura
Um haicai (para Jiro Takahashi)
Um haicai, se fosse um gato, seria um desses bem pequenos, que aparecem só em sonhos, não sabem ainda miar e deslizam sobre tapetes de morno veludo.
Marcadores:
Literatura
Pompa
Todo modernismo logo acaba mostrando que também lhe agrada sentar-se à mesa, ter quem lhe sirva cerimoniosamente a água e o apresente à plateia como costumavam ser apresentados os clássicos.
Marcadores:
Literatura
Futuro (para Rose Marinho Prado)
Talvez a poesia venha a ser só uma das especialidades dos robôs. Teremos então saudade dos líricos tempos do concretismo.
Marcadores:
Literatura
Hipótese
Se a gramática tivesse mãe, como nós gostaríamos de reverenciar a queridíssima senhora, chamando-a hipocoristicamente de putinha.
Marcadores:
Literatura
Segurança
Em algumas editoras, já há muitos anos os sonetistas não conseguem passar pela portaria, mesmo em casos nos quais engenhosamente tentam entrar disfarçados de autores de livros de autoajuda.
Marcadores:
Literatura
quarta-feira, 1 de agosto de 2018
Até isso
Você não sabe como eu amo aplausos. Para ganhar mais um ou dois, sou capaz de escrever que passei fome na infância e vendi baldes de estrume a damas endinheiradas, para que suas rosas parecessem mais belas que as do jardim de minha mãe.
Marcadores:
Literatura
Byron traduzido por Augusto de Campos
"Meu cabelo é grisalho aos trinta anos.
(Como estarei quando tiver quarenta?
Já tive uma peruca entre meus planos)
Meu coração secou, já não aguenta.
Perdi todo o verão em desenganos
E já coisa nenhuma me contenta.
Gastei a vida, o principal e o juro,
Já não me sinto dono do futuro."
(Como estarei quando tiver quarenta?
Já tive uma peruca entre meus planos)
Meu coração secou, já não aguenta.
Perdi todo o verão em desenganos
E já coisa nenhuma me contenta.
Gastei a vida, o principal e o juro,
Já não me sinto dono do futuro."
Marcadores:
Literatura
Certeza
Hoje sei que a melhor poesia que me passou pelas mãos foram os ombros mornos da condessa.
Marcadores:
Literatura
Tu quoque?
Andam tão execrados os sonetos que é melhor não lembrar que Shakespeare os fazia. O comentário pode ser: eu bem que desconfiava.
Marcadores:
Literatura
Assinar:
Postagens (Atom)