sábado, 1 de junho de 2019
Da necessidade de desconfiar
Desconfiem dos poetas rechonchudos, com bochechas de recém-nascidos. Desconfiem dos poetas limpinhos, educados, que têm na escrivaninha tudo bem arranjado, tudo à mão, para que a inspiração não os apanhe de surpresa. Desconfiem dos poetas que no meio das frases enfiam uma expressão em francês. Desconfiem dos poetas de unhas polidas e palavras educadas. Desconfiem dos poetas que dão palestras interessantes nas casas dos saberes, em três prestações de trezentos. Desconfiem dos poetas que celebram Deus e abafam palavrões no lenço aberto. Desconfiem dos poetas que falam de povo e de amor. Desconfiem dos poetas que têm sítios onde no fim de semana vão descansar de sua labuta poética. Desconfiem dos poetas que todo ano brindam seus leitores com lançamentos na Cultura da Paulista. Desconfiem dos poetas, de todos os poetas, dos que fazem sonetos e dos que não fazem, dos que rimam e dos que não rimam. Desconfiem dos poetas que falam de rosas sem nunca terem visto uma. Desconfiem dos poetas se em nenhum dos livros deles houver a palavra esterco. Desconfiem dos poetas, sempre. O que um homem é capaz de fazer para se livrar do trabalho!
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