Estar vivo pode às vezes nos trazer alegrias tão intensas que nos perguntamos se somos dignos delas. Para mim, ler J.M. Coetzee, o sul-africano que ganhou o Prêmio Nobel em 2003, está entre essas experiências vitais. Seu primeiro livro eu o encontrei em um desses sebos que não merecem propriamente o nome, uma dessas lojas que compram encalhes de editoras ou livarias e os revendem. São livros novos, sem manuseio, que por algum motivo não mereceram a atenção dos leitores. Numa loja da Papelivros, na João Mendes, por volta de 2000 vi pela primeira vez o nome de Coetzee estampado na capa de uma série de romances e novelas editados pela Best Seller. Fascinou-me logo o título de um, Dostoiévski, o Mestre de Petersburgo. Comprei-o e dali a alguns dias estava de novo na João Mendes, para adquirir os outros. Todos me encantaram e transmiti essa impressão ao meu inesquecível amigo Federico Mengozzi, que na ocasião fazia para a revista Época resenhas e textos sobre arte, que ele conhecia como quase ninguém, abrangendo esse conhecimento as artes plásticas, a literatura, o teatro e o cinema. Ele compartilhou meu entusiasmo e tivemos o prazer de manter pela internet várias conversas sobre esse escritor notável que logo depois ganharia o Nobel. Infelizmente, o Federico se foi sem que pudéssemos falar do livro de Coetzee que talvez me fale mais diretamente ao coração. É Juventude, que narra as aspirações de um jovem candidato a poeta, suas desventuras, sua ingênua disponibilidade para a vida e o amor. Como o Federico apreciaria ler este trecho do livro:
"Siga quem seguir, parece-lhe, sairá perdendo. Pois não tem talento para mentir, enganar, ou driblar as regras, assim como não tem talento para o prazer ou para as roupas elegantes. Seu único talento é para a depressão, a torpe e honesta depressão. Se esta cidade não oferece nenhuma recompensa para a depressão, o que está fazendo aqui?"
(Juventude, J.M. Coetzee, Companhia das Letras, tradução de José Rubens Siqueira)
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