segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014
O primeiro sinal de minha doença
Eu tinha talvez dez anos quando meu pai me deu um livro. No fundo, todos os presentes que eu ganhei na infância foram pagos com o dinheiro dele, mas era minha mãe que os entregava. A alegria de receber o livro das mãos dele foi uma das maiores que tive. Ganancioso, eu quis mais. Assim, como ele não havia feito dedicatória, eu mesmo escrevi: "Ao meu querido filho Raul" e assinei. Durante muitos anos, abri esporadicamente o livro para me reencantar com essas cinco palavras. Esse episódio - agora que no fim da vida me ponho a rememorar as miudezas que são, no final das contas, meu tesouro sentimental - é um indício de como, desde o começo, fui regido por essa busca de afeto, por essa doença que viria a atormentar o meu coração e a amargar os meus dias. Guloso desse amor terno, que alimenta mais a alma do que o corpo, irei embora com o ressentimento de quem julga não ter tido tudo que lhe devem.
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