quarta-feira, 9 de julho de 2014

"A nereida de Bloomsbury"

"Virginia Woolf entrou
na luz como no centro
de um mistério maior:
ia cercar por dentro
o tempo exterior!
No entanto, se tocou
talvez aquela teia
de que o ser se rodeia,
não tolerou a urgência
do impuro, do que dura
como o nó da existência:
escapou-lhe a matéria,
enredou-se-lhe a asa
e a garça resvalou
à margem do mistério
renunciando ao voo.
Em tempos de massacre
a luz tem sempre o acre
sabor da carne em brasa,
da alma carbonizada
que ela não suportou.
A futura afogada
acercara-se um dia
a Lytton Strachey e, a sério,
perguntara ao amigo
se sobreviveria
debaixo d'água, o abrigo
com que sonhava: urgia
prová-lo porque enfim
'não sabia...' E, assim,
certo dia cinzento,
saiu, fechou a casa,
deu as costas ao vento
e trocou de elemento,
ou de ponto de apoio:
recostou-se ao arroio
e desmanchou as asas."

(Do livo O mundo como ideia, publicado pela Editora Globo.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário