terça-feira, 30 de junho de 2015
Do escritor e sua testemunha
O compromisso que o escritor deve assumir é consigo mesmo. Fazer tudo que puder, sempre o melhor que puder. O leitor deve ser considerado o que é: uma testemunha que pode ser condescendente ou não, que pode dar ao escritor um minuto de atenção, ou meio, ou nenhum. O escritor pode adulá-lo, bajulá-lo até, para ganhar sua simpatia. Mas o escritor não é um saltimbanco. Melhor será que o leitor o veja como é: alguém que, se der três saltos mortais seguidos, será não por magias suas, mas pelo poder que tiverem suas palavras.
Segredos
À noite, na estante, ouvem-se cochichos nas páginas de Dom Casmurro: são as entrelinhas contando às linhas segredos de Capitu e Escobar.
Cotação do dia
O amor pode revelar ao homem que em certas coisas ele se subestima. Pode, por exemplo, ser muito mais tolo do que imagina.
"Cemitério pernambucano (Nossa Senhora da Luz)", de João Cabral de Melo Neto
"Nesta terra ninguém jaz,
pois também não jaz um rio
noutro rio, nem o mar
é cemitério de rios.
Nenhum dos mortos daqui
vem vestido de caixão.
Portanto, eles não se enterram,
são derramados no chão.
Vêm em redes de varandas
abertas ao sol e à chuva.
Trazem suas próprias moscas.
O chão lhes vai como luva.
Mortos ao ar livre, que eram,
hoje à terra livre estão.
São tão da terra que a terra
nem sente sua intrusão.
(De Antologia poética, publicada pela José Olympio Editora.)
pois também não jaz um rio
noutro rio, nem o mar
é cemitério de rios.
Nenhum dos mortos daqui
vem vestido de caixão.
Portanto, eles não se enterram,
são derramados no chão.
Vêm em redes de varandas
abertas ao sol e à chuva.
Trazem suas próprias moscas.
O chão lhes vai como luva.
Mortos ao ar livre, que eram,
hoje à terra livre estão.
São tão da terra que a terra
nem sente sua intrusão.
(De Antologia poética, publicada pela José Olympio Editora.)
segunda-feira, 29 de junho de 2015
Soneto dos dias antigos e dos atuais
Ah, como tudo mudou.
Aquela louca alegria
Que me instigava e impelia
Há muito tempo murchou.
Se fui o que hoje não sou,
Era o amor que me movia,
Por ele era que eu vivia,
Ah, por que tudo acabou?
Dia a dia eu acordava
E em mim o amor inspirava
A ventura de viver.
Desde quando ele morreu,
Agora, dia a dia, eu
Acordo para morrer.
Aquela louca alegria
Que me instigava e impelia
Há muito tempo murchou.
Se fui o que hoje não sou,
Era o amor que me movia,
Por ele era que eu vivia,
Ah, por que tudo acabou?
Dia a dia eu acordava
E em mim o amor inspirava
A ventura de viver.
Desde quando ele morreu,
Agora, dia a dia, eu
Acordo para morrer.
Marcadores:
Literatura
Juíza
Com a gramática não há como discutir. Se ela apita, está apitado. Mesmo quando obscura, a regra é sempre clara.
Marcadores:
Literatura
Catorze
A soma dos dois quartetos e dos dois tercetos só dá um bom soneto se houver uma boa musa.
Marcadores:
Literatura
"A morta viva", de Murilo Mendes
"Maria do Rosário estendida no caixão
Toda vestida de branco aos vinte anos
Está cercada de angélicas e de moscas.
Seu rosto é inviolavelmente puro e simples.
Telefonam telefonam telefonam.
Inclino-me sem chorar sobre seu corpo.
Só agora lhe digo a palavra de ternura
Que ela nunca pôde conseguir de mim,
A palavra que talvez justificasse uma vida,
A palavra que eu nunca tive a força de dizer.
Só agora sei que a amo, de um amor definitivo.
Só agora me descobri seu companheiro para sempre.
A eternidade irrompeu no tempo, violentíssima."
(De Melhores poemas de Murilo Mendes, publicação da Global Editora.)
Marcadores:
Literatura
domingo, 28 de junho de 2015
Soneto da solidão
Ontem, enquanto dormias,
Eu pelas ruas vagava
E a mais uma me entregava
Das minhas noites vazias.
Ontem, enquanto sorrias
A quem no sonho te amava,
E tua mão o afagava,
E mais beijos lhe pedias,
Eu sentava na calçada,
Com minha alma atormentada
E gelo no coração,
E tinha só, ao meu lado,
Um amigo inesperado:
Um velho e friorento cão.
Eu pelas ruas vagava
E a mais uma me entregava
Das minhas noites vazias.
Ontem, enquanto sorrias
A quem no sonho te amava,
E tua mão o afagava,
E mais beijos lhe pedias,
Eu sentava na calçada,
Com minha alma atormentada
E gelo no coração,
E tinha só, ao meu lado,
Um amigo inesperado:
Um velho e friorento cão.
Mario Quintana
Mario Quintana gostava de fingir-se de distraído, para ser apanhado de surpresa pela poesia.
Soneto do amor surdo (versão final)
Para ser mais desejado,
Mais apreciado e querido,
Mais invocado e pedido,
O amor se faz de rogado.
Por mais que seja chamado,
Por pior que seja o alarido,
Se faz de desentendido,
De estúpido ou de alienado.
O amor exige de nós
Nossa mais berrante voz,
Uma zoada como aquela
De acento hostil e bravio
Que fazem mil cães no cio
No rastro de uma cadela.
Mais apreciado e querido,
Mais invocado e pedido,
O amor se faz de rogado.
Por mais que seja chamado,
Por pior que seja o alarido,
Se faz de desentendido,
De estúpido ou de alienado.
O amor exige de nós
Nossa mais berrante voz,
Uma zoada como aquela
De acento hostil e bravio
Que fazem mil cães no cio
No rastro de uma cadela.
sábado, 27 de junho de 2015
Soneto da vida passada
Talvez eu já tenha sido
Um homem bem diferente
Deste que sou atualmente,
Num tempo há muito esquecido.
Talvez eu tenha vivido
Melhor, mais intensamente
Que neste opaco presente
Monótono e aborrecido.
Talvez seja esse o motivo
Pelo qual agora eu vivo
Sonhando com o que não vi:
Mulheres que não conheço,
Afetos que não mereço,
Amores que não vivi.
Um homem bem diferente
Deste que sou atualmente,
Num tempo há muito esquecido.
Talvez eu tenha vivido
Melhor, mais intensamente
Que neste opaco presente
Monótono e aborrecido.
Talvez seja esse o motivo
Pelo qual agora eu vivo
Sonhando com o que não vi:
Mulheres que não conheço,
Afetos que não mereço,
Amores que não vivi.
Mario Quintana
Tão jovial era o espírito de Mario Quintana que, mesmo diante de sonetos seus, o leitor às vezes achava que a gravata seria desatada e a camisa substituída por uma camiseta com a cara de pau do Pinóquio.
Mario Quintana
A poesia em Mario Quintana é como o arco-íris desenhado por um menino para estrear sua caixa de lápis de cor.
Soneto da beleza como ela foi (versão final)
Beleza pura, momento
De glória, brilho e grandeza,
Que paga toda a tristeza
E compensa o sofrimento.
Beleza total, portento,
Acúmulo de inteireza,
Presença plena, realeza,
Estátua ideal, monumento.
Depois de assim contemplar-te,
Esplêndida imagem da arte,
Que eu tenha a sabedoria
De dar-me por satisfeito,
Porque nada tão perfeito
Verei mais, nem poderia.
De glória, brilho e grandeza,
Que paga toda a tristeza
E compensa o sofrimento.
Beleza total, portento,
Acúmulo de inteireza,
Presença plena, realeza,
Estátua ideal, monumento.
Depois de assim contemplar-te,
Esplêndida imagem da arte,
Que eu tenha a sabedoria
De dar-me por satisfeito,
Porque nada tão perfeito
Verei mais, nem poderia.
O tema (versão final)
O que cantará
o que louvará
o menestrel?
A lua
com sua beleza
inalcançavelmente pura
ou aquela criatura
cujo intocável anel
e cuja ruiva bainha
dela fazem uma rainha?
o que louvará
o menestrel?
A lua
com sua beleza
inalcançavelmente pura
ou aquela criatura
cujo intocável anel
e cuja ruiva bainha
dela fazem uma rainha?
Soneto do amor engavetado
O amor eu, grato por tê-lo,
Tão belo, tão devotado,
Pelo meu ciúme instigado
Pensei do mundo escondê-lo.
Com receio de perdê-lo
Para o mundo, eu, desvairado,
Conservei-o bem trancado,
Somente eu podia vê-lo.
Sem o sol e sem a brisa
De que ele tanto precisa,
O amor murchou e morreu.
Que homem desalmado eu sou.
Ninguém esse amor gozou,
Nem bem o mundo, nem eu.
Tão belo, tão devotado,
Pelo meu ciúme instigado
Pensei do mundo escondê-lo.
Com receio de perdê-lo
Para o mundo, eu, desvairado,
Conservei-o bem trancado,
Somente eu podia vê-lo.
Sem o sol e sem a brisa
De que ele tanto precisa,
O amor murchou e morreu.
Que homem desalmado eu sou.
Ninguém esse amor gozou,
Nem bem o mundo, nem eu.
Verso e anverso
Viver por amor é tão monotonamente prosaico; morrer por amor é tão maravilhosamente poético.
Frustração
Lamenta que, quando estiver pendurado na corda, não poderá desfrutar o espanto no rosto daqueles que sempre o consideraram incapaz de um ato grandioso.
"Antielegia nº 3", de Murilo Mendes
"As magnólias avançam com um ímpeto inesperado
São ombros nus é o luar o vidro de veneno
Deve haver um homicídio uma pergunta à esfinge
Um ultimato ao sonho um arroubo do universo.
À meia-noite em ponto bate o mar na varanda
É impossível deixar de acontecer alguma coisa
Há uma espera vã - raptaram as nebulosas."
(De Melhores poemas de Murilo Mendes, publicação da Global Editora.)
São ombros nus é o luar o vidro de veneno
Deve haver um homicídio uma pergunta à esfinge
Um ultimato ao sonho um arroubo do universo.
À meia-noite em ponto bate o mar na varanda
É impossível deixar de acontecer alguma coisa
Há uma espera vã - raptaram as nebulosas."
(De Melhores poemas de Murilo Mendes, publicação da Global Editora.)
sexta-feira, 26 de junho de 2015
Dona Hilda e os ratos
Nesta madrugada, no asilo, houve alvoroço na ala das mulheres. Dona Hilda berrava por socorro. Duas das irmãs de caridade correram para o seu quarto. O que foi, o que foi? Ela disse que que eram ratos e indicou um ponto sob a cama. As irmãs se ajoelharam, não viram nada. Dona Hilda pediu, aflita: "Perguntem pra ele. Ele viu também." As freiras foram embora, enquanto dona Hilda sacudia a cama: "Como é que você pode continuar dormindo assim, com esses ratos no quarto, seu inútil? Você não vale nada, Renê." Renê é o marido, cuja morte dona Hilda ignora há mais de vinte anos.
Haicai
O haicai é um vaga-lume que brilha uma só vez na vida, para um poeta único, numa noite especial.
Soneto da severidade do amor
Quem com ele lidar precisa
Sabe com toda a certeza
Que por sua natureza
O amor não contemporiza.
O amor é alteza, é rei,
E por essa majestade
Seu pensamento é verdade
E sua palavra é lei.
Com quem o venera e adula
E com quem não o bajula
Complacência ele não tem.
Dos adeptos não tem pena,
A todos, um a um condena,
E aos não adeptos também.
Sabe com toda a certeza
Que por sua natureza
O amor não contemporiza.
O amor é alteza, é rei,
E por essa majestade
Seu pensamento é verdade
E sua palavra é lei.
Com quem o venera e adula
E com quem não o bajula
Complacência ele não tem.
Dos adeptos não tem pena,
A todos, um a um condena,
E aos não adeptos também.
Mario Quintana
Se fossem construir um castelo, João Cabral se encarregaria da estrutura toda, Olavo Bilac da torre de marfim, onde a princesa pudesse contemplar e apanhar estrelas, e a Mario Quintana caberia escolher a princesa e as estrelas.
Dois livros para apaixonados pela literatura
Eu - que, se fosse definir-me em duas palavras, me chamaria de leitor apaixonado - fui brindado este ano com um acontecimento notável: Catálogo ilustrado da vertigem humana, de Wellington Pereira. Assim como ocorre com Enrique Vila-Matas, os personagens de Wellington são a literatura e aqueles que a fazem: os autores. Goethe, Kafka, Sade, Proust, Maupassant, Baudelaire agem e interagem nas páginas desse livro inquietante, e, como se fosse pouco, trazem Werther, Madame Bovary, Gregor Samsa... Para o amante da literatura, uma festa. E, para os leitores iniciantes, um precioso roteiro. Esse Catálogo e o romance O colecionador de manhãs, de Liberato Vieira da Cunha, que conheci também este ano, são duas leituras dessas que coloco no rol das imprescindíveis. O livro de Liberato, que reconstitui em magnífica prosa a Porto Alegre da metade do século XX, foi publicado pela Objetiva. Para informações sobre o livro de Wellington, o e-mail é wjdop@uol.com.br.
"Volta", de João Cabral de Melo Neto
"Mas o trem de casas-vagões
passa ou é passado por?
como poder distinguir
do passado o passador?
se na estrada tudo passa
e nada de vez passou?
como saber se é a gente
ou as casas-trem o andador?
ou quem sabe? a própria estrada
rolando com um propulsor?
(pois dela sobe incessante
e subterrâneo rumor)."
(De Antologia poética, publicação da José Olympio Editora.)
passa ou é passado por?
como poder distinguir
do passado o passador?
se na estrada tudo passa
e nada de vez passou?
como saber se é a gente
ou as casas-trem o andador?
ou quem sabe? a própria estrada
rolando com um propulsor?
(pois dela sobe incessante
e subterrâneo rumor)."
(De Antologia poética, publicação da José Olympio Editora.)
quinta-feira, 25 de junho de 2015
Mario Quintana
Em Mario Quintana a tristeza era um acidente, como um desses primos que nos apoquentam a vida inteira e que no final das contas descobrimos que nem são primos nem nunca foram. Quintana era aparentado com a alegria.
Soneto dos convidados do amor
A noite pouco durou.
Toda a algazarra que havia,
O riso, a festa, a alegria,
Aquilo tudo passou.
Alguém a luz apagou
E a música que se ouvia,
E a esplêndida fantasia,
Tudo no ar se dissipou.
O amor se foi, e o salão
Há muito está já vazio.
Atirados no porão,
Doentes de fome e de frio,
Os seus tolos convidados
Abraçam-se, resignados.
Piadas
O amor ouve tudo que dizem sobre ele. As opiniões que mais o divertem são as dos poetas. Ele balança a cabeça: nada a ver, nada a ver.
Tal qual
Quando releio certas baboseiras que escrevi sob a inspiração do amor, eu me sinto como um obeso dono de padaria oferecendo uma caixa de bombons recheados de licor a uma balconista tão gorda quanto ele e piscando: "Tem motel hoje, Salete?"
"Gotterdämmerung", de Eugenio Montale
"Lê-se que o crepúsculo dos Deuses
está por começar. É um erro.
Os inícios são sempre irreconhecíveis,
quando se constata alguma coisa é porque ela já
está cravada com um alfinete.
O crepúsculo nasceu quando o homem
pensou ser mais digno do que um grilo ou uma toupeira.
O inferno que se repete é apenas o ensaio
de uma "estreia mundial" continuamente diferida
porque o diretor está ocupado, ou doente, ou sumido
quem sabe onde e ninguém pode substituí-lo."
(De Poesias, tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti, publicação da Record.)
está por começar. É um erro.
Os inícios são sempre irreconhecíveis,
quando se constata alguma coisa é porque ela já
está cravada com um alfinete.
O crepúsculo nasceu quando o homem
pensou ser mais digno do que um grilo ou uma toupeira.
O inferno que se repete é apenas o ensaio
de uma "estreia mundial" continuamente diferida
porque o diretor está ocupado, ou doente, ou sumido
quem sabe onde e ninguém pode substituí-lo."
(De Poesias, tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti, publicação da Record.)
quarta-feira, 24 de junho de 2015
Memórias do frio
Seu Lucas, como os seus colegas, tem a memória fraca. Hoje levou quase dez minutos para recordar quando sentiu tanto frio quanto no asilo. Concentrou-se, refletiu, balbuciou, resmungou e, enfim, lembrou-se; foi nos dois anos em que, menino, antes de ser adotado, morou numa instituição de caridade.
Mario Quintana
Em todas as fotos de Mario Quintana, até naquelas de sua última idade, há um sorriso sorrateiro que convida para travessuras e traquinagens.
terça-feira, 23 de junho de 2015
Morrer
Morrer é uma coisa tão intransitiva
tão peremptória
tão definitiva
Viver é fazer
isto
isso
aquilo
Morrer
é fazer o quê?
tão peremptória
tão definitiva
Viver é fazer
isto
isso
aquilo
Morrer
é fazer o quê?
Leitmotiv
Que magia têm os poetas. Levam a vida inteira falando do amor. E o que nos dizem? Que nada entendem dele.
segunda-feira, 22 de junho de 2015
Classe
A um ou outro dos que mata com seus engodos o amor manda flores, no funeral. Tem acerto com uma floricultura, goza ali de desconto e consideração, e exige que em letras douradas conste, nas coroas, seu nome de doce assassino.
Marcadores:
Literatura
Ponto G
Ele a beijou bem ali
Onde, se for bem beijada,
A mulher não nega nada
Nem a um rei nem a um gari.
Onde, se for bem beijada,
A mulher não nega nada
Nem a um rei nem a um gari.
Marcadores:
Literatura
Pureza
Fui serviçal do amor. Era eu quem lhe lavava as mãos depois de cada uma das sessões em que ele recebia seus adeptos. Ele me obrigava a usar luvas e, com sua voz de nojo, dizia: "Esfrega, esfrega."
Marcadores:
Literatura
Um trecho de Carlos Drummond de Andrade
"Há uma indústria no Brasil que acho horrível: é a indústria dos editores que comerciam com os chamados poetas. Oferecem duas páginas de uma antologia em troca do pagamento de tanto. Então, aparecem sucessivamente, a cada ano, antologias de poetas que nunca foram poetas, coitados - e estão sendo explorados. Isso eu acho terrível."
(Do livro Dossiê Drummond, de Geneton Moraes Neto, publicação da Editora Globo.)
(Do livro Dossiê Drummond, de Geneton Moraes Neto, publicação da Editora Globo.)
Marcadores:
Literatura
Beckett
No mundo de Beckett, uma fresta no cenário, um risco de giz no escuro parecem um clarão de esperança.
Marcadores:
Literatura
Ofício
Às vezes acho que seria melhor fazer artesanato que sonetos. Às vezes tenho certeza.
Marcadores:
Literatura
Idade
Um poema deveria ser tão simples, sempre, que pudesse ser atribuído a qualquer rapaz ou garota entre catorze e dezoito anos, desde que possuídos inequivocamente pelo feitiço do amor.
Marcadores:
Literatura
Método
Para acreditar na existência da alma, um homem não precisa fazer nada além de olhar para as misérias do próprio corpo.
Marcadores:
Literatura
Nomenclatura
A um poema podem faltar muitas coisas. Se lhe faltar o amor, não merece o nome de poema.
Marcadores:
Literatura
domingo, 21 de junho de 2015
Um trecho de José Castello
"O difícil, para um escritor, é aceitar que a literatura, para ele, é tudo - e que, ainda assim, não leva a nada."
(De As feridas de um leitor, publicado pela Bertrand Brasil.)
(De As feridas de um leitor, publicado pela Bertrand Brasil.)
Algumas definições de amor
Na revista Rubem (www.rubem.wordpress.com) , tento hoje mais uma vez o impossível.
Cotação do dia
De que lhe serve ter alma, se não pode colocá-la num pequeno estojo e instruí-la para que, quando o abrir a amada, ela esvoace gentilmente pela sala e se ponha a gorjear amorosamente?
sábado, 20 de junho de 2015
Quites
Para escritores que dizem não saber por que escrevem, o ideal são leitores que não sabem por que leem.
Soneto da aposta no amor
É tempo já de saber
Quanta ingenuidade havia
Em você sonhar e crer
Naquilo em que você cria.
É tempo já de esquecer
De tudo quanto o iludia,
É tempo de recolher
Os cacos da fantasia.
Você foi tolo, apostou
No amor, perdeu, reapostou,
E mesmo agora, ao olhar
Tudo destruído, você,
Comovido, pensa que
Valeu a pena apostar.
Quanta ingenuidade havia
Em você sonhar e crer
Naquilo em que você cria.
É tempo já de esquecer
De tudo quanto o iludia,
É tempo de recolher
Os cacos da fantasia.
Você foi tolo, apostou
No amor, perdeu, reapostou,
E mesmo agora, ao olhar
Tudo destruído, você,
Comovido, pensa que
Valeu a pena apostar.
Um trecho de José Castello
"Acreditava Rilke que se deve preferir a ausência do ser amado à sua presença - porque só assim aumentavam as chances de tocar o Absoluto. Assim como sofria de uma necessidade imperiosa de ser amado por uma mulher, o que o aproximava de Don Juan, o poeta acreditava que nenhuma mulher correspondia ao seu desejo."
(De As feridas de um leitor, publicado pela Bertrand Brasil.)
(De As feridas de um leitor, publicado pela Bertrand Brasil.)
quinta-feira, 18 de junho de 2015
Soneto da aparição do amor
Vivíamos por viver,
Sem nenhuma aspiração,
Sem sonhos, sem aflição,
Sem nada ter ou querer.
Deixando a vida correr
Sem plano, sem intenção,
Bastava-nos a missão
De ser, de somente ser.
Chegou-nos o amor, porém,
Como sempre os dramas vêm,
E foi tão triste e doído,
Custou-nos tanta agonia,
Que muito melhor seria
Se tivéssemos morrido.
Sem nenhuma aspiração,
Sem sonhos, sem aflição,
Sem nada ter ou querer.
Deixando a vida correr
Sem plano, sem intenção,
Bastava-nos a missão
De ser, de somente ser.
Chegou-nos o amor, porém,
Como sempre os dramas vêm,
E foi tão triste e doído,
Custou-nos tanta agonia,
Que muito melhor seria
Se tivéssemos morrido.
"O que disse o tordo", de John Keats
"Tu, que o vento do inverno já atingiu no rosto
E viste em meio à bruma as nuvens mães da neve
E os negros cimos do olmo entre as estrelas gélidas,
Terás na primavera um tempo de colheita.
Tu, cujo único livro vem sendo a luz
Da escuridão suprema, de que te nutriste,
Noite após noite, quando Febo se ausentava,
Terás na primavera tríplice manhã.
Oh, não anseies por saber - eu nada sei,
Porém meu canto sempre surge com o calor.
Oh, não anseies por saber - eu nada sei,
Porém a noite escuta-me. Quem se entristece
Pensando no ócio não se encontra na indolência
E está desperto quem se julga adormecido."
(De Ode sobre a melancolia e outros poemas, tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos, publicação da Hedra.)
E viste em meio à bruma as nuvens mães da neve
E os negros cimos do olmo entre as estrelas gélidas,
Terás na primavera um tempo de colheita.
Tu, cujo único livro vem sendo a luz
Da escuridão suprema, de que te nutriste,
Noite após noite, quando Febo se ausentava,
Terás na primavera tríplice manhã.
Oh, não anseies por saber - eu nada sei,
Porém meu canto sempre surge com o calor.
Oh, não anseies por saber - eu nada sei,
Porém a noite escuta-me. Quem se entristece
Pensando no ócio não se encontra na indolência
E está desperto quem se julga adormecido."
(De Ode sobre a melancolia e outros poemas, tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos, publicação da Hedra.)
quarta-feira, 17 de junho de 2015
Mesmo que
Ele gostaria de ser um gato aleijado, se fosse ela quem cuidasse dele, mesmo que às vezes ela ralhasse: "Eu não falei para você não atravessar a rua?"
Soneto que define o que é o amor
Talvez pela minha idade,
E por aquela noção
De que os velhos sempre são
Quem mais conhece a verdade,
Ou seja lá por que for,
Vivem a me perguntar
E agora vou explicar
O que entendo por amor.
O amor é aquele bandido
Que chega de herói vestido
E, maneiroso e cordial,
No ombro nos coloca o braço,
Nos dá um beijo e um abraço
E nos enterra o punhal.
E por aquela noção
De que os velhos sempre são
Quem mais conhece a verdade,
Ou seja lá por que for,
Vivem a me perguntar
E agora vou explicar
O que entendo por amor.
O amor é aquele bandido
Que chega de herói vestido
E, maneiroso e cordial,
No ombro nos coloca o braço,
Nos dá um beijo e um abraço
E nos enterra o punhal.
De repente
Meus olhos de jovem leitor ficavam mais atentos quando aparecia um de repente. Era de repente que apareciam os monstros, as feiticeiras, os canibais. Era de repente que desabavam as tempestades que afundavam os navios e era de repente que as ondas gigantescas começavam a arremessar para todos os lados os corpos dos marinheiros mortos. De repente causava em mim tanto medo e impacto quanto os mais sanguinários vilões.
Lógica
Venho comprovando que a velhice é mesmo um estado de espírito - o mais desagradável de todos - e que piora dia a dia.
"Pergunta inocente", de Mario Quintana
"Mas se as bruxas têm tantos poderes - por que serão tão velhas, tão feias, tão pobres, tão sujas?"
(De Poemas para ler na escola, publicação da Editora Objetiva.)
(De Poemas para ler na escola, publicação da Editora Objetiva.)
terça-feira, 16 de junho de 2015
Soneto do velhote mal-acostumado
Como um menino mimado
Que tudo quer possuir, que
Não suporta pitos e
Não pode ser contrariado,
Hoje ele chora, emburrado,
Manhoso como um nenê,
Como um garoto que vê
O seu brinquedo quebrado.
Jogou o jogo do amor,
Dele saiu perdedor,
E esperneia e lamenta,
E pede colo e carinho,
Esse bizarro velhinho,
Esse bebê de setenta.
Que tudo quer possuir, que
Não suporta pitos e
Não pode ser contrariado,
Hoje ele chora, emburrado,
Manhoso como um nenê,
Como um garoto que vê
O seu brinquedo quebrado.
Jogou o jogo do amor,
Dele saiu perdedor,
E esperneia e lamenta,
E pede colo e carinho,
Esse bizarro velhinho,
Esse bebê de setenta.
"Os poemas", de Mario Quintana
"Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti..."
(De Poemas para ler na escola, publicado pela Editora Objetiva.)
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti..."
(De Poemas para ler na escola, publicado pela Editora Objetiva.)
segunda-feira, 15 de junho de 2015
Cotação do dia (3)
Agora, que já há anos não a vê, pensa em várias coisas. Arrepende-se de não tê-la mordido. Para não ser considerado maluco, bancou sempre o educadinho. Nunca chegou a perguntar a ela de quem eram os dentes que marcaram seus braços e sua nuca.
Marcadores:
Literatura
Cotação do dia (2)
O triste, nas loucuras que se cometem por amor, é que algum tempo depois elas parecem tão normais: fotos de um casal sorrindo com um par de filhos num parque, ou, numa praia, a mulher espremendo um cravo no rosto do homem (tá doendo, benzinho?) ou então o homem pondo delicadamente um biscoitinho nos lábios dela (é desse que você gosta, bem?)
Marcadores:
Literatura
Cotação do dia
Precisou escolher entre o amor e a vida. Optou pela vida. Foi há cinco anos - e há cinco anos vive uma vida nédia, lustrosa, refocilante, satisfeita e cagona, como a de uma porca.
Marcadores:
Literatura
Namoradinha
Os velhinhos conversam sobre a morte, no asilo. Seu Walter, contando já tê-la visto bem de perto algumas vezes, fala dela sorrindo, como se relembrasse encontros com uma namorada. Narra quatro ou cinco dessas ocasiões, com ênfase na última, em que o médico chegou a julgá-lo morto, e suspira, como se dissesse: vocês deviam ver como ela estava linda.
Marcadores:
Literatura
Maratona
Durmo cada vez mais. Doze, treze, catorze horas por dia. Preparo o corpo para a prova final, para o sono definitivo.
Marcadores:
Literatura
Tribunal
Quando passo na frente da estante, mil olhos me acusam: tantos livros, tantos dostoiévskis, tolstóis, shakespeares, pessoas, para gerar um cronista bisonho e um poetastro que escreve como quem produz mimosas caixinhas para guardar joias.
Marcadores:
Literatura
Impostor
Restaram-me as palavras. Com elas eu me modifico, eu me finjo, eu me melhoro, torno-me um ser menos insignificante e menos abjeto. Minhas rimas em inho e em ão não fazem de mim um poeta, mas me transformam num sujeito simpático, como costumam ser os bobocas.
Marcadores:
Literatura
Néctar
Uma tarde, ele murmurou amor com tanta doçura que uma abelha o seguiu, atravessou a rua, entrou com ele na padaria e, zonza, pousou sobre um dos doces do balcão.
Marcadores:
Literatura
Classe
Foi um homem tão elegante, sempre, que no dia de seu suicídio todos acharam que a corda lhe caía tão bem quanto uma gravata.
Marcadores:
Literatura
Prancheta
Muitas vezes, aquilo que chamam de tresloucado gesto é o mais longamente meditado de todos os atos da vida de um homem. Há relatos de suicidas de setenta anos que iniciaram o planejamento na infância.
Marcadores:
Literatura
Cotação do dia
Teve de escolher entre o amor e a vida. Optou pela vida. Foi há cinco anos - e há cinco anos vive uma vida nédia, refocilante e cagona como a de uma porca.
Marcadores:
Literatura
"O comércio", de Gary Snyder
"Me vi dentro de uma grande concha concreta,
iluminada por lâmpadas de vidro, com ar bombeado
dentro, com pavimentos ligados por escadas rolantes.
Eu estava cheio das coisas compradas e feitas
no século vinte. Dispostas em expositores
ou prateleiras
As multidões de gente desse século, com seu estilo,
roupas feitas em máquinas,
Trocando todo seu precioso tempo
por coisas."
(De Re-habitar, tradução de Luci Collin e Sergio Cohn, publicação da Azougue Editorial.)
iluminada por lâmpadas de vidro, com ar bombeado
dentro, com pavimentos ligados por escadas rolantes.
Eu estava cheio das coisas compradas e feitas
no século vinte. Dispostas em expositores
ou prateleiras
As multidões de gente desse século, com seu estilo,
roupas feitas em máquinas,
Trocando todo seu precioso tempo
por coisas."
(De Re-habitar, tradução de Luci Collin e Sergio Cohn, publicação da Azougue Editorial.)
Marcadores:
Literatura
domingo, 14 de junho de 2015
Soneto de quem nos arranha as portas
Estamos melhor agora,
Aqui dentro, em santa calma,
Só nós mesmos e nossa alma,
E o amor, como um cão, lá fora.
Às vezes, em horas mortas,
Em sua pele de cordeiro
Ele, astucioso e maneiro,
Vem arranhar nossas portas.
Nos amarramos à cama
Enquanto ele chama, chama,
Esgoela-se de chamar.
Já nos logrou uma vez,
De nós já fez e desfez,
Que chame até se cansar.
Aqui dentro, em santa calma,
Só nós mesmos e nossa alma,
E o amor, como um cão, lá fora.
Às vezes, em horas mortas,
Em sua pele de cordeiro
Ele, astucioso e maneiro,
Vem arranhar nossas portas.
Nos amarramos à cama
Enquanto ele chama, chama,
Esgoela-se de chamar.
Já nos logrou uma vez,
De nós já fez e desfez,
Que chame até se cansar.
Soneto da insuficiente insanidade
Quando se lembra do amor
E do que por ele fez
Toma-lhe o rosto um rubor.
Meu Deus, quanta insensatez!
Que pontiaguda loucura,
Que lancinante obsessão,
Que juras, jura por jura,
Juradas com aflição.
Toda essa crença e essa fé
Se desmancharam ano a ano,
Tornaram-no o triste que é.
E ele se acusa de ter
Sido bem menos insano
Do que poderia ser.
E do que por ele fez
Toma-lhe o rosto um rubor.
Meu Deus, quanta insensatez!
Que pontiaguda loucura,
Que lancinante obsessão,
Que juras, jura por jura,
Juradas com aflição.
Toda essa crença e essa fé
Se desmancharam ano a ano,
Tornaram-no o triste que é.
E ele se acusa de ter
Sido bem menos insano
Do que poderia ser.
sábado, 13 de junho de 2015
Cotação do dia
Sabe que morreu há dois anos e meio. Nem o fiapo do sol daquela manhã, que guardou como lembrança, se distingue mais na escuridão do bolso.
Soneto da sugestão (versão final)
Sonha, se tua realidade é triste.
Sonha, que o sonho ao menos pode dar,
A quem sofre, a ilusão de acreditar
Que é verdade o que só no sonho existe.
Sonha, e mesmo o que nunca, nunca viste,
Nem pensaste sem logo duvidar,
Tudo terás, real, a fulgurar,
No remanso ideal que construíste.
Sonha, e tudo que sonhes de mais belo
Abriga em teu intrépido castelo
Que a ventania arrojará ao chão...
Que importa? Apenas te acharás tristonho
Até que eterno sonhes novo sonho,
Eterno até o novo furacão.
Sonha, que o sonho ao menos pode dar,
A quem sofre, a ilusão de acreditar
Que é verdade o que só no sonho existe.
Sonha, e mesmo o que nunca, nunca viste,
Nem pensaste sem logo duvidar,
Tudo terás, real, a fulgurar,
No remanso ideal que construíste.
Sonha, e tudo que sonhes de mais belo
Abriga em teu intrépido castelo
Que a ventania arrojará ao chão...
Que importa? Apenas te acharás tristonho
Até que eterno sonhes novo sonho,
Eterno até o novo furacão.
sexta-feira, 12 de junho de 2015
Mario Quintana
Às vezes Mario Quintana me aparece risonho como um guri, tocando flauta e dançando: pirulin, pirulin.
Soneto daqueles que o amor matou
Àqueles que o amor matou
Já não importam canções,
Não movem mais emoções,
Para eles tudo acabou.
Já tanto tempo passou,
Tantos anos e estações,
Que até das recordações
Já o amor os apagou.
Lá onde estão sepultados
Jamais foram visitados,
E isso não irá mudar.
O amor sabe ser querido,
Sabe ser enaltecido,
O amor não sabe louvar.
Já não importam canções,
Não movem mais emoções,
Para eles tudo acabou.
Já tanto tempo passou,
Tantos anos e estações,
Que até das recordações
Já o amor os apagou.
Lá onde estão sepultados
Jamais foram visitados,
E isso não irá mudar.
O amor sabe ser querido,
Sabe ser enaltecido,
O amor não sabe louvar.
"Um pouco de geometria", de Mario Quintana
"A curva é o caminho mais agradável entre dois pontos."
(De Poemas para ler na escola, publicado pela Editora Objetiva.)
(De Poemas para ler na escola, publicado pela Editora Objetiva.)
Ontem e hoje
Digo amor e espero. Dois minutos, três, cinco, exatamente como fazia cinquenta anos atrás. Olho para o céu. Hoje, como há cinco décadas, nada acontece. Nem as estrelas nem a lua se movem. É como se eu não tivesse dito nada. O extraordinário, o mágico e o miraculoso continuam a negar-se a mim.
Fraude
Amor, como deves sentir-te enxovalhado quando ouves teu nome dito por lábios velhos como os meus.
O nome
Não sei quando pronunciei pela primeira vez a palavra amor. Faltará isso em minha história: o dia em que pela primeira vez disse o nome do meu assassino.
quinta-feira, 11 de junho de 2015
Idade
A fase mais triste da vida é aquela em você é amado ou respeitado pela obrigação imposta aos outros pela sua antiguidade.
Saúde pública
Quando o odor
se tornou pestilento
e com a causa os técnicos
não atinaram
nem desconfiaram
o ministro do saneamento
disse esperem um momento
já foram verificar se esse fedor
não vem daquele monumento
que fizeram para celebrar
a vida eterna do amor?
se tornou pestilento
e com a causa os técnicos
não atinaram
nem desconfiaram
o ministro do saneamento
disse esperem um momento
já foram verificar se esse fedor
não vem daquele monumento
que fizeram para celebrar
a vida eterna do amor?
Soneto do tolo satisfeito
Quando ele puxa as lembranças
Que o amor deixou e, magoado,
Reconstitui um passado
De sonhos e de esperanças,
Quando se lembra dos dias
De júbilo e riso louco
Transformados pouco a pouco
Em tormentos e agonias,
Não consegue compreender
Como foi que pôde ser
Tão ingênuo antigamente.
Mas bem quisera voltar,
Os mesmos sonhos sonhar
E ser tolo novamente.
"A máquina de matar o tempo", de Roberto Piva
"Aqui nós investimos contra a alma imortal dos gabinetes. Procuramos amigos que não sejam sérios: os macumbeiros, os loucos confidentes, imperadores desterrados, freiras surdas, cafajestes com hemorroidas e todos que detestam os sonhos incolores da poesia das Arcadas. Nós sabemos muito bem que a ternura de lacinhos é um luxo protozoário. Sede violentos como uma gastrite. Abaixo as borboletas douradas. Olhai o cintilante conteúdo das latrinas."
(De Um estrangeiro na legião, obras reunidas, volume 1, publicado pela Editora Globo.)
(De Um estrangeiro na legião, obras reunidas, volume 1, publicado pela Editora Globo.)
quarta-feira, 10 de junho de 2015
Mario Quintana
Mário de Andrade dizia que era trezentos e cinquenta. Mario Quintana foi muitos, também. Se um poeta é a sua poesia, e a poesia são seus versos, ele era vários, múltiplos, inumeráveis, incomensuravelmente diversos.
Família
Quando começou a se queixar de cansaço, a amorosa família o tirou do acanhado quarto de avô e o transferiu para uma casa de repouso.
Parnaso
Fomos meninos promissores
orgulho de pais
e de professores
Devotados agrimensores
com nosso manual de versificação
e metrificação
delimitamos o mundo
e seus arredores
e fizemos tudo
caber em nossas mãos
Oh tempora
oh mores
como vocês mudaram
Tão pouco reinamos
tão pouco duraram
nossos ideais parnasianos.
orgulho de pais
e de professores
Devotados agrimensores
com nosso manual de versificação
e metrificação
delimitamos o mundo
e seus arredores
e fizemos tudo
caber em nossas mãos
Oh tempora
oh mores
como vocês mudaram
Tão pouco reinamos
tão pouco duraram
nossos ideais parnasianos.
terça-feira, 9 de junho de 2015
Soneto da posição que ocupa o amor
Assim como uma obra-prima
Para um artista qualquer
É tudo o que ele mais quer
E o que a trabalhar o anima.
Assim como a majestade
Nunca será venerada
E nem sequer respeitada
Se ficar pela metade,
Assim também há de o amor
Ser o principal fator
Que nos instigue a viver.
O amor é o auge da essência,
É o apogeu da excelência,
A quintessência do ser.
Para um artista qualquer
É tudo o que ele mais quer
E o que a trabalhar o anima.
Assim como a majestade
Nunca será venerada
E nem sequer respeitada
Se ficar pela metade,
Assim também há de o amor
Ser o principal fator
Que nos instigue a viver.
O amor é o auge da essência,
É o apogeu da excelência,
A quintessência do ser.
Mario Quintana
Mario Quintana era poeta, jornalista, cronista, tradutor, humorista (no sentido britânico do termo), mas era principalmente um personagem, um protagonista (embora não lhe agradassem pompas). Era uma figura, com toda a simpatia que essa palavra sempre desperta. Mario Quintana era, Mario Quintana é, isso: uma figura única, irresistivelmente simpática.
Soneto das mil e uma faces do amor
O amor tem tantas feições
Que, para as enumerar,
Se empenharam em falar
Shakespeare, Dante, Camões.
Ninguém há que saiba quantas
São essas faces, embora
Alguns digam que por ora
São mil duzentas e tantas.
O amor é tudo que alenta,
Que nossos sonhos sustenta
E que a alegria desata.
Mas é também o que rói,
Mas é também o que dói,
Mas é também o que mata.
Que, para as enumerar,
Se empenharam em falar
Shakespeare, Dante, Camões.
Ninguém há que saiba quantas
São essas faces, embora
Alguns digam que por ora
São mil duzentas e tantas.
O amor é tudo que alenta,
Que nossos sonhos sustenta
E que a alegria desata.
Mas é também o que rói,
Mas é também o que dói,
Mas é também o que mata.
"Depois do trabalho", de Gary Snyder
"A cabana e algumas árvores
pairam na névoa que sopra
Eu tiro sua blusa
e aqueço minhas mãos frias
nos seus seios.
você ri e estremece
descascando alho junto ao
calor do fogão.
recolho o machado, o ancinho,
a lenha
nos encostaremos na parede
um contra o outro
um guisado cozinha devagar no fogo
enquanto anoitece
bebendo vinho."
(Do livro Re-habitar, tradução de Luci Collin e Sergio Cohn, publicação da Azougue Editorial.)
pairam na névoa que sopra
Eu tiro sua blusa
e aqueço minhas mãos frias
nos seus seios.
você ri e estremece
descascando alho junto ao
calor do fogão.
recolho o machado, o ancinho,
a lenha
nos encostaremos na parede
um contra o outro
um guisado cozinha devagar no fogo
enquanto anoitece
bebendo vinho."
(Do livro Re-habitar, tradução de Luci Collin e Sergio Cohn, publicação da Azougue Editorial.)
segunda-feira, 8 de junho de 2015
Soneto do menino doente
É muito triste lembrar.
O amor foi como um menino,
Tuberculoso, mofino,
Que veio nos procurar.
Nós o acolhemos felizes,
As suas chagas curamos
E uma por uma sopramos
Todas suas cicatrizes.
Esse menino, bem cedo,
Tornou-se nosso brinquedo,
De todos o mais valioso.
Ficou conosco um verão,
Depois morreu. Pobre, tão
Mofino e tuberculoso.
O amor foi como um menino,
Tuberculoso, mofino,
Que veio nos procurar.
Nós o acolhemos felizes,
As suas chagas curamos
E uma por uma sopramos
Todas suas cicatrizes.
Esse menino, bem cedo,
Tornou-se nosso brinquedo,
De todos o mais valioso.
Ficou conosco um verão,
Depois morreu. Pobre, tão
Mofino e tuberculoso.
Marcadores:
Literatura
Imortalidade
Também eu fui publicado
em antologias de novíssimos
também eu fui considerado
um talento
um portento
também eu fui chamado
de novo goethe
de novo rei
também eu fui enganado
também eu me enganei
em tempos antiquíssimos.
em antologias de novíssimos
também eu fui considerado
um talento
um portento
também eu fui chamado
de novo goethe
de novo rei
também eu fui enganado
também eu me enganei
em tempos antiquíssimos.
Marcadores:
Literatura
"Pequeno poema de após-chuva", de Mario Quintana
"Frescor agradecido de capim molhado
Como alguém que chorou
E depois sentiu uma grande, uma quase envergonhada alegria
Por ter a vida
Continuado..."
(De Poemas para ler na escola", publicado pela Editora Objetiva.)
Como alguém que chorou
E depois sentiu uma grande, uma quase envergonhada alegria
Por ter a vida
Continuado..."
(De Poemas para ler na escola", publicado pela Editora Objetiva.)
Marcadores:
Literatura
domingo, 7 de junho de 2015
Soneto da obsessão do amor
Quando um homem se ensimesma
Em torno de uma paixão,
Muda o mês, muda a estação,
Mas a obsessão sempre é a mesma.
Ele só tem um assunto.
Morreu o amor, porém dois
Ou quarenta anos depois
Falará do amor defunto.
E na paixão que o consome
Dirá sempre o mesmo nome,
Como um devoto no altar.
Morreu o amor, mas ninguém,
Nem por mal e nem por bem,
O fará acreditar.
Em torno de uma paixão,
Muda o mês, muda a estação,
Mas a obsessão sempre é a mesma.
Ele só tem um assunto.
Morreu o amor, porém dois
Ou quarenta anos depois
Falará do amor defunto.
E na paixão que o consome
Dirá sempre o mesmo nome,
Como um devoto no altar.
Morreu o amor, mas ninguém,
Nem por mal e nem por bem,
O fará acreditar.
Revista Rubem
Na crônica de hoje (www.rubem.wordpress.com) falo de coisinhas que nos fazem viver e morrer. Um pouco de humor, talvez, porque para continuar vivo é preciso ser falso, quase sempre.
sábado, 6 de junho de 2015
Soneto da senhora dona de mim
Senhora dona de mim,
Por que de mim tu te esqueces,
Por que de mim escarneces,
Por que me tratas assim?
Por que, suprema senhora,
As frases que me disseste
E as juras que me fizeste
Tu não repetes agora?
Talvez me queiras dizer
O que este amargo castigo
Eu fiz para receber.
Não, não precisas falar.
Deixei a vida contigo,
De que posso me queixar?
Por que de mim tu te esqueces,
Por que de mim escarneces,
Por que me tratas assim?
Por que, suprema senhora,
As frases que me disseste
E as juras que me fizeste
Tu não repetes agora?
Talvez me queiras dizer
O que este amargo castigo
Eu fiz para receber.
Não, não precisas falar.
Deixei a vida contigo,
De que posso me queixar?
Sovina
O amor, aquele patife,
Aquele tratante imundo,
Nos manda para o outro mundo
E não paga nem o esquife.
Aquele tratante imundo,
Nos manda para o outro mundo
E não paga nem o esquife.
Soneto do fogo do amor
Amor, quem há de apagar
O fogo teu, que me queima,
Que não dá tréguas e teima
Em me ferir e marcar?
Amor, eu posso saber
Quando irás me permitir
Serenamente dormir,
Tranquilamente viver?
Me poupa, eu te peço, amor,
E promete, por favor,
Não me ferires jamais.
Me poupa, mas em outra hora,
Amanhã talvez. Agora
Me queima um pouquinho mais.
O fogo teu, que me queima,
Que não dá tréguas e teima
Em me ferir e marcar?
Amor, eu posso saber
Quando irás me permitir
Serenamente dormir,
Tranquilamente viver?
Me poupa, eu te peço, amor,
E promete, por favor,
Não me ferires jamais.
Me poupa, mas em outra hora,
Amanhã talvez. Agora
Me queima um pouquinho mais.
sexta-feira, 5 de junho de 2015
Soneto do compromisso de louvar
Comprometeu-se a cantar
Da amada toda a beleza,
A inexcedível alteza,
A majestade sem par.
Para a promessa pagar
Em sua plena inteireza,
Sem falha nem incerteza,
De nada mais quis cuidar.
Tendo a amada assim louvado,
Achou ser pouco e, obcecado,
Também a vida quis dar.
Não pôde, porém. Sua vida
Tinha sido consumida
Completamente em louvar.
Da amada toda a beleza,
A inexcedível alteza,
A majestade sem par.
Para a promessa pagar
Em sua plena inteireza,
Sem falha nem incerteza,
De nada mais quis cuidar.
Tendo a amada assim louvado,
Achou ser pouco e, obcecado,
Também a vida quis dar.
Não pôde, porém. Sua vida
Tinha sido consumida
Completamente em louvar.
Também
Também eu, como todos,
morrer de amor prometi,
e também eu, como tantos,
ao amor sobrevivi,
a promessa olvidei
e engordei
e envileci
e apodreci.
morrer de amor prometi,
e também eu, como tantos,
ao amor sobrevivi,
a promessa olvidei
e engordei
e envileci
e apodreci.
Bis
O amor nos há de matar
Tão gentil, tão cortesmente,
Que havemos de suplicar
Que nos mate novamente.
Tão gentil, tão cortesmente,
Que havemos de suplicar
Que nos mate novamente.
Glória
Talvez no fim
a literatura
nos valha enfim
uma homenagem comovente
uma missa
ainda que de corpo ausente
um sentido necrológio
cinco minutos abençoados
num relógio cronometrados
de precisão suíça.
a literatura
nos valha enfim
uma homenagem comovente
uma missa
ainda que de corpo ausente
um sentido necrológio
cinco minutos abençoados
num relógio cronometrados
de precisão suíça.
Um poema de Guillaume Apollinaire
"Tive a coragem de olhar para trás
Os cadáveres dos meus dias
Marcam a minha estrada e eu os choro
Uns apodrecem em igrejas italianas
Ou em pequenos bosques de limoeiros
Que florescem e frutificam
Ao mesmo tempo e em qualquer estação
Outros dias choraram antes de morrer em tavernas
Onde buquês ardentes rolavam
Aos olhos de uma mulata que inventava a poesia
E as rosas da eletricidade ainda se abrem
No jardim da minha memória."
(Do livro Álcoois, tradução de Mário Laranjeira, publicação da Hedra.)
Os cadáveres dos meus dias
Marcam a minha estrada e eu os choro
Uns apodrecem em igrejas italianas
Ou em pequenos bosques de limoeiros
Que florescem e frutificam
Ao mesmo tempo e em qualquer estação
Outros dias choraram antes de morrer em tavernas
Onde buquês ardentes rolavam
Aos olhos de uma mulata que inventava a poesia
E as rosas da eletricidade ainda se abrem
No jardim da minha memória."
(Do livro Álcoois, tradução de Mário Laranjeira, publicação da Hedra.)
quinta-feira, 4 de junho de 2015
Crueldade
À nossa carne, viciada em inconfessáveis rituais, nem sempre o amor proporciona o castigo que julgamos merecer. Nas ocasiões em que ele age assim e, mostrando-se magnânimo, se abstém de chicotear-nos, ou nos vergasta com parcimônia, é quando mais cruel o achamos.
Tocaia
Teus olhos pareciam um tigre na escuridão do quarto. Imóvel, eu me entreguei, ansiando mais pela tua fúria que pela tua benevolência.
Agradinho
Às vezes a gramática permite que desvendemos alguns dos seus segredos, os menores, assim como uma garota consente em deixar que o namorado apalpe seus seios por cima da blusa, enquanto ela conta implacavelmente até cinco.
quarta-feira, 3 de junho de 2015
Uma rosa é
Como é tão mais magnífica a rosa
como é tão mais bela
antes de um pateta
um esteta ou
qualquer outro pateta
dizer como ela é magnífica
e expressar como ela é bela.
como é tão mais bela
antes de um pateta
um esteta ou
qualquer outro pateta
dizer como ela é magnífica
e expressar como ela é bela.
Pecado
Um prazer da vida é entrar
na sala semiobscurecida
e começar
a tocar
a apalpar
a acariciar
a buquinar.
na sala semiobscurecida
e começar
a tocar
a apalpar
a acariciar
a buquinar.
Enfant terrible
Farei como rimbaud
Juntarei minha caquexia
minha tosse
minha bronquite
mon chapeau
minha anemia
pegarei um trem
e abandonarei a poesia.
Juntarei minha caquexia
minha tosse
minha bronquite
mon chapeau
minha anemia
pegarei um trem
e abandonarei a poesia.
Soneto do bom romance
Não há leitor que se canse,
Que se arrisque a se enfadar
E se ponha a bocejar
Quando lê um bom romance.
Como empolga acompanhar
Um herói que, lance a lance,
Não há o que não alcance
Ou deixe de conquistar.
Como nos encanta ver
Esse herói tudo vencer
E sempre impor sua voz.
Na vida é bem diferente,
Nada épico ou comovente.
Na vida o herói somos nós.
Que se arrisque a se enfadar
E se ponha a bocejar
Quando lê um bom romance.
Como empolga acompanhar
Um herói que, lance a lance,
Não há o que não alcance
Ou deixe de conquistar.
Como nos encanta ver
Esse herói tudo vencer
E sempre impor sua voz.
Na vida é bem diferente,
Nada épico ou comovente.
Na vida o herói somos nós.
terça-feira, 2 de junho de 2015
Pressa
A brisa continuaria a acariciar o ventre da mulher se ela não a achasse muito lenta e convencional e não a substituísse por seus próprios ávidos dedos.
Mario Quintana
Mario Quintana é um dos melhores exemplos de que tudo na vida, até a aparentemente inatingível poesia, é só uma questão de bom humor e jeito.
Dalton Trevisan
Em Dalton Trevisan o fetiche sexual pode estar num dente de ouro, num olhar vesgo ou na marca deixada no rosto por um cravo mal espremido.
Santa mãe
Como outros no asilo, seu Lucas anda com a memória fraca. Nas histórias que conta, a mãe tem três ou quatro nomes. Ora é Lúcia, ora Laura, ora Luísa. Ou Helena. Mas é sempre a melhor das mulheres do mundo, uma santa. O nome do pai ele nunca esquece. Jesuíno. Aquele bêbado, aquele puto, aquele sacana. Aquele monstro que fez a santa mãezinha - Lúcia, Laura, Luísa ou Helena - entrar na viração para sustentar a casa.
Kama Sutra - DCXXXIX (versão final)
Não resistes, porém, ao meu dedo médio, o da mão esquerda. Dás sempre um jeito de acolhê-lo dentro de ti depois do terceiro toque, fingindo que já dormes.
Kama Sutra - DCXLII (versão final)
Dar-te beijos tão inconcebivelmente sem intenções que me sentisse merecedor do teu e do sarcasmo de tuas amigas.
Kama Sutra - DCLXXVIII (versão final)
Sente ainda os tormentosos apelos do sexo, e emerge de sonhos depois dos quais instantaneamente põe a mão ali onde outrora haveria uma elevação e uma mancha esbranquiçada e agora há sempre, só, o tecido seco do pijama sobre uma insípida planície.
Dupla
Mas além do amor há a literatura. Sobre ela e sua má vontade em atender aos nossos sonhos podemos também lançar a culpa pela nossa amargura.
Curriculum vitae
Não sou um escritor profundo
daqueles que em tudo
querem mudar tudo
e reviravoltear o mundo
da cabeça aos pés
Sou ainda e sempre serei
aquele menino inseguro
que se esmera na redação
com a mesquinha ambição
de ganhar uma nota dez.
daqueles que em tudo
querem mudar tudo
e reviravoltear o mundo
da cabeça aos pés
Sou ainda e sempre serei
aquele menino inseguro
que se esmera na redação
com a mesquinha ambição
de ganhar uma nota dez.
Linguagem
Censurar o amor é como falar mal de um passarinho porque não conseguimos entender o que diz seu canto.
segunda-feira, 1 de junho de 2015
Soneto das perdidas primaveras
Sempre os velhinhos no asilo
Falavam da primavera,
Recordando como ela era,
Que belo era tudo aquilo.
Alguns não lembravam bem
Mas floreavam as memórias
E imaginavam histórias,
Todas felizes também.
Um deles, que só ouvia
E nada jamais dizia,
Disse hoje que ia falar.
Pararam todos. Então,
Cobrindo o rosto com a mão,
Ele se pôs a chorar.
Falavam da primavera,
Recordando como ela era,
Que belo era tudo aquilo.
Alguns não lembravam bem
Mas floreavam as memórias
E imaginavam histórias,
Todas felizes também.
Um deles, que só ouvia
E nada jamais dizia,
Disse hoje que ia falar.
Pararam todos. Então,
Cobrindo o rosto com a mão,
Ele se pôs a chorar.
Marcadores:
Literatura
Um trecho de "Nadja", de André Breton
"Sem ti, o que eu faria desse amor, do talento que sempre reconheci em mim, em nome do qual não pude fazer menos que tentar alguns reconhecimentos aqui e ali? Eu me gabo de saber onde reside esse talento, quase em saber no que consiste, e o considerava capaz de conciliar quase todos os outros grandes ardores. Creio cegamente em teu talento. Não será sem tristeza que retirarei essa palavra, se ela te espanta. Mas quero bani-la de uma vez por todas. O talento... o que eu ainda poderia esperar de alguns possíveis intercessores que me apareceram sob esse signo e que deixei de ter perto de ti!"
(Tradução de Alexandre Barbosa de Souza, Nelson Fonseca, Emilio Fraia e Ana Tereza Clemente, publicação da Cosacnaify.)
(Tradução de Alexandre Barbosa de Souza, Nelson Fonseca, Emilio Fraia e Ana Tereza Clemente, publicação da Cosacnaify.)
Marcadores:
Literatura
Assinar:
Postagens (Atom)