A ti, ó minha rainha
Bela, mais que uma manhã,
Eu dedico esta quadrinha
E o formoso enjambement.
quinta-feira, 30 de abril de 2020
quarta-feira, 29 de abril de 2020
Soneto da covid-19
Talvez um dia andemos novamente
Pela Consolação, pela Paulista,
E consigamos, milagrosamente,
Chegar salvos e sãos à Bela Vista.
Talvez possamos, como se ontem fosse,
Cantar aquela cálida canção
E achá-la muito mais intensa e doce
Do que nós a julgáramos então.
Talvez nos seja um dia restituída
Aquela nossa venturosa vida
E voltemos a andar pela cidade
Alegres, sorridentes e confiantes
Como naqueles belos dias antes
Dos longos dias de calamidade.
Pela Consolação, pela Paulista,
E consigamos, milagrosamente,
Chegar salvos e sãos à Bela Vista.
Talvez possamos, como se ontem fosse,
Cantar aquela cálida canção
E achá-la muito mais intensa e doce
Do que nós a julgáramos então.
Talvez nos seja um dia restituída
Aquela nossa venturosa vida
E voltemos a andar pela cidade
Alegres, sorridentes e confiantes
Como naqueles belos dias antes
Dos longos dias de calamidade.
terça-feira, 28 de abril de 2020
Os joguinhos da condessa
A condessa sempre me deu a impressão de apreciar menos o prazer que pudesse ter comigo e com a traição que cometia contra o conde do que a satisfação juvenil com a qual se entregava aos jogos amorosos, como se fossem a diversão não de uma mulher, mas de uma garota estouvada.
segunda-feira, 27 de abril de 2020
Sexo virtual
Velho demais para saber as particularidades do sexo virtual, ele se pôs a imaginá-las e chegou a uma conclusão quase nostálgica: a coisa não deve ter mudado muito em comparação com aquilo que era na sua infância, com uma importante diferença - hoje não há mais aquele gostinho de pecado.
Marcadores:
Literatura
Insólita preferência
Apaixonou-se tão tresloucadamente pela garota de programa que, logo no final do primeiro encontro, lhe disse que jamais tinha visto e jamais veria mulher mais esplêndida. Guardando o dinheiro na bolsa, ela perguntou, empinando os seios que ele havia beijado com ímpeto, que parte do corpo ele havia achado mais apreciável. Para não parecer um homem comum, ele respondeu que tinham sido os cotovelos. Ela então sorriu e, ótima negociadora, colocou os dois, o direito e o esquerdo, à disposição: "Pode ser hoje mesmo, eu faço um desconto, ou ficar para a próxima." E, como um item adicional de sedução, piscou: "Você é quem sabe, meu taradinho."
Marcadores:
Literatura
Soneto de exaltação à arte
Contra o mau gosto e contra a decadência,
Contra os que buscam na arte um instrumento
Só de poder e de enriquecimento,
Só de ascensão social e de eminência,
Contra aqueles que que afogam a consciência
E vendem sem vergonha seu talento,
Contra aqueles que pelo seu sustento
Degradam a arte e sua pura essência,
Contra aqueles que fazem do banal,
Por causa própria e premeditação,
Seu modo de viver e seu ideal,
Não temos nada mais do que a beleza,
Sustentada com zelo e com paixão,
Como nossa legítima defesa.
Contra os que buscam na arte um instrumento
Só de poder e de enriquecimento,
Só de ascensão social e de eminência,
Contra aqueles que que afogam a consciência
E vendem sem vergonha seu talento,
Contra aqueles que pelo seu sustento
Degradam a arte e sua pura essência,
Contra aqueles que fazem do banal,
Por causa própria e premeditação,
Seu modo de viver e seu ideal,
Não temos nada mais do que a beleza,
Sustentada com zelo e com paixão,
Como nossa legítima defesa.
Marcadores:
Literatura
A autenticidade de Bach
Bach é um dos raríssimos homens a respeito de quem não temos dúvida de haver sido criado por Deus à Sua imagem e semelhança.
Marcadores:
Literatura
domingo, 26 de abril de 2020
Glória
Um pensamento talvez profano é o de que Deus precisa existir, para que Bach esteja ao lado Dele, o direito.
sábado, 25 de abril de 2020
Soneto do amor banal (para Felipe Fortuna, Glauco Mattoso, Luiz Roberto Guedes e Silvana Guimarães)
Hoje não há quem veja mais no amor
Nada a não ser um fato, um simples fato,
Um ato mais do que comum, um ato
Cotidiano, sem peso e sem valor.
Não há mais quem, seja quem seja ou for,
Se disponha a lhe dar mais régio trato
E nem ao que ele dá mostrar-se grato,
Nem perante ele achar-se devedor.
O amor é agora um caso tão banal
Que pode se considerar igual
Ao de alguém que na rua vacilou,
Fez uma perna na outra tropeçar,
Sem no dia seguinte se lembrar
Se tropeçou ou se não tropeçou.
Nada a não ser um fato, um simples fato,
Um ato mais do que comum, um ato
Cotidiano, sem peso e sem valor.
Não há mais quem, seja quem seja ou for,
Se disponha a lhe dar mais régio trato
E nem ao que ele dá mostrar-se grato,
Nem perante ele achar-se devedor.
O amor é agora um caso tão banal
Que pode se considerar igual
Ao de alguém que na rua vacilou,
Fez uma perna na outra tropeçar,
Sem no dia seguinte se lembrar
Se tropeçou ou se não tropeçou.
Escolha
Enquanto ele hesitava
se podia era
ou poderia
a melhor forma
de se dizer
o que podia
ou poderia se dizer
passou sem ser dito.
se podia era
ou poderia
a melhor forma
de se dizer
o que podia
ou poderia se dizer
passou sem ser dito.
Frustração
Desagradou-lhe descobrir que a poesia era uma arte que se podia aprender. O romantismo o havia preparado para um acontecimento formidável, no qual receberia, de mão divina, o segredo supremo da beleza.
sexta-feira, 24 de abril de 2020
Sina
Tudo e qualquer coisa
Costumam ter uma chance de sobreviver.
Tudo menos um soneto.
Um soneto não tem tempo nem espaço.
Um soneto já nasce pronto para o fracasso.
Costumam ter uma chance de sobreviver.
Tudo menos um soneto.
Um soneto não tem tempo nem espaço.
Um soneto já nasce pronto para o fracasso.
quinta-feira, 23 de abril de 2020
Soneto da professora de artes manuais
O poeta, hoje um senhor octogenário,
Lembra às vezes, com gosto renovado,
O belo tempo de seu noviciado,
Os quatro alegres anos do primário.
Voltam-lhe então com máxima clareza
As imagens dos alunos, dos professores
E também - esplendor dos esplendores -
Da mestra mais formosa que a beleza.
Ensinava a cortar, a recortar,
A colar, a pintar, a desenhar,
Dando aos alunos rudimentos da arte,
Desconhecendo as mil patifarias
Das quais ele, menino, em fantasias,
Como outros tantos se tornava parte.
Lembra às vezes, com gosto renovado,
O belo tempo de seu noviciado,
Os quatro alegres anos do primário.
Voltam-lhe então com máxima clareza
As imagens dos alunos, dos professores
E também - esplendor dos esplendores -
Da mestra mais formosa que a beleza.
Ensinava a cortar, a recortar,
A colar, a pintar, a desenhar,
Dando aos alunos rudimentos da arte,
Desconhecendo as mil patifarias
Das quais ele, menino, em fantasias,
Como outros tantos se tornava parte.
Soneto da poesia e sua fonte
Na tevê, em programa dedicado
A divulgar o encanto da poesia,
Perguntaram ao poeta entrevistado
Qual era o manancial do qual bebia.
O poeta gaguejou, e quem o via
Suando como se fosse um sentenciado,
Concluiu que a produção inepta havia
Ao fazer-lhe o convite se enganado.
Quando, depois de um aflitivo instante,
O poeta, agora já não hesitante,
Disse ser sua fonte sempre o amor,
Tudo logo voltou ao habitual:
Salvava-se a poesia e, no final,
Também seu principal fornecedor.
A divulgar o encanto da poesia,
Perguntaram ao poeta entrevistado
Qual era o manancial do qual bebia.
O poeta gaguejou, e quem o via
Suando como se fosse um sentenciado,
Concluiu que a produção inepta havia
Ao fazer-lhe o convite se enganado.
Quando, depois de um aflitivo instante,
O poeta, agora já não hesitante,
Disse ser sua fonte sempre o amor,
Tudo logo voltou ao habitual:
Salvava-se a poesia e, no final,
Também seu principal fornecedor.
quarta-feira, 22 de abril de 2020
Sucesso
Seguir as normas do vernáculo pode realmente fazer com que você seja admirado, em especial por duas categorias: a dos que conhecem a gramática e a dos que presumem conhecê-la.
Más-línguas
Só pode ser coisa de detratores a afirmação de que os parnasianos só sabiam contar até doze.
- 6ºC
Formidável recepção tiveram no Brasil os poemas concretistas nórdicos, conservados em geladeira.
Fase
Os maiores sucessos do concretismo foram os da primeira fase, com a surpresa causada por aqueles poemas em 3D.
Sui generis
Pedregulhos coloridos começaram a saltitar dos lábios do declamador quando ele se dispôs a apresentar um poema concreto.
Verão
Um poema concretista costuma chorar apenas quando as chuvas lhe provocam infiltrações e goteiras.
terça-feira, 21 de abril de 2020
Ser Mario Quintana
Ser Mario Quintana é ser simples; aí é que está a dificuldade para quem não é Mario Quintana.
Alguma coisa
Já bem distante da afogueada juventude, o homem, nas visitas cada vez mais esporádicas que agora faz à antiga amante, chega, aponta desoladamente para a braguilha e diz: querida, veja o que você pode fazer por ele hoje.
segunda-feira, 20 de abril de 2020
Soneto do alpinismo social (P/Silvana Guimarães, Luiz Roberto Guedes e Glauco Mattoso)
Poeta desde a mais tenra juventude,
Nem bigode tinha ainda e já sabia
Que valor têm aos olhos da poesia
Tanto a devassidão quanto a virtude.
Adepto da primeira, conheceu
No longo tempo que passou na zona
Todo gigolô, toda marafona,
E com todos se deu e conviveu.
Quando, beirando já a meia-idade,
Se apaixonou por ele uma senhora
Da denominada alta sociedade,
Uma dama sem par, de grande classe,
Ele pôde casar-se, porque agora
Trepava já como se não trepasse.
Nem bigode tinha ainda e já sabia
Que valor têm aos olhos da poesia
Tanto a devassidão quanto a virtude.
Adepto da primeira, conheceu
No longo tempo que passou na zona
Todo gigolô, toda marafona,
E com todos se deu e conviveu.
Quando, beirando já a meia-idade,
Se apaixonou por ele uma senhora
Da denominada alta sociedade,
Uma dama sem par, de grande classe,
Ele pôde casar-se, porque agora
Trepava já como se não trepasse.
Marcadores:
Literatura
Covid-19
Ontem era destino, fado, sina,
E estava escrito antes de se nascer.
Hoje se morre à toa, por morrer,
Morrer é agora um fato de rotina.
E estava escrito antes de se nascer.
Hoje se morre à toa, por morrer,
Morrer é agora um fato de rotina.
Marcadores:
Literatura
SOS Literatura
Quem se julga escritor, como eu venho equivocadamente fazendo há tantas décadas, cai em pânico se em determinado texto lhe falta uma palavra, aquela que às vezes simplesmente por não vir no tempo exato decreta a nulidade de todas as outras. De uns dias para cá, tenho buscado não uma dessas palavras mágicas, mas algumas, que podem ser das mais corriqueiras, desde que se juntem e formem certa unidade minimamente poética, e em último caso até um conjunto prosaico, capaz de me livrar do constrangimento e da aflição de não conseguir tirar, de um velhote que se diz escritor, algo parecido com literatura
Marcadores:
Literatura
domingo, 19 de abril de 2020
Falsa honraria
Tirando duas ou três venturosas,
Que infelizes foram as musas,
Tocadas por mãos tão presunçosas,
Louvadas por bocas tão sujas.
Que infelizes foram as musas,
Tocadas por mãos tão presunçosas,
Louvadas por bocas tão sujas.
Teste
Ler em voz alta os próprios versos costuma ser um exercício muito mais valioso para a garganta do que para os ouvidos.
Polos
Escrever pode parecer a mais simples das coisas num dia e a mais difícil de todas no dia seguinte, dependendo da autoindulgência ou da honestidade de quem escreve.
Os disfarces
Começamos a escrever geralmente por vaidade e, à medida que avançamos, somos levados a ocultar nossa presunção sob diversos disfarces. O mais escandaloso deles é darmos a impressão de que escrevemos porque um ser superior nos atribuiu essa tarefa como missão.
Hoje na revista Rubem
Falo sobre a dificuldade que é o hábito de viver.
https://rubem.wordpress.com/2020/04/19/trechos-nada-mais-raul-drewnick/
https://rubem.wordpress.com/2020/04/19/trechos-nada-mais-raul-drewnick/
sábado, 18 de abril de 2020
Soneto da submissão ao amor
Por mais fortes que sejamos
E nos mostremos altivos,
Do amor nós somos cativos,
Jamais seremos seus amos.
Se ainda nos mantemos vivos,
Por ele é que respiramos
E por ele é que nos guiamos,
Por ele e por seus motivos.
Que dele sempre a contento
Possamos ser instrumento
Enquanto assim desejar.
E que nos fira e maltrate,
Que nos castigue e nos mate
Quando de nós se fartar.
E nos mostremos altivos,
Do amor nós somos cativos,
Jamais seremos seus amos.
Se ainda nos mantemos vivos,
Por ele é que respiramos
E por ele é que nos guiamos,
Por ele e por seus motivos.
Que dele sempre a contento
Possamos ser instrumento
Enquanto assim desejar.
E que nos fira e maltrate,
Que nos castigue e nos mate
Quando de nós se fartar.
sexta-feira, 17 de abril de 2020
Os detalhistas
Há escritores que, especialistas em móveis de quarto, gastam uma página e meia para descrevê-los, antes que se deite sobre a cama o casal de amantes.
Todos os dias
Você deve estar preparado para todos aqueles dias em que vão rir daquilo que você escreve. E, principalmente, deve estar pronto para os dias todos em que você se sentirá o mais infeliz dos homens por não conseguir escrever uma só daquelas coisas risíveis.
quarta-feira, 15 de abril de 2020
Frustração
Produtor de sonetos desde os vinte anos, ao chegar aos oitenta o poeta descobriu decepcionado que, empilhando-os folha por folha, atingiam a prosaica altura de quatro pedaços de pizza.
Abracadabra
As antologias de poesia antigas têm até hoje uma singular magia: é abri-las em qualquer página e dela salta descaradamente, todo encasacado e pimpão, um soneto.
Propriedades do soneto
Certos sonetos provocam apenas indiferença; outros, a maioria, atuam no leitor como uma espécie de coma induzido.
Estatística
Salvo uma exceção em mil, o soneto não passa de uma bem-sucedida união do autor com o leitor para uma perda de tempo compartilhada.
terça-feira, 14 de abril de 2020
Soneto do pecado de catorze versos
Talvez eu não seja honesto
Total e invariavelmente,
Mas categoricamente
Não vou dizer que não presto.
Sempre, toda vez que pude,
Eu fiz, sem olhar a quem,
O bem, conforme convém,
Sem achar nisso virtude.
Se algum pecado cometo,
A causa está no soneto,
Que me seduz e vicia.
Deslizes iguais ao meu
Muitos Dante cometeu,
Como Camões cometia.
Total e invariavelmente,
Mas categoricamente
Não vou dizer que não presto.
Sempre, toda vez que pude,
Eu fiz, sem olhar a quem,
O bem, conforme convém,
Sem achar nisso virtude.
Se algum pecado cometo,
A causa está no soneto,
Que me seduz e vicia.
Deslizes iguais ao meu
Muitos Dante cometeu,
Como Camões cometia.
Soneto que fala de sonetos
Se você é um sonetista,
Já deve estar mais que ciente
De que lastimavelmente
Você não é um artista.
Não há crítico que não
Deixe bem claro ao leitor
Que atraso, que desprimor,
Que praga os sonetos são.
Se for então insistir
Em sonetos produzir,
Se esmere em cada quarteto,
E nos tercetos, porém
Se esmere em tudo isso sem
Que isso pareça um soneto.
Já deve estar mais que ciente
De que lastimavelmente
Você não é um artista.
Não há crítico que não
Deixe bem claro ao leitor
Que atraso, que desprimor,
Que praga os sonetos são.
Se for então insistir
Em sonetos produzir,
Se esmere em cada quarteto,
E nos tercetos, porém
Se esmere em tudo isso sem
Que isso pareça um soneto.
segunda-feira, 13 de abril de 2020
Conte-me uma história triste
O que melhor sei é chorar.
Desde menino comovo-me com tudo.
Se você começa a me contar
uma história triste
não precisa nem contar bem:
eu logo me escalo como protagonista
e choro nas horas certas
e nas erradas também.
Sou um toleirão como aqueles
do tempo em que um homem podia ser ingênuo
sem que as mulheres zombassem dele
e sem que os homens o cavalgassem.
Vamos fazer um teste.
Conte-me uma história triste
de um rei que morre de amor pela rainha
ou de uma rainha que para ficar com o amante
mata a punhaladas o rei
e veja se eu não merecerei
ser achincalhado como um palhaço
e esporeado como um cavalo.
Desde menino comovo-me com tudo.
Se você começa a me contar
uma história triste
não precisa nem contar bem:
eu logo me escalo como protagonista
e choro nas horas certas
e nas erradas também.
Sou um toleirão como aqueles
do tempo em que um homem podia ser ingênuo
sem que as mulheres zombassem dele
e sem que os homens o cavalgassem.
Vamos fazer um teste.
Conte-me uma história triste
de um rei que morre de amor pela rainha
ou de uma rainha que para ficar com o amante
mata a punhaladas o rei
e veja se eu não merecerei
ser achincalhado como um palhaço
e esporeado como um cavalo.
Marcadores:
Literatura
Soneto de quem buscou a beleza
Sou tolo, frustrado, fútil.
Sei hoje que nada valho,
Que tudo que penso é falho
E tudo que faço é inútil.
Com determinismo e crueza,
Dos homens eu me afastei
E em meu mundo me fechei,
Buscando nele a beleza.
Empenhado em meu ofício,
Eu o transformei em vício,
Em obsessão e loucura.
Fiz muito, mas tudo frio,
Tão desolado e sombrio
Quanto é uma sepultura.
Sei hoje que nada valho,
Que tudo que penso é falho
E tudo que faço é inútil.
Com determinismo e crueza,
Dos homens eu me afastei
E em meu mundo me fechei,
Buscando nele a beleza.
Empenhado em meu ofício,
Eu o transformei em vício,
Em obsessão e loucura.
Fiz muito, mas tudo frio,
Tão desolado e sombrio
Quanto é uma sepultura.
Marcadores:
Literatura
domingo, 12 de abril de 2020
Como sempre
Foi um tempo bom:
ela amava Neruda
eu amava Deummond
e nós dois nos amávamos tanto
quanto amávamos a poesia.
Mas tudo havia de mudar
como tudo muda um dia -
ela passou a se interessar
pelos estudos sociais
eu pela filosofia
e tudo veio a dar
no que fatalmente daria:
eu comecei a fazer pouco de neruda
ela a desfazer de drummond
ela censurou no meu poeta a simplicidade
eu acusei no seu a contaminação da ideologia
e tudo terminaria aí se não terminasse
com a intromissão de alguma coisa ou de alguém
de um homem ou de uma mulher
que sempre acaba se intrometendo
em algum ponto qualquer
de qualquer história.
ela amava Neruda
eu amava Deummond
e nós dois nos amávamos tanto
quanto amávamos a poesia.
Mas tudo havia de mudar
como tudo muda um dia -
ela passou a se interessar
pelos estudos sociais
eu pela filosofia
e tudo veio a dar
no que fatalmente daria:
eu comecei a fazer pouco de neruda
ela a desfazer de drummond
ela censurou no meu poeta a simplicidade
eu acusei no seu a contaminação da ideologia
e tudo terminaria aí se não terminasse
com a intromissão de alguma coisa ou de alguém
de um homem ou de uma mulher
que sempre acaba se intrometendo
em algum ponto qualquer
de qualquer história.
Amores tardios
Que abusados são os amores tardios.
Aparecem assim do nada
dez anos depois do que deviam
e batem a porta: ei, chegamos.
Mal nos dão tempo de pensar
em como livrar-nos deles -
tão antiquados tão datados quanto
nossos bibelôs de mil novecentos
e noventa e nada -
e já completaram a frase:
chegamos para ficar.
Parecem conhecer a casa
pelo jeito com que entram
e são recebidos sem estranheza
pela bailarina espanhola
dom quixote sancho pança
o camponês a camponesa
e os outros objetos de louça da sala.
Quando se aproximam do sofá
resta-nos ainda uma esperança
mas o gato não se eriça
e abre espaço para eles
como se há dez anos estivesse ali
só guardando seu lugar.
Aparecem assim do nada
dez anos depois do que deviam
e batem a porta: ei, chegamos.
Mal nos dão tempo de pensar
em como livrar-nos deles -
tão antiquados tão datados quanto
nossos bibelôs de mil novecentos
e noventa e nada -
e já completaram a frase:
chegamos para ficar.
Parecem conhecer a casa
pelo jeito com que entram
e são recebidos sem estranheza
pela bailarina espanhola
dom quixote sancho pança
o camponês a camponesa
e os outros objetos de louça da sala.
Quando se aproximam do sofá
resta-nos ainda uma esperança
mas o gato não se eriça
e abre espaço para eles
como se há dez anos estivesse ali
só guardando seu lugar.
sexta-feira, 10 de abril de 2020
Como um mantra
Vivo há tanto tempo
que devo ter dito alguma vez
uma dessas frases
nas quais os outros
encontram algum encanto
e a repetem como se fosse um mantra
até que ela - já apreendido seu mistério -
passa a ser dita naturalmente
como uma dessas frases comuns
que todos dizem todo dia
e falam de pão, casa, mãe, irmão.
São tantas já minhas águas passadas
que devo ter dito a ti alguma vez
que eras a amada mais querida
entre todas as mais amadas -
mas quem me diz que não disse isso
com uma de minhas metáforas desastradas?
Não te direi nada agora.
Olha meus lábios mudos
e encontrarás a verdade,
a mesma que te revelarão
se lhes pedires frases que falem
de pão, de casa, de mãe e de irmão.
que devo ter dito alguma vez
uma dessas frases
nas quais os outros
encontram algum encanto
e a repetem como se fosse um mantra
até que ela - já apreendido seu mistério -
passa a ser dita naturalmente
como uma dessas frases comuns
que todos dizem todo dia
e falam de pão, casa, mãe, irmão.
São tantas já minhas águas passadas
que devo ter dito a ti alguma vez
que eras a amada mais querida
entre todas as mais amadas -
mas quem me diz que não disse isso
com uma de minhas metáforas desastradas?
Não te direi nada agora.
Olha meus lábios mudos
e encontrarás a verdade,
a mesma que te revelarão
se lhes pedires frases que falem
de pão, de casa, de mãe e de irmão.
Doença antiga
Dizem que ainda se morre de amor, mas são casos tão esporádicos que as estatísticas não os registram porque quando o faziam, até dez anos atrás, acabavam sendo desmentidas logo após, por se tratar de desavergonhadas fraudes.
quinta-feira, 9 de abril de 2020
quarta-feira, 8 de abril de 2020
terça-feira, 7 de abril de 2020
Covid-19
Por meus princípios e pela rima,
Se ainda houver tempo
E se incômodo não for,
Prefiro morrer de amor.
Se ainda houver tempo
E se incômodo não for,
Prefiro morrer de amor.
segunda-feira, 6 de abril de 2020
Covid-19
Afinal, o lambdacismo
pertence à esfera gramatical
ou à do mau humorismo?
pertence à esfera gramatical
ou à do mau humorismo?
Marcadores:
Literatura
Estatística
Além do amor, em especial o tolamente romântico e fadado quase sempre a desilusões e infortúnios, venho escrevendo predominantemente sobre duas categorias: a dos chatos e a dos defuntos (à primeira das quais julgo pertencer, assim como sei ter lugar reservado na segunda, com ou sem covid-19).
Marcadores:
Literatura
domingo, 5 de abril de 2020
Hoje na revista Rubem
Deixo um aviso: quando eu morrer, não digam nada à minha querida Scarlett Johansson.
https://rubem.wordpress.com/2020/04/05/dispersao-orquestrada-raul-drewnick/
https://rubem.wordpress.com/2020/04/05/dispersao-orquestrada-raul-drewnick/
sexta-feira, 3 de abril de 2020
Covid-19
Para lembrar os que se foram
e jamais irão voltar
calemo-nos agora
e calados fiquemos
um minuto que seja
ou tanto quanto
nós possamos ficar.
e jamais irão voltar
calemo-nos agora
e calados fiquemos
um minuto que seja
ou tanto quanto
nós possamos ficar.
quinta-feira, 2 de abril de 2020
Futuro
É de Bocage a sentença
Que, sábia, nos assegura:
Ou morreremos de doença
Ou morreremos de cura.
Que, sábia, nos assegura:
Ou morreremos de doença
Ou morreremos de cura.
quarta-feira, 1 de abril de 2020
Boletim médico
Está cumprindo o isolamento necessário. Testou positivo para o sertanejo universitário.
Assinar:
Postagens (Atom)