sábado, 13 de junho de 2020

Os cento e quarenta e quatro

Investiu a vida em sonetos. Desde a adolescência, gastou-se neles, consumiu-se com eles e teria morrido feliz se morresse por eles. Gozou de uma fama que jamais encorajou algum editor a cogitar a publicação de um livro que reunisse sua produção. Quando esta atingiu três centenas, ele selecionou as cento e quarenta e quatro melhores pétalas, enfiou-as em um pacote, anexou meia lauda de notas biográficas e encaminhou tudo a uma editora. Passado um ano sem resposta, telefonou imaginando que pudesse ter havido um extravio. Atendido por uma gentil secretária, comunicou-lhe esse temor. Ela pediu que ele esperasse um instante e ele a ouviu perguntar  a alguém pelo livro. Então uma voz que parecia mais a de um tenor que a de um editor, trovejou ao fundo: "É o autor? Vê se ele tem algum livro de poesia." O velho sonetista desligou sem ter a curiosidade de saber como a amável secretária lhe daria a notícia. E assim os leitores perderam a oportunidade de conhecer Uma grosa de sonetos de amor.

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