quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Os dois navios

A mulher era extraordinariamente bela e jovem. Sua calça de ginástica era tão justa e cor de carne que parecia ser parte do seu próprio corpo. Na blusa abria-se um decote que descia avidamente até o início das nádegas, como se quisesse apalpá-las. Ela estava na seção de frutas e desgalhava preguiçosamente uma uva, depois outra, e as colocava com languidez entre os lábios, como se elas devessem prová-los, e não o contrário. Os rapazes da reposição pararam de repor e a olhavam com um olhar que levava uma indisfarçável inquietação às braguilhas. Dois senhores acompanhavam também cada movimento da mulher, cada piscar de cílios, as palpitações de cada poro. Viram-se os dois de repente a três passos dela, que se voltou para eles, mordiscando mais uma bem-aventurada uva, ciente do poder de seu feitiço. Os dois homens sorriram um para o outro, como se dissessem: mas, meu senhor, o que nós dois estamos fazendo aqui atrás destas nádegas? Vi que nos olhos deles se esgueirou por um instante o brilho triste de uma impossível esperança, e eles se afastaram lentamente da mulher, como aqueles navios velhos e carcomidos que, no poente, o horizonte, por misericórdia, engole.

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