domingo, 12 de dezembro de 2010
Lírica (1.376) - O telefone, o celular
O homem está morto. Ainda respira, mexe as pálpebras, os dedos, mas não porque deseje. Faz vinte e quatro horas que se deitou no sofá e pretende ficar mais vinte e quatro, trinta e seis, quarenta e oito, quantas forem necessárias para os pulmões e o coração entenderem que seu funcionamento não é mais desejável. Nas primeiras doze horas, ainda lhe passou pelo cérebro a ideia de que, se o telefone tocasse, se o celular soasse, talvez ele pudesse reconsiderar a resolução. Mas, agora, morrer - que era um projeto - se tornou uma obsessão, uma questão de honra. Olha para o telefone, para o celular, agora ansiando pelo silêncio deles, pelo tempo que for necessário. A fraqueza o faz cochilar e acordar, cochilar e acordar. Toda vez que acorda, olha de novo para o telefone e o celular. Estão mortos, ele agora tem certeza de que estão, e nenhum deles se dará ao trabalho de impedir a viagem que ele decidiu fazer. A sirene de uma ambulância corta aflitamente o ar, mas ele sorri, tranquilo. Sabe que não é para ele. Nada mais é para ele, a não ser essa paz que começa enfim a sentir.
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