terça-feira, 3 de maio de 2011

Cristaleiras

Vi Luzes da Ribalta, de Chaplin, pelo menos vinte vezes e falei sobre o filme mais umas vinte. E, sempre que falo, exagero um tanto e digo que o vi sessenta vezes, setenta. É pouco: sinto que deveria tê-lo visto muitas vezes mais. Aquilo é tão dramaticamente, maravilhosamente, lancinantemente piegas quanto aquelas cristaleiras em que as famílias antigas, à falta de cristais, acabavam colocando rústicas poncheiras, copos opacos, caixinhas de música e bibelôs que, tendo sofrido alguma mutilação por desastres de manuseio e pertencendo à categoria de objetos de estimação, ali eram encerrados. Bailarinas sem pés, moinhos sem pás e outras relíquias domésticas eram postas na cristaleira com a estratégica e piedosa preocupação de que seus defeitos se exibissem mais à parede que aos olhos dos jovens que, nas festas de família, paravam diante da poncheira para novamente serem informados de que aquele soldado com o capacete roído pelo tempo e aquele cachorro com a orelha lascada tinham sido presenteados à vovó em 1910 ou poucos meses antes da I Guerra Mundial.

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