sábado, 28 de julho de 2012
Quantos, quantos?
Quantos maus poemas serão capazes de abrandar o coração de uma mulher e despertar nela algo que se pareça com sentimento? Acordei com esta pergunta, hoje, e dormirei sem resposta. E dormirei mal. E acordarei mal. E refarei a pergunta amanhã, apesar de todo o trabalho mental para esquecê-la. E recomeçarei a escrever meus maus poemas e a contá-los. E sonharei todas as noites que eles escapam do micro e buscam o rumo que deveriam buscar os meus passos, se houvesse ventura em meu destino. E sonho também, loucamente, como sonham sempre aqueles que o amor tocou, que os maus versos se transformam em pássaros no caminho e cantam tão belamente que por alguns momentos a cidade abrandará seu tumulto e olhará para o alto e se espantará ao ver que tão magnífico canto sai de pássaros tão desgraciosos. E talvez chova sobre eles, para, ainda que tardiamente, abafar seu canto, porque São Paulo costuma se envergonhar de seus repentes de sentimentalismo, tão bizarros no meio de seu coração de pedra. Mas eles chegarão a uma rua em que, no dia seguinte, os caminhões de limpeza trabalharão incansavelmente para recolher as penas, os bicos e, talvez, restos de canto, soando ainda, como se fosse possível.
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