Trecho do livro Elizabeth Costello, de J.M. Coetzee:
"As pesssoas reclamam que tratamos os animais como objetos, mas na verdade tratamos os animais como prisioneiros de guerra. Você sabia que, quando foram abertos os primeiros zoológicos, os tratadores tinham de proteger os animais dos ataques dos espectadores? Os espectadores sentiam que os animais estavam ali para serem insultados e humilhados, como prisioneiros em uma marcha triunfal. Já promovemos uma guerra contra os animais, que chamamos de caça, embora, na verdade, guerra e caça sejam a mesma coisa (Aristóteles percebeu isso claramente). Essa guerra foi travada ao longo de milhões de anos. Só a vencemos definitivamente faz algumas centenas de anos, quando inventamos as armas de fogo. Só quando a vitória foi absoluta é que pudemos nos permitir cultivar a compaixão. Mas a nossa compaixão é muito rarefeita. Por baixo dela existe uma atitude mais primitiva. O prisioneiro de guerra não pertence à nossa tribo. Podemos fazer o que quisermos com ele. Podemos sacrificá-lo aos nossos deuses. Podemos cortar seu pescoço, arrancar seu coração, atirá-lo ao fogo. Não existe lei quando se fala de prisioneiros de guerra."
(Elizabeth Costello é um alter ego de Coetzee, uma personagem de estilo panfletário por intermédio da qual ele reflete sobre problemas essenciais sem tirar os pés da ficção, sem incorrer no ensaio puro e simples. O livro foi publicado em 2004 pela Companhia das Letras, em tradução de José Rubens Siqueira.)
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