domingo, 25 de novembro de 2012

O beijo como véspera do escarro

Augusto dos Anjos é sempre um espanto para quem o lê pela primeira vez - e até para quem o relê. Na sua época, enquanto os poetas, como sempre, exaltavam as flores, ele falava de vísceras, pus, pústulas. Seu mais famoso poema vai abaixo, extraído do livro "Eu e outras poesias", editado pela Bedeschi, do Rio de Janeiro.

"VERSOS ÍNTIMOS

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!"

Nenhum comentário:

Postar um comentário