quinta-feira, 2 de maio de 2013
A descoberta do gelo
Em Cem anos de solidão, Gabriel García Márquez descreve a descoberta do gelo pelos habitantes de Macondo como uma epifania. Sempre que lembro essa passagem, recordo-me do deslumbramento que provocou também em mim, e nos outros meninos do Jardim da Saúde, a mesma descoberta. Não havia geladeiras domésticas no bairro em que passei a infância - elas eram também ainda raras em toda a cidade. Gelo, só conhecíamos o que vinha em barras enormes e era encontrado só em bares. Imaginem a festa que foi quando passou a percorrer o bairro um caminhãozinho que vendia leite em latões conservados entre... barras de gelo. Eram ásperas, não tinham gosto de nada, mas, sempre que ouvíamos o pequeno caminhão tossindo pelas ruas do bairro, era feriado para nós. Logo criamos uma estratégia para nos apoderarmos daquele tesouro. Esperávamos o leiteiro atender as freguesas. Quando ele voltava ao volante, um de nós se pendurava na traseira do moroso caminhãozinho, destrancava o pequeno trinco e empurrava uma barra para fora. Ela batia no chão de terra e, miraculosamente, não perdia uma lasca. Depois de apanhá-la, nós a arrastávamos como uma presa para a calçada e, munidos de cacos de telha, nos púnhamos a tirar fatias de gelo que tinham gosto de... gelo e terra. E como eram deliciosas!
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