"Eréndira estava banhando a avó quando começou o vento de sua desgraça. A enorme mansão de argamassa lunar, perdida na solidão do deserto, estremeceu até os fundamentos com a primeira investida. Mas Eréndira e a avó estavam acostumadas aos riscos daquela natureza desatinada, e mal notaram a intensidade do vento no banheiro adornado de pavões-reais repetidos e mosaicos pueris de termas romanas.
A avó, nua e grande, parecia uma formosa baleia branca na banheira de mármore. A neta acabara de fazer catorze anos, era lânguida, de ossos delicados e muito paciente para sua idade. Com uma parcimônia que tinha algo de rigor sagrado fazia abluções na avó com uma água na qual fervera plantas depurativas e folhas perfumadas, e estas se grudavam nas costas suculentas, nos cabelos metálicos e soltos, no ombro potente, tatuado sem piedade, com um menosprezo de marinheiros."
(Do conto "A incrível e triste história da cândida Eréndira e sua avó desalmada", do livro homônimo, tradução de Remy Gorga, filho, publicado pelo Círculo do Livro.)
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