"O poeta lê seus versos para os cegos.
Não imaginava que fosse tão difícil.
Treme-lhe a voz.
Tremem-lhe as mãos.
Sente que cada frase
é posta aqui à prova da escuridão.
Vai precisar se virar sozinha
sem luzes e cores.
Aventura perigosa
para as estrelas em seus versos,
a aurora, o arco-íris, as nuvens, os neons, a lua,
para os peixes até aqui tão prateados sob a água
e o falcão tão alto e silencioso no céu.
Lê - porque já é tarde demais ,para não ler -
sobre o rapaz de casaco amarelo num prado verde,
sobre os telhados vermelhos, que se podem contar, no vale,
sobre os números agitados nas camisas dos jogadores
e sobre a desconhecida nua na porta entreaberta.
Queria se calar - embora seja impossível -
sobre todos aqueles santos no teto da catedral,
aquele gesto de despedida na janela do trem,
a lente do microscópio e o raio de luz no anel
e a tela e o espelho e o álbum de retratos.
Mas é grande a cortesia dos cegos,
grandes sua compreensão e magnanimidade.
Ouvem, sorriem e aplaudem.
Um deles até se aproxima
com um livro aberto de cabeça para baixo
pedindo o autógrafo que não verá."
(De Um amor feliz, tradução de Regina Przybycien, edição da Companhia das Letras.)
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Um poema de uma beleza inatingível!
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