"Ah! Eis que estás de volta esta noite,
Para despertar ainda
O que eu julgava morto nos abismos do ser.
A luz aumenta;
De súbito, o coração ardente espalha sua luz vermelha.
Agora que vejo a palidez de tuas faces,
As grandes planícies de teus olhos,
E que uma palavra mal se desprende dos teus lábios,
Adivinhei o curso estranho do teu sonho,
E poderia jurar que este vento triunfante
Dispersou para bem longe as imagens do mundo,
E afastou do teu coração a memória inoportuna,
Semelhante às flores de espuma que recolhe a onda:
E agora és um sopro do espírito
E tua presença é um dilúvio penetrante,
O raio que brame no meio das tormentas
E o suspiro final da tempestade que morre.
És o vasto encanto em que se embala o universo,
Somente tu escapas à sua fascinação.
A vida rebenta sem descanso de tua fonte poderosa
E sobre ti agora a morte já não tem nenhum poder.
Assim, quando a morte tiver enrijecido o teu seio,
Tua alma subirá mais alto do que a sua prisão,
O cárcere misturará sua pedra à poeira,
A escrava confundida se perderá nos céus,
E a Natureza inteira acolherá o teu ser;
Tua alma se perderá nas dobras da sua Alma,
E seu hálito receberá então os teus suspiros.
Ó mortal!
A fábula da vida é narrada bem depressa,
Mas basta uma vida - para não se morrer jamais."
(De O vento da noite, tradução de Lúcio Cardoso, edição da Civilização Brasileira.)
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