sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
Lírica (1.287) - O soneto
A papelaria ia mal e, entre o comprador das dez e meia e algum eventual comprador da tarde, o dono e único empregado, um tal de Castro Álvaro, influenciado certamente pelo nome, que evocava o do grande poeta dos escravos, pôs-se a tentar quadrinhas e, depois, um tanto mais seguro, a engendrar sonetos. Um deles lhe pareceu tão bom que ele o mostrou a uma garota que bissextamente ia lá para adquirir um caderno ou dois lápis. O efeito foi surpreendente. Julgando-se a musa e a destinatária do poema, a menina caiu de um amor carnal por Castro Álvaro, que, embora vinte anos mais velho, retribuiu a seu modo. Num dos dias em que nem o comprador das dez e meia nem o da tarde apareceram, o poeta e sua amada, sob o estímulo do soneto, fizeram um filho entre pastas, mochilas e estojos. Estão casados hoje, e a papelaria, que não garantia o sustento de um, garante menos ainda o sustento de três.
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