sábado, 11 de dezembro de 2010
Lírica (1.364) - O inútil
Escreve. Não sabe fazer outra coisa. Gostaria de ser um homem útil. Se fosse sapateiro, poderia trocar um salto, uma sola. Se fosse padeiro, produziria nas madrugadas aquele aroma morno que, assim, como o das flores, desperta as manhãs. Se fosse vendedor de detergentes, percorreria os bairros explicando às freguesas qual o melhor cloro, qual o meis eficiente sabão. Tem receio de andar pela rua, de parar num ponto de ônibus, e ver um desses homens úteis se aproximar e perguntar o que ele faz. Pode dizer a qualquer um deles que escreve, que faz poesia? Pode contar a eles que escreve desde os quinze anos e ainda não aprendeu? Pode confessar que, se precisasse ou quisesse fazer uma ode ao trabalho deles, não saberia? Pode admitir que compõe versos para as estrelas, para a lua, para o sol, para uma garota de cabelos lisos ou uma menina de tranças? Terá coragem de, olhando nos olhos deles, dizer: "Olha, gente, eu sou um inútil"?
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