sábado, 4 de dezembro de 2010
Situações (177) - As duas crianças
No barco vão duas crianças mortas, que o barqueiro levará bem longe, para honrar sua palavra e o dinheiro recebido. Trinta quilômetros pelo menos, como lhe disseram. A jornada está no início e ele pensa como seria melhor se as duas estivessem vivas e pudessem aproveitar o passeio sob aquele sol que, ele receia, logo as fará feder como bois abatidos. Quando chegar ao local que lhe indicaram, precisará enterrar, e bem fundo, o menino e a menina, para que não possam vir a se desvencilhar da terra e das raízes e voltar para corromper os jovens. O barqueiro olha mais uma vez para as crianças e não crê, tão plácidas estão, que tenham provocado os malefícios e as desgraças de que as acusam. Gostaria de conhecer seus nomes, para dizê-los na oração que fará ao enterrá-las. Não sabe que são nomes amaldiçoados e que a pessoa que os pronunciar será considerada seguidora do Diabo e supliciada numa fogueira. Os homens que lhe encomendaram o trabalho não disseram, porque não podiam, que o menino se chamava Amor e a menina se chamava Esperança.
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