"Todos nós conhecemos as alegrias da degradação. Talvez eu deva dizer de outra forma. Todos nós certamente passamos por fases da vida em que descobrimos que era agradável, até relaxante, deixar-nos naufragar. Mesmo quando dizemos a nós mesmos que somos imprestáveis - repetidamente, como se a repetição tornasse isso verdade -, de repente nos libertamos de todas as imposições morais para nos ajustarmos e da sufocante preocupação de obedecer a regras e leis, de ranger os dentes no esforço para sermos iguais aos outros. Quando os outros nos degradam, chegamos ao mesmo lugar a que chegamos quando nós mesmos tomamos a iniciativa de nos humilharmos. E então nos encontramos na posição de podermos chafurdar satisfeitos em nossa existência, nosso cheiro, nossa imundície, nossos hábitos, posição na qual podemos abandonar toda esperança de aperfeiçoamento e parar de alimentar ideias otimistas sobre os outros seres humanos. Esse lugar de descanso é tão confortável que não podemos deixar de nos sentir gratos pela raiva e pelos egoísmos que nos conduziram a esse momento de liberdade e solidão."
Assim que li hoje este parágrafo, no livro Outras Cores, do Prêmio Nobel de Literatura Orhan Pamuk, editado pela Companhia das Letras em tradução de Berilo Vargas, me veio a expressão "vestir a carapuça". E eu a vesti imediatamente. O texto me expressa, exprime o meu caráter, a minha alegria de perdedor. Sempre, entre ser Sade e Masoch, me alinhei com o segundo. Gostar de ser perdedor - embora alguém possa dizer que isso não passa de um disfarce de quem, aspirando à vitória, não a consegue - foi algo que sempre tive comigo. Ser vítima e não carrasco, ser submisso e não tirano são, na verdade, características nem propriamente de minha escolha, mas a tradução de algo que considero quase como um fatalismo. Fui sempre assim, à parte alguns espasmos que esporadicamente me impeliram a buscar à vitória e que só acabaram por se revelar exceções necessárias à confirmação da regra. Se não entro derrotado, dou um jeito de me derrotar tão logo a oportunidade se apresente. Perguntam-me por que levo sempre tudo, em minha vida, pelo caminho que aponta para a derrota e, quando surge algo que todos considerariam uma vitória, eu instantaneamente me ponho a desqualificar esse "triunfo". Não sei. Sei que não mudarei, não está em minha vontade e em minha capacidade mudar e que, se algum gozo eu tiver ainda na trilha cujo final está próximo, será o proporcionado pela humilhação e pela degradação. Sinto às vezes que esse meu anseio de querer o fracasso e louvá-lo bem pode ser não uma demonstração de inferioridade, mas uma atitude de menosprezo aos vencedores. O desprezo que sinto por mim quando penso dessa maneira representa, em vez de um impulso para a mudança, outro motivo para que eu desfrute e exalte minha mesquinhez como outra parte essencial de meu caráter. Perdi recentemente uma batalha - talvez a mais importante de minha vida - e a perdi em grande medida por essa impossibilidade de me transformar. Como eu me justificaria diante de mim mesmo se a vencesse? Sofro os horrores de todos os tormentos e não errará quem julgar que os sofro com uma satisfação que a vitória talvez não me proporcionasse senão por um momento. Ai de mim! Ai de mim?
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